«Venerado Cardeal Patriarca,
Amados Irmãos no Episcopado!
Amados Irmãos no Episcopado!
Com fraterna alegria, vos acolho e saúdo neste vosso encontro colegial com
o Sucessor de Pedro, pedindo-vos que leveis a todos os membros das vossas
circunscrições eclesiásticas as minhas saudações mais cordiais, com votos de
grande serenidade e confiança no Senhor.
Quando as dificuldades parecem ofuscar as perspectivas de um futuro melhor,
quando se experimenta o falimento e o vazio em redor de nós, é o momento da
esperança cristã, fundada no Senhor ressuscitado e acompanhada por um amplo esforço
caritativo em favor dos mais necessitados.
Muito me alegra ver a Igreja em Portugal solidária e solícita com a sorte
do seu povo, como aliás acaba de referir o vosso Presidente, Cardeal Manuel
Clemente, nas amáveis palavras de saudação que me dirigiu e que lhe agradeço,
convidando-vos por minha vez a prosseguir juntos no caminho do anúncio da
salvação de Jesus Cristo.
Vejo, com esperança, crescer a sinodalidade como opção de vida pastoral nas
vossas Igrejas particulares, procurando envolver o maior número possível de
seus membros na obra incessante de evangelização e santificação dos homens.
Desejo exprimir-vos o meu apreço pelo zelo pastoral e pelas múltiplas
iniciativas empreendidas, individualmente e como Conferência, nos anos
transcorridos desde a Visita ad Limina de 2007, com momento alto no
acolhimento que reservastes ao Papa Bento XVI em Maio de 2010. De grande
utilidade pelo seu realismo interpelador, se revelou a sucessiva auscultação
geral da fé e das crenças do vosso povo, que teve uma primeira resposta geral
na Nota Pastoral Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal
(Abril de 2013), com os «caminhos – escrevíeis vós – que agora nos propomos
percorrer para sabermos melhor levar Cristo aos nossos irmãos e os nossos
irmãos a Cristo».
Dos vossos relatórios quinquenais, pude deduzir, com verdadeira satisfação,
que as luzes sobrepujam as sombras: a Igreja que vive em Portugal é uma Igreja
serena, guiada pelo bom senso, escutada pela maioria da população e pelas
instituições nacionais, embora nem sempre seja seguida a sua voz; o povo
português é bom, hospitaleiro, generoso e religioso, ama a paz e quer a
justiça; há um episcopado fraternalmente unido; há sacerdotes, preparados
espiritual e culturalmente, que desejam dar um testemunho cada vez mais
coerente de vida interior realizada de modo evangélico, enquanto enraizada na
oração e na caridade; há consagrados e consagradas, que, fiéis ao carisma dos
respectivos fundadores, manifestam à sociedade contemporânea o valor perene da
sua entrega total a Deus mediante os conselhos evangélicos da pobreza, da
castidade e da obediência, e colaboram na pastoral de conjunto de cada uma das
Igrejas particulares, segundo as directrizes do documentoMutuae relationes;
há leigos que exprimem, com a sua vida no mundo, a presença eficaz da Igreja
para a autêntica promoção humana e social da Nação, lembrados desta indicação
do Concílio Vaticano II: «O apostolado no meio social, isto é, o empenho em
informar de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as
estruturas da comunidade em que se vive, são incumbência e encargo de tal modo
próprios dos leigos que nunca poderão ser plenamente desempenhados por outros.
Neste campo, podem os leigos exercer um apostolado de semelhante para com
semelhante. Aí completam o testemunho da vida pelo testemunho da palavra. Nesse
campo do trabalho, da profissão, do estudo, da residência, do tempo livre ou da
associação, são eles os mais aptos para ajudar os seus irmãos» (Apostolicam
actuositatem, 13). Nesta consonância de intentos de viver a comunhão na
Igreja e de contribuir para a sua presença no mundo, abrem-se múltiplos espaços
para iniciativas apropriadas, em particular para quantos desejam viver a
experiência do voluntariado nos âmbitos da catequese, da cultura, da
assistência amorosa a seus irmãos pobres, marginalizados, deficientes, idosos.
Ao regozijar-me vivamente com tudo isto, exorto-vos a prosseguir no empenho
duma constante e metódica evangelização, bem convictos de que uma formação
autenticamente cristã da consciência é de extrema e indispensável ajuda também
para o amadurecimento social e para o verdadeiro e equilibrado bem-estar de
Portugal. Com viva confiança em Deus, não percais a coragem perante situações
que suscitam perplexidade e vos causam amargura, tais como certas paróquias
estagnadas e necessitadas de reavivar a fé baptismal, que acorde no indivíduo e
na comunidade um autêntico espírito de missão; paróquias por vezes centradas e
fechadas no «seu» pároco às quais a carência de sacerdotes, para além do mais,
impõe abertura a uma lógica mais dinâmica e eclesial na comunhão; alguns
sacerdotes que, tentados pelo activismo pastoral, não cultivam a oração e a
profundidade espiritual, essenciais para a evangelização; um grande número de
adolescentes e jovens que abandonam a prática cristã, depois do sacramento do
Crisma; um vazio na oferta paroquial de formação cristã juvenil pós-Crisma, que
muito poderia obstar a futuras situações familiares irregulares; enfim,
necessidade de conversão pessoal e pastoral de pastores e fiéis até que todos
possam dizer com verdade e alegria: a Igreja é a nossa casa.
