quarta-feira, 30 de setembro de 2015

BRAÇOS NUS DE JESUS




«Depois cruxificaram-n’O  e repartiram entre si os Seus vestidos, sorteando-os para verem o que levava cada um.»  Mc 15, 24

Imaginar Jesus pregado numa cruz não é fácil, Ele, O Filho amado de Deus Pai, sujeito a tão cruel estado.
O Todo Poderoso, deixa-Se pregar no madeiro  sem resistir, entregando-Se por Amor à Humanidade, por toda Humanidade, a  do presente, a do passado e a do futuro.  É o Verbo feito Carne, que  aceita  inscrever-Se  no madeiro, que nunca recusa a Vontade e  a Sabedoria do Pai.
Tão alto é o preço do nosso Resgate, mas  muito mais alto é o Amor de  Jesus  por todos nós. Quem muito perdoou, muito amou.
Nasceu Jesus  e foi deitado numa manjedoura, na sua morte, foi  pregado numa cruz. Mas aqueles Braços de Menino,  que  só puderam contar com  a ternura de  Maria e José,  já estavam abertos para  todos abraçar. Na Sua caminhada entre nós , Jesus teve sempre os Braços abertos para acolher, acarinhar, tocar, orar ao Pai, transformar, perdoar,  curar…No madeiro teve os Braços abertos para nos resgatar, e agora Ressuscitado, Seus  Braços abertos estão  para sempre nos receber…
Braços nus de Jesus sobre a cruz, "sem nada "e "com tudo"...
Braços nus de Jesus, Braços de Pai, de Mãe, de Irmão. Braços Santos!
No nosso caminhar, quando cairmos, saibamos confiar nos Braços de Jesus para Ele nos erguer, se nos sujarmos,  saibamos aproximar de Jesus para Ele nos purificar, no desânimo, saibamos encontrar o abraço de Jesus para nos animar.
Neste mundo que ainda é frio, saibamos ter os braços abertos como Jesus, para carinhosamente suavizar o fardo dos nossos irmãos mais abatidos.
Senhor,  que eu nunca me esqueça dos Braços Teus!

 Diac. José Luís Leão

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Discurso do Papa Francisco aos Bispos da Conferência Episcopal de Portugal em visita «Ad Limina Apostolorum»


«Venerado Cardeal Patriarca,
Amados Irmãos no Episcopado!

Com fraterna alegria, vos acolho e saúdo neste vosso encontro colegial com o Sucessor de Pedro, pedindo-vos que leveis a todos os membros das vossas circunscrições eclesiásticas as minhas saudações mais cordiais, com votos de grande serenidade e confiança no Senhor.

Quando as dificuldades parecem ofuscar as perspectivas de um futuro melhor, quando se experimenta o falimento e o vazio em redor de nós, é o momento da esperança cristã, fundada no Senhor ressuscitado e acompanhada por um amplo esforço caritativo em favor dos mais necessitados.

Muito me alegra ver a Igreja em Portugal solidária e solícita com a sorte do seu povo, como aliás acaba de referir o vosso Presidente, Cardeal Manuel Clemente, nas amáveis palavras de saudação que me dirigiu e que lhe agradeço, convidando-vos por minha vez a prosseguir juntos no caminho do anúncio da salvação de Jesus Cristo.

Vejo, com esperança, crescer a sinodalidade como opção de vida pastoral nas vossas Igrejas particulares, procurando envolver o maior número possível de seus membros na obra incessante de evangelização e santificação dos homens. Desejo exprimir-vos o meu apreço pelo zelo pastoral e pelas múltiplas iniciativas empreendidas, individualmente e como Conferência, nos anos transcorridos desde a Visita ad Limina de 2007, com momento alto no acolhimento que reservastes ao Papa Bento XVI em Maio de 2010. De grande utilidade pelo seu realismo interpelador, se revelou a sucessiva auscultação geral da fé e das crenças do vosso povo, que teve uma primeira resposta geral na Nota Pastoral Promover a Renovação da Pastoral da Igreja em Portugal (Abril de 2013), com os «caminhos – escrevíeis vós – que agora nos propomos percorrer para sabermos melhor levar Cristo aos nossos irmãos e os nossos irmãos a Cristo».

