Testemunho de Ana Patrícia
« De tudo aquilo que foi Timor e, continua
a ser na minha vida, ficam as muitas recordações e uma verdadeira saudade! E,
esta saudade é de uma vida diferente, saudade de muitos momentos e,
particularmente, de pessoas. Foram sempre as pessoas que estiveram lá connosco,
que nos acolheram, que se despediram de nós, de um modo inesperado, no momento
difícil. E foi assim, porque Deus deu-nos o privilégio de conhecermos pessoas
autênticas.
Explorei, procurei, descobri, encontrei,
chorei, amei. Surpreendi-me, desiludi-me, conheci-me, foram muitos os
contrastes de sentimentos e emoções com a realidade que via e vivia…o confronto
comigo mesma! O testemunho de vidas autênticas baseadas na humildade e
simplicidade fizeram encontrar-me…crescer um bocadinho! Pessoas que nada tinham
mas que tudo eram! Assim chorei, sofri, mas cresci! Tomei nota como sou
pequenina, mesmo pequenina. Tomei nota que esta minha passagem por Timor foi
uma graça na minha vida, porque recebi muito mais do que aquilo que eu fui
capaz de dar! Tomei nota como a fé é um dom e a minha missão é hoje e agora
onde quer que eu esteja, porque me fizeram ver que ‘o essencial são as
pessoas.’
São pessoas de um olhar profundo e
sincero, por vezes indecifrável, e transmitiam serenidade, plenitude,
autenticidade, mas também era rostos de pessoas que passaram por muito
sofrimento, tristeza, e que vivem numa inquietação perante um futuro
incerto…não sabem se os seus sonhos algum dia irão realizar-se! Olham-nos nos
olhos…são transparentes ao ponto de se darem por completo.
As crianças são felizes! Brincam de
verdade, divertem-se com tarefas simples, até varrer o átrio da Igreja para
apanharem as folhas secas serve de entretenimento para elas. Já têm incutido um
espírito de serviço e entreajuda que as nossas crianças rodeadas de consumismo
não vivem! Brincam juntas…felizes! “Ó naransa?” (como te chamas?) perguntávamos
nós para que viessem ter connosco e não fugissem de vergonha. Elas riam-se
muito ao ouvirem-nos falar tétum e eu sentia-me realizada ao poder vivenciar
isto. A adolescente Leonarda e a pequenina e simpática Maria do Rosário foram
presenças muito queridas que marcaram a minha caminhada.
As experiências foram variadas e vividas
intensamente…
As experiências que mais gostei foram as
idas às montanhas. Fizemos caminhadas longas e cansativas debaixo do sol para
lá chegarmos, o que foi óptimo experimentarmos os caminhos que muitos trilham
regularmente; chegando lá pudemos ver com os nossos próprios olhos as condições
em que vivem uma aldeia inteira desde bebés e crianças até ao mais idoso, o que
foi duro mas real; dormitando para, no dia seguinte, pudermos sentir o que é não
ter água sem sabor a fumo para beber, porque esta era fervida pelo menos cinco
vezes na fogueira para salvaguardar qualquer intoxicação; servirem-nos as refeições
com tudo de melhor que tinham e podiam e não comerem enquanto nós não
acabássemos; e, para que não bastasse conhecer quase uma aldeia inteira que
nunca tinha ido ao médico. Fizemos o rastreio de saúde nestas montanhas e foi
muito bom podermos agir e trabalhar em campo, podermos também nós darmo-nos um
bocadinho e sentirmo-nos a fazer um trabalho útil. Foi extraordinário a adesão
de todos ao rastreio e o seu entusiasmo, a alegria de terem ali alguém que se
preocupava com eles e que foi procurá-los à sua própria casa…
Visitámos alguns estabelecimentos de
serviços de saúde e, foi, verdadeiramente, medonho! O hospital distrital como o
de Manatuto com míseras condições, com cerca de 15 camas com redes mosquiteiras
rotas e 2 ambulâncias a cobrir todo o distrito; o hospital de Díli como o único
local onde se faz Raio X em Timor; o hospital de Baucau com ninhadas de baratas
no tecto, doentes traumatizados e queimados graves sem condições de tratamento
e suporte; sei que já se fazem muitos esforços para se desenvolver estas
estruturas, mas há muito trabalho neste campo ainda por fazer. A saúde é
fundamental na vida de qualquer ser humano. Mas, por outro lado, tivemos
contacto com profissionais de saúde dignos de respeito por serem capazes de
serem humanos em tudo aquilo que faziam e com uma humildade autêntica no
serviço que prestavam.
Os testemunhos missionários que tivemos
a graça de conhecer são uma parte indispensável desta experiência. São pessoas
que se doam por completo à missão, aos outros, sem esperar nada em troca. Exemplos
de verdadeiros homens e mulheres de Deus, que se dignam a continuarem o
trabalho deixado por Cristo como sua missão. O ser evangelizadores deixando que
Deus faça neles maravilhas. São vidas riquíssimas de vida! Só uma fé como a
deles permite ultrapassarem tantas dificuldades, medos e angústias; superarem
tantas metas não atingidas e objectivos desmoronados.
As avaliações diárias que fizemos todas
as noites em grupo ajudaram-me a reflectir dia-a-dia e, isso foi fundamental
para ir assentando estas vivências. A partilha tem sempre uma riqueza
indefinida…as orações que rezámos naquela capela tão especial em Laleia foram
intensas e fizeram-me sentir pertinho de Deus. Sofri para logo sentir a alegria
de viver!…e tudo isso eu vivi! E foi tão bom!
Esta experiência missionária suscitou em
mim o desejo de voltar…e voltar podendo dar mais de mim, voltar e estar ao
serviço, principalmente, na área da saúde que eu tanto desejo desempenhar.
Dou graças a Deus pela oportunidade que
colocou diante de mim…»
«Retirado do Site dos Franciscanos Capuchinhos- http://www.capuchinhos.org»
Nenhum comentário:
Postar um comentário