Meus amados irmãos, não pode deixar de nos preocupar a todos esta debandada
da juventude, que tem lugar precisamente na idade em que lhe é dado tomar as
rédeas da vida nas suas mãos. Perguntemo-nos: A juventude deixa, porque assim o
decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe
interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que
hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir
o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã
insista em vestir-lho? O seu Amigo de então, Jesus, também cresceu, tomou a
vida em suas mãos no meio dalguma incompreensão dos pais (cf. Lc 2,
48-52) e abraçou os desígnios do Céu a seu respeito, tendo-os levado a
cumprimento com abandono completo nas mãos do Pai (cf. Lc 23, 46).
Recordo que, num momento de crise e hesitação que envolveu os seus amigos e
seguidores acabando muitos deles por desertarem, Jesus perguntou aos doze
apóstolos: «“Também vós quereis ir embora?” Respondeu-Lhe Simão Pedro: “A quem
iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso, nós cremos e
sabemos que Tu és o Santo de Deus”» (Jo 6, 67-69). A proposta de Jesus
tinha-os convencido; hoje a nossa proposta de Jesus não convence. Eu penso que,
nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese, esteja bem
apresentada a figura e a vida de Jesus; talvez mais difícil se torne
encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o
envia e sustenta, apoiada nas palavras de Jesus: «Eu estarei sempre convosco
até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Que Ele está, não há dúvida; mas
onde é que O escondemos? Porque, se a proposta é Jesus Cristo crucificado e
redivivo no catequista e na comunidade, se este Jesus se põe a caminho com o
jovem e lhe fala ao coração, este seguramente abrasa-se (cf. Lc 22,
15.32).
Jesus caminha com o jovem… Infelizmente o pensamento dominante actual, que
vê o ser humano como aprendiz-criador de si mesmo e totalmente embriagado de
liberdade, tem dificuldade em aceitar o conceito de vocação, no sentido alto de
um chamamento que chega à pessoa vindo do Criador do seu próprio ser e vida. A
verdade, porém, é que Deus, ao criar-nos, sem dúvida livres na existência,
predispôs de certo modo a nossa essência ao pensá-la e dotá-la das capacidades
requeridas para uma missão concreta ao serviço desta humanidade que Ele ama. E
ama-nos demais, para nos abandonar ao acaso e à míngua de bem. Deste modo, a
nossa felicidade depende absolutamente de individuarmos e seguirmos o
chamamento para tal missão. A tal liberdade predisposta do mais íntimo do nosso
ser para um bem determinado, o mundo define-a uma contradição e, no seu cálculo
das probabilidades, não vê qualquer possibilidade de irmos parar no posto
exacto que um Ser infinito nos teria atribuído. Mas o mundo está enganado, pois
«o Senhor põe os olhos na humildade desta sua ínfima criatura e nela faz
maravilhas». Estas palavras traduzem a certeza duma jovem abençoada, mas que
via a mesma misericórdia que Deus usara para com ela «estender-se de geração em
geração sobre aqueles que O temem» (cf. Lc 1, 48-50).
E não há motivo algum para uma pessoa, seja ela quem for, se auto-excluir
deste terno olhar de Deus sobre a sua humilde criatura. «Acaso pode uma mulher
esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda
que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria» (Is 49, 15). Jesus
caminha com o jovem… Ao catequista e à comunidade inteira é pedido para passar
do modelo escolar ao catecumenal: não apenas conhecimentos cerebrais, mas
encontro pessoal com Jesus Cristo, vivido em dinâmica vocacional segundo a qual
Deus chama e o ser humano responde. «Quando ainda estava no ventre materno, o
Senhor chamou-me (…), para ser o seu servo, para Lhe reconduzir Jacob e para
Lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-Se a minha
força» (Is 49, 1.5). A Igreja em Portugal precisa de jovens capazes de
dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis
e fecundas, para voltar a haver consagrados e consagradas que trocam tudo pelo
tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver sacerdotes imolados com Cristo
pelos seus irmãos e irmãs. Temos tantos jovens desocupados e o Reino dos Céus à
míngua de operários e servidores… Deus não pode querer isto. Que se passa
então? «É que ninguém nos contratou» (Mt 20, 7). Precisamos de conferir
dimensão vocacional a um percurso catequético global que possa cobrir as várias
idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que
chama: ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao
findar a sua etapa terrena, há-de responder com todo o seu ser a esta chamada:
«Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor» (Mt 25, 21).
Não vos falta, amados Irmãos, zelo apostólico nem espírito de iniciativa
para alcançardes este objectivo, com o emprego do esforço humano ligado à
eficácia do auxílio divino. Jesus disse: «Quem crê em Mim também fará as obras
que Eu realizo» (Jo14, 12), não obstante a nossa total indignidade,
apesar da nossa fraqueza humana. Também os Apóstolos eram homens fracos. Também
Pedro era homem fraco. Seja, portanto, um esforço de colaboração, isto é, da
Igreja inteira, porque foi à Igreja que o Senhor assegurou a sua constante
presença e a sua infalível assistência. Depois desta visita ad Limina,
retomai com empenho renovado o vosso caminho, levando a todos a certeza da
minha fraterna solidariedade e empatia. Compartilho as vossas ânsias e as
vossas esperanças, as vossas preocupações e as vossas alegrias; convosco e por
vós invoco a Virgem Santíssima, para a Qual não cessem de tender os vossos
corações com amor filial. E não vos esqueçais de rezar por mim. Confirmo-vos o
meu afecto fraterno e dou-vos a Bênção Apostólica, com a qual pretendo abraçar
também os fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais.
Set 7, 2015 »2-Retirado do Site da Conferência Episcopal Portuguesa
6º Domingo do Tempo Comum - Ano
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