Dos vossos relatórios quinquenais, pude deduzir, com verdadeira satisfação, que as luzes sobrepujam as sombras: a Igreja que vive em Portugal é uma Igreja serena, guiada pelo bom senso, escutada pela maioria da população e pelas instituições nacionais, embora nem sempre seja seguida a sua voz; o povo português é bom, hospitaleiro, generoso e religioso, ama a paz e quer a justiça; há um episcopado fraternalmente unido; há sacerdotes, preparados espiritual e culturalmente, que desejam dar um testemunho cada vez mais coerente de vida interior realizada de modo evangélico, enquanto enraizada na oração e na caridade; há consagrados e consagradas, que, fiéis ao carisma dos respectivos fundadores, manifestam à sociedade contemporânea o valor perene da sua entrega total a Deus mediante os conselhos evangélicos da pobreza, da castidade e da obediência, e colaboram na pastoral de conjunto de cada uma das Igrejas particulares, segundo as directrizes do documentoMutuae relationes; há leigos que exprimem, com a sua vida no mundo, a presença eficaz da Igreja para a autêntica promoção humana e social da Nação, lembrados desta indicação do Concílio Vaticano II: «O apostolado no meio social, isto é, o empenho em informar de espírito cristão a mentalidade e os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que se vive, são incumbência e encargo de tal modo próprios dos leigos que nunca poderão ser plenamente desempenhados por outros. Neste campo, podem os leigos exercer um apostolado de semelhante para com semelhante. Aí completam o testemunho da vida pelo testemunho da palavra. Nesse campo do trabalho, da profissão, do estudo, da residência, do tempo livre ou da associação, são eles os mais aptos para ajudar os seus irmãos» (Apostolicam actuositatem, 13). Nesta consonância de intentos de viver a comunhão na Igreja e de contribuir para a sua presença no mundo, abrem-se múltiplos espaços para iniciativas apropriadas, em particular para quantos desejam viver a experiência do voluntariado nos âmbitos da catequese, da cultura, da assistência amorosa a seus irmãos pobres, marginalizados, deficientes, idosos.

Ao regozijar-me vivamente com tudo isto, exorto-vos a prosseguir no empenho duma constante e metódica evangelização, bem convictos de que uma formação autenticamente cristã da consciência é de extrema e indispensável ajuda também para o amadurecimento social e para o verdadeiro e equilibrado bem-estar de Portugal. Com viva confiança em Deus, não percais a coragem perante situações que suscitam perplexidade e vos causam amargura, tais como certas paróquias estagnadas e necessitadas de reavivar a fé baptismal, que acorde no indivíduo e na comunidade um autêntico espírito de missão; paróquias por vezes centradas e fechadas no «seu» pároco às quais a carência de sacerdotes, para além do mais, impõe abertura a uma lógica mais dinâmica e eclesial na comunhão; alguns sacerdotes que, tentados pelo activismo pastoral, não cultivam a oração e a profundidade espiritual, essenciais para a evangelização; um grande número de adolescentes e jovens que abandonam a prática cristã, depois do sacramento do Crisma; um vazio na oferta paroquial de formação cristã juvenil pós-Crisma, que muito poderia obstar a futuras situações familiares irregulares; enfim, necessidade de conversão pessoal e pastoral de pastores e fiéis até que todos possam dizer com verdade e alegria: a Igreja é a nossa casa.

Meus amados irmãos, não pode deixar de nos preocupar a todos esta debandada da juventude, que tem lugar precisamente na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos. Perguntemo-nos: A juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho? O seu Amigo de então, Jesus, também cresceu, tomou a vida em suas mãos no meio dalguma incompreensão dos pais (cf. Lc 2, 48-52) e abraçou os desígnios do Céu a seu respeito, tendo-os levado a cumprimento com abandono completo nas mãos do Pai (cf. Lc 23, 46). Recordo que, num momento de crise e hesitação que envolveu os seus amigos e seguidores acabando muitos deles por desertarem, Jesus perguntou aos doze apóstolos: «“Também vós quereis ir embora?” Respondeu-Lhe Simão Pedro: “A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso, nós cremos e sabemos que Tu és o Santo de Deus”» (Jo 6, 67-69). A proposta de Jesus tinha-os convencido; hoje a nossa proposta de Jesus não convence. Eu penso que, nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese, esteja bem apresentada a figura e a vida de Jesus; talvez mais difícil se torne encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o envia e sustenta, apoiada nas palavras de Jesus: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Que Ele está, não há dúvida; mas onde é que O escondemos? Porque, se a proposta é Jesus Cristo crucificado e redivivo no catequista e na comunidade, se este Jesus se põe a caminho com o jovem e lhe fala ao coração, este seguramente abrasa-se (cf. Lc 22, 15.32).

