quinta-feira, 11 de junho de 2020

"Corpo de Deus" em pandemia



Os  tempos actuais estão a ser marcados por um vírus, que está a impor modificações na humanidade. Um vírus que circula livre, e que nos tem tirado certos graus de liberdade, obrigando a um distanciamento social. Transmite-se de pessoa em pessoa. Nenhum povo foi excluído.

Milhões de pessoas confinadas em suas casas, fechados entre quatro paredes, já há alguns meses. Os trabalhadores ligados à saúde a enfrentar o vírus de frente, e numa fase mais inicial, sem grandes proteções e meios (enfermeiros, médicos, auxiliares de saúde, bombeiros, etc). Também há empresas que nunca pararam, para poderem servir o mundo com bens mais essenciais.

Os estudantes deixaram as escolas, e passaram para sistema de ensino a partir de suas casas, através de redes de conectividade.

Os idosos ficaram “presos” nos seus lares e instituições, privados do carinho das famílias.

As Igrejas “fecharam” portas, e tal como nas escolas começou-se a utilizar a internet para podermos estar todos conectáveis/contactáveis nas celebrações, catequese e outras situações. No caso da Igreja Católica, os crentes ficaram privados dos Sacramentos…

Muitas pessoas têm morrido com a doença, principalmente os mais idosos, os doentes crónicos e os mais  pobres. Aumentou a fome, a insolvência de empresas  e o desemprego.

Aparentemente, em balanço, a humanidade toda mergulhou em grande sofrimento e medo. Mas também aconteceram outras coisas, sementes de amor e de esperança: aumentou interajuda entre as pessoas e povos, o voluntariado, o combate à fome, a ajuda comunitária na compra de equipamentos para os profissionais da saúde. A poluição que diminuiu de forma abrupta, há um maior respeito pelo cuidado da vida, há uma espiritualidade mais sincera , etc…

Hoje, dia em que nós Católicos celebramos a “Solenidade do Corpo de Deus”, sinto o “Corpo de Deus” em pandemia.

Com o sofrimento a atravessar a nossa vida, de uma forma atroz, em vez de desesperarmos, sentimos que Ele está connosco espiritualmente. Agora já não estamos privados dos Sacramentos em Portugal, mas em todo período em que estivemos, a presença de Jesus não desapareceu. Parece que até aumentou a nossa  confiança no Senhor e a nossa  Fé, pela Graça e o grande Amor de Deus.

Penso que muitos cristãos já não viviam os Domingos como os cristãos da Igreja Nascente. Para muitos praticantes, os Sacramentos são como rotinas, entra-se sisudo na Celebração, não se escuta a Palavra de Deus com o coração, não há conversão, não se toma o “Corpo do Senhor” com sede e com fome do Mistério, e aparentemente, não acontece nada, saem igualmente sisudos da igreja. Aqueles Discípulos de Emaús, que estavam desanimados, mas que se encontraram com Cristo Jesus na descida de Jerusalém, no início ficaram com os seus corações inflamados enquanto escutavam a Palavra de Deus. Depois da "Fração do Pão", reconheceram Jesus, ficaram cheios de alegria, inverteram o trajeto do seu caminho, voltaram a subir Jerusalém, e anunciaram Jesus Ressuscitado!

Penso que esta pandemia nos tem ensinado a sermos pão para os outros, arriscando mesmo a  vida. Hoje, se ainda temos a igrejas muito vazias, não fiquemos tristes, pois, mais importante,  é que em cada filho(a) de Deus esteja a aumentar esta fome e esta sede de Jesus, que o nosso encontro/confronto com a Palavra de Deus, deixe de ser morno, e passe para a dimensão da Verdadeira Vida,  Alegria e Paz.

A Eucaristia é fonte e a meta da nossa caminhada. É Jesus, na Unidade da Santíssima Trindade, que se faz Alimento para todos nós. Todos os Sacramentos concorrem para um único bem. Nos Sacramentos está toda a Vida de Jesus manifestada entre nós, e toda Ela nos é oferecida. Como seguidores de Jesus,  somos convidados a assumir essa mesma Vida no nosso corpo, para que em todos nós, possam ver  o “Corpo de Jesus”.

Existe um slogan, que surgiu em tempo de pandemia, que diz “Vai ficar tudo bem!”. Esperamos que fique tudo bem, tudo bem melhor que antes da pandemia, bem diferente. Pois  há coisas antes da pandemia que não estavam nada bem:

-Viagens de fim-de-semana de avião para destinos longínquos só porque caprichosamente me apetece, estava bem? Enquanto, havia e há pessoas sem tecto, outras  sem água e alimentos  em suas casas. Sacrificar o ambiente com toneladas de combustível queimado por um capricho…

-Construir lares de idosos de uma maneira massiva, e descarregar os nossos idosos lá, estava bem? Lares que são bandeiras de muitas paróquias e dioceses. Tirar os idosos de suas casas, das suas famílias, estava bem? Não estava bem, não! Os pais que cuidaram dos seus filhos quando  eram crianças/jovens  merecem ser cuidados pelos próprios filhos. Temos que tomar outro rumo, deve ser promovido o idoso em família.  Ser pão para os nossos pais, é sacrificarmos o nosso conforto por eles. Claro, com ajuda do estado e igreja .

-Descarregar os idosos nos hospitais estava bem? Isto era ser pão para os outros?

-Descarregar os filhos nas creches e escolas estava bem? Não haver um horário flexível para que, um/os pais, possam acompanhar melhor os seus filhos na escola e na vida, estava bem?

- Descarregar os filhos na catequese estava bem? Não deveria a catequese abraçar os pais, os filhos e a comunidade. Sair da sacristia que cheira a mofo, e ir ao encontro dos pobres e da vida, ..Isto dá trabalho, desinstala,  mas não será isto…ser pão para os outros!

-O consumismo desenfreado, só porque sim, estava bem? Não deveríamos nós, comprar o necessário e partilhar o restante com quem precisa…isto é ser pão para os outros!

-Ter as nossas crianças paradas, a olhar para um telemóvel, enquanto a verdadeira vida lhes passa ao lado, isto estava bem? Não deveriam eles serem envolvidos nos projectos e vida da comunidade? Um santo, uma pessoa feliz, aprende em comunidade a caminhar…uma comunidade apática habituada às comunidades da tradição, não se deixa salgar, nem salga ninguém!

Blog Catequese Missionária, "Solenidade do Corpo de Deus”, 11.06.2020,

Imagem: retirada da google imagens em 11.06.2020.