sábado, 22 de fevereiro de 2014

Só o Pobre se faz Pão


 
" (...) «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão para que possa ir às aldeias comprar alimento. Mas Jesus disse-lhes: “Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.” Reponderam: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes”»(Mt 14,15-17).
Os distintos relatos da multiplicação dos pães têm sempre esta característica comum: um escasso número de pães e de peixes é transformado em alimento para uma multidão. O que os discípulos desvalorizaram pela sua exiguidade é precisamente o que Jesus coloca no centro do acontecimento para revelar uma lógica outra, inaugural, a do Reino de Deus. No Evangelho, o pobre, o pequeno, o marginal, o que não conta, é sempre o gérmen do Reino. É assim com o quase invisível grão de mostarda, com a pequena porção de fermento ou com a simplicidade das crianças.
Corremos o risco de viver uma vida adiada por causa do que ainda não somos, do que ainda não fazemos, do que ainda não temos. E esquecemo-nos da imensa fecundidade oculta num campo vazio, recetivo para a novidade da semente. As grandes germinações, no relato bíblico, aconteceram sempre associadas à  experiência da esterilidade. Basta que nos lembremos de Sara, de Ana ou de Isabel.
(...) Uma casa vazia é sempre um espaço privilegiado para o agir de Deus.
Quanto mais nos expomos à nossa própria pobreza, mais cresce o espaço para o acolhimento do outro na sua pobreza. Só o pobre vê o pobre. A compaixão não nasce de cima ou de fora. Nasce de um encontro de olhares que se revelam  mutuamente.
(…) O desejo de Zaqueu encontra-se com o desejo de Jesus que, «levantando os olhos»,  lhe diz: «Desce depressa, pois hoje tenho que ficar em tua casa.» Do encontro destes desejos nasce uma mútua hospitalidade, da qual resultará uma mudança inesperada na vida de Zaqueu. A «abundância» que a presença de Jesus significa para Zaqueu traduz-se em partilha: « Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.»
A prática da hospitalidade requer sempre um despojamento para que o outro possa ser acolhido na surpresa da sua originalidade e não dentro dos limites traçados pela nossa visão.
(…)Poderá haver acolhimento sem a criação de um espaço para que o outro possa ocupar? Poderá haver encontro sem a experiência de perda? O desejo do outro está inscrito em nós como a possibilidade de libertação, como alargamento do nosso horizonte, como vislumbre do infinito.
(..) A humildade é a aceitação incondicional e gozosa do que efetivamente somos. Descer à terra, uma e outra vez, acolher o contraditório , o sombrio, o que dói, sem desalento e com ternura. Sempre com ternura, porque a terra que somos é o nosso melhor tesouro. Quando abrimos assim o coração, caem os medos, a liberdade ganha outra amplitude, aprendemos a olhar os outros com compaixão e vamos experimentando que Deus vive e respira em nós.
(…) Na cruz- a ignominiosa morte destinada aos últimos dos últimos-assistimos a um impressionante diálogo: « Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino. Jesus respondeu-Lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso» (Lc23,42-43). Diz o texto que este humilde pedido foi apresentado por um dos malfeitores crucificados ao lado de Jesus. Aí está Jesus: ao lado de quem ninguém quer estar, na vida e na morte. Somos pão com o outro, ao lado do outro, assumindo no nosso corpo a história do outro.
(…) Há toda uma arte de saber fazer a festa com uma grande simplicidade de recursos. Existem famílias e outras comunidades que estão muito treinadas nesta arte. E o que impressiona é a alegria que testemunham. Tudo ganha intensidade  quando os recursos para  a festa não vêm tanto do exterior, mas são fruto da convocação do que há de melhor em cada um de nós. Amplia-se o espaço para a criatividade, para a espontaneidade e para a manifestação dos afetos. Importa romper com a lógica de que alegria está no consumo e na apropriação. Não será legitimo esperar das comunidades cristãs o testemunho da alegria numa vida frugal que se traduza numa efetiva prática da solidariedade? (…) "
Vale a pena ler e reler este maravilhoso livro!