Jesus caminha com o jovem… Infelizmente o pensamento dominante actual, que vê o ser humano como aprendiz-criador de si mesmo e totalmente embriagado de liberdade, tem dificuldade em aceitar o conceito de vocação, no sentido alto de um chamamento que chega à pessoa vindo do Criador do seu próprio ser e vida. A verdade, porém, é que Deus, ao criar-nos, sem dúvida livres na existência, predispôs de certo modo a nossa essência ao pensá-la e dotá-la das capacidades requeridas para uma missão concreta ao serviço desta humanidade que Ele ama. E ama-nos demais, para nos abandonar ao acaso e à míngua de bem. Deste modo, a nossa felicidade depende absolutamente de individuarmos e seguirmos o chamamento para tal missão. A tal liberdade predisposta do mais íntimo do nosso ser para um bem determinado, o mundo define-a uma contradição e, no seu cálculo das probabilidades, não vê qualquer possibilidade de irmos parar no posto exacto que um Ser infinito nos teria atribuído. Mas o mundo está enganado, pois «o Senhor põe os olhos na humildade desta sua ínfima criatura e nela faz maravilhas». Estas palavras traduzem a certeza duma jovem abençoada, mas que via a mesma misericórdia que Deus usara para com ela «estender-se de geração em geração sobre aqueles que O temem» (cf. Lc 1, 48-50).

E não há motivo algum para uma pessoa, seja ela quem for, se auto-excluir deste terno olhar de Deus sobre a sua humilde criatura. «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria» (Is 49, 15). Jesus caminha com o jovem… Ao catequista e à comunidade inteira é pedido para passar do modelo escolar ao catecumenal: não apenas conhecimentos cerebrais, mas encontro pessoal com Jesus Cristo, vivido em dinâmica vocacional segundo a qual Deus chama e o ser humano responde. «Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me (…), para ser o seu servo, para Lhe reconduzir Jacob e para Lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-Se a minha força» (Is 49, 1.5). A Igreja em Portugal precisa de jovens capazes de dar resposta a Deus que os chama, para voltar a haver famílias cristãs estáveis e fecundas, para voltar a haver consagrados e consagradas que trocam tudo pelo tesouro do Reino de Deus, para voltar a haver sacerdotes imolados com Cristo pelos seus irmãos e irmãs. Temos tantos jovens desocupados e o Reino dos Céus à míngua de operários e servidores… Deus não pode querer isto. Que se passa então? «É que ninguém nos contratou» (Mt 20, 7). Precisamos de conferir dimensão vocacional a um percurso catequético global que possa cobrir as várias idades do ser humano, de modo que todas elas sejam uma resposta ao bom Deus que chama: ainda no seio da mãe, chamou à vida e o nosso ser assomou à vida; e, ao findar a sua etapa terrena, há-de responder com todo o seu ser a esta chamada: «Servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor» (Mt 25, 21).

Não vos falta, amados Irmãos, zelo apostólico nem espírito de iniciativa para alcançardes este objectivo, com o emprego do esforço humano ligado à eficácia do auxílio divino. Jesus disse: «Quem crê em Mim também fará as obras que Eu realizo» (Jo14, 12), não obstante a nossa total indignidade, apesar da nossa fraqueza humana. Também os Apóstolos eram homens fracos. Também Pedro era homem fraco. Seja, portanto, um esforço de colaboração, isto é, da Igreja inteira, porque foi à Igreja que o Senhor assegurou a sua constante presença e a sua infalível assistência. Depois desta visita ad Limina, retomai com empenho renovado o vosso caminho, levando a todos a certeza da minha fraterna solidariedade e empatia. Compartilho as vossas ânsias e as vossas esperanças, as vossas preocupações e as vossas alegrias; convosco e por vós invoco a Virgem Santíssima, para a Qual não cessem de tender os vossos corações com amor filial. E não vos esqueçais de rezar por mim. Confirmo-vos o meu afecto fraterno e dou-vos a Bênção Apostólica, com a qual pretendo abraçar também os fiéis confiados aos vossos cuidados pastorais.
Set 7, 2015 »2

-Retirado do Site da Conferência Episcopal Portuguesa
6º Domingo do Tempo Comum - Ano

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Senhor salvou-me - C. Silva / F. Santos





Cruz fiel e redentora,

Árvore nobre, gloriosa!

Nenhuma outra nos deu

Tal ramagem, flor e fruto,

Doces cravos, doce lenho,

Doce fruto sustentais!


Porto feliz preparaste

Para o mundo naufragado

E pagaste por inteiro

O preço da redenção,

Pois o sangue do Cordeiro

Resgatou as nossas culpas.
 

Deus quis vencer o inimigo

Com as suas próprias armas.

A Sabedoria aceitou

O tremendo desafio

E onde nascera a morte

Brotou a fonte da vida.
 

Elevemos jubilosos

À Santíssima Trindade

O louvor que Lhe devemos

Pela nossa salvação,

Ao Eterno Pai e ao Filho

E ao Espírito de amor.

 
«Retirado da Liturgia das Horas-Hino Vésperas II-Dia 14 Setembro-Festa-“EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ”»

Pobre "Ego"


 
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo...”  (Mc 8,34)
Todos nós somos habitados por um conjunto de “eus”, alguns conscientes, outros inconscientes. São os “pequenos egos” ocultos que habitam  nosso interior. São elementos de nossa própria sombra, aos quais deveremos prestar atenção se quisermos avançar rumo a uma plenitude humana e espiritual. 

A sombra é composta por um conjunto de pequenos “egos” que fomos alimentando no decorrer de nossa vida. Na sombra pode haver um ego vaidoso, orgulhoso, sozinho, assustado, ressentido, angustiado, irado, invejoso, triste, sensual, avarento, vítima, sádico... Trata-se de descobrir, pouco a pouco, esses pequenos “egos” reprimidos e inflados, nomeá-los e dialogar com eles. Neles se esconde a pessoa que teve de ocultar-se, negar-se ou até rejeitar-se para sobreviver diante dos outros. 

Para sair dessa armadilha é necessário situar-nos em nosso “espaço interior”, aí onde nos identificamos com nosso “eu verdadeiro”, para perceber as coisas de forma adequada. Uma experiência espiritual profunda consiste em estar cada vez mais lúcidos com relação a ele; identificando-nos prazerosamente com nosso Eu verdadeiro vamos “desvelando” e conhecendo mais nossos “pequenos egos” ocultos. 

Só podemos dialogar proveitosamente com nossos “egos” a partir de nosso “eu” verdadeiro (lugar da beatitude original). Desse diálogo brotam sentimentos de paz, abertura, espontaneidade, vitalidade, amor...

Quando experimentamos algum mal-estar existencial persistente, devemos desmascarar nosso pequeno “eu” sofredor (ressentido, desprezado, criticado, culpado...). A partir do melhor em nós, acolhemos e compreendemos esse mal-estar, ao mesmo tempo que a ele expressamos nossa compreensão e acolhida; nós nos humanizamos à medida que temos a coragem de descer ao encontro dos nossos “egos” e não permitimos que eles determinem nossa vida. Cada vez que nos reduzimos ao “ego”, bloqueamos o fluir da vida, e apenas sobrevivemos na superficialidade de nós mesmos. 

É aqui que se situa a afirmação de Jesus que fecha, como chave de ouro, toda a cena do evangelho de hoje: “Quem quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”. É um ponto chave do ensinamento de Jesus, ou seja, o convite a entrar na lógica do dom, do descentramento do eu, da entrega gratuita, da superação da mera reciprocidade. 

É a lógica aberta pelo Reinado de Deus, que alarga o horizonte da vida humana, enriquece as possibilidades de atuação e aumenta a criatividade no serviço. A lógica do dom implica deixar-se conduzir por Deus, conhecido através de Jesus, que é entrega de vida, misericórdia, perdão, amor infinito. 

Uma consideração superficial destas palavras de Jesus deu margem a uma apresentação do cristianismo como a religião que enfatizava a dor, a renúncia e a negação da própria vida e da própria identidade. Mas Jesus não buscava a dor e nem negava a vida. Suas palavras não são uma exaltação do sofrimento, mas expressam uma grande sabedoria: elas buscam “despertar” a pessoa para sua verdadeira identidade, para que assim ela possa assumir uma atitude acertada diante da vida. 

O horizonte de toda pessoa é precisamente a vida e a plenitude. Isso é o que todos, sabendo ou não, buscamos. E buscamos isso em tudo o que fazemos e em tudo o que deixamos de fazer. Como acertar?

Jesus oferece uma resposta carregada de sabedoria, na linha daquela que foi dada por todos os mestres e mestras espirituais: para caminhar na direção da vida, é necessário “desapegar-se” do ego. 

“Renunciar a si mesmo”  ou “negar-se a si mesmo” é não se reduzir ao eu superficial ou ego. Só quando nos desapegamos do ego, tomamos consciência de nossa identidade mais profunda, a vida que somos. Essa é a Vida de que fala o Evangelho, a mesma Vida que Jesus vivia, com a qual Ele estava identificado (“Eu sou a Vida”) e que buscava despertar em nós. 

“Renunciar a si mesmo”: não se trata de negar o que somos, mas o que pretendemos ser e não somos.

No mais profundo de cada um de nós habita uma pretensão básica de querer “ser deus” – “sereis como deuses”. É o pecado de raiz já dos nossos primeiros pais. É a tentação de querer ser outro, de não aceitar ser dependente, de não se aceitar como criatura, como humano (frágil e limitado)... 

“Renunciar a si mesmo” é não deixar que o impulso para a vaidade, a soberba, o poder... predomine; não deixar que o centro seja o “eu”, mas Deus. Isso implica em “descer”, humildemente, ao próprio húmus.

Se não venço essa pretensão de “bastar-me a mim mesmo”, não posso seguir Jesus Cristo.

O seguimento de Jesus implica, pois, um descentramento, um esvaziamento do “nosso próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Para poder viver o Evangelho de uma maneira inspirada, deveríamos deixar ressoar profundamente em nós essa expressão tão forte de Jesus: “negar-se a si mesmo” para poder viver com mais plenitude e transparência. 

“A negação de si” enquanto negação do que nega a vida. “Negar-se a si mesmo”  é deixar de se identificar com a tirania das mensagens de nossos pequenos “egos”, que se refletem em nossa própria linguagem e auto-imagem. “Negar-se a si mesmo” é um conselho sábio: significa negar o que na realidade “não é”, despertar-se da ilusão e do engano, deixar de girar em torno de um suposto “eu” que não existe, para viver a comunhão com todos e com tudo e agir assim de um modo mais coerente. 

Não somos os pequenos “egos” que acreditamos ser. Precisamos despertar dessa ilusão e entrar em contato com nosso verdadeiro Eu, nosso Ser e, a partir dele, olhar a vida, olhar nossa atividade e olhar os outros, a fim de viver em sintonia com quem somos em profundidade. É esse o modo de “ganhar a vida”. 

Precisamos desvelar (tirar o véu) de nossos “pequenos eus”, detetar e reconhecer seus dinamismos sombrios e atrofiadores, para podermos caminhar, com mais naturalidade e leveza, para além de nós mesmos. Do contrário, eles travarão nossa vida de uma maneira tirânica.

É saudável reconhecer esses “eus”  e dialogar com eles, pois de outra forma eles se fixarão em nós como rigidez ou nos transformarão em fanáticos. Rigidez e fanatismo, dureza e intolerância, legalismo e moralismo... indicam a existência de “eus” inflados que atrofiam nossa existência. 

Por isso “renunciar-se a si mesmo” não é mutilar-se, nem buscar sacrifícios, nem anular-se..., mas é descer até “o dinamismo de vida” (a força germinadora) que pulsa no próprio coração, ansioso de plenitude, de vida e de amor. 

A afirmação de Jesus, portanto, nos faz descobrir que por detrás do “renunciar-se a si mesmo” pulsa o desejo de desprender-se do “ego desumano” para poder expandir a vida em direção a uma ousada criatividade. 

Texto bíblico:  Mc. 8,27-35 

Na oração: Orar é aproximar-me da “verdade que me faz livre”; livre para ser “eu mesmo”, chegar a ser   aquilo a que sou chamado a ser. 

Por isso a oração cristã é também descoberta do “eu”, da minha própria realidade pessoal, do mistério que a habita. É nessa experiência divina que “descubro-me a mim mesmo”. Começo, então a descobrir o meu ser (único, original, sagrado...) quando “mergulho” no misterioso relacionamento com Deus e quando permito que o “mistério experimentado” se torne fonte de minha identidade. 

Mais ainda, saberei melhor QUEM sou eu, esquecendo-me de mim mesmo, aceitando perder-me, deixando que o Amor me liberte de meu pequeno ego. 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI
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