«O VATICANO II E O DESPERTAR DOS LEIGOS NA IGREJA
“Manifestou-nos o mistério da sua vontade,
e o plano generoso que tinha estabelecido,
para conduzir os tempos à sua plenitude:
submeter tudo a Cristo,
reunindo nele o que há no céu e na terra.
Foi também em Cristo que fomos escolhidos como sua herança,
predestinados de acordo com o desígnio daquele que tudo opera,
de acordo com a decisão da sua vontade,
para que nos entreguemos ao louvor da sua glória,
nós, que previamente pusemos a nossa esperança em Cristo.
Foi nele, ainda, que vós ouvistes a palavra da verdade,
o Evangelho que vos salva.
Foi nele ainda que acreditastes
e fostes marcados com o selo do Espírito Santo prometido,
o qual é garantia da nossa herança,
para que dela tomemos posse, na redenção,
para louvor da sua glória. Por isso, também eu, desde que ouvi falar da
vossa fé no Senhor Jesus e do vosso amor para com todos os santos, não cesso de
dar graças a Deus por vós, quando vos recordo nas minhas orações.” Efésios, 1,
9-16
Do livro da vida
O Papa João XXIII, quando a
janela do Vaticano anunciou ao mundo o Concílio que iria renovar toda a igreja,
terminou dizendo: “ Agora, ide para casa e fazei uma carícia aos vossos filhos”.
Como quem diz: “A alegria que o Concílio vos vai trazer será tão grande que vós
sentireis vontade de fazer festas aos vossos filhos!
- O despertar dos leigos
O despertar dos leigos na igreja para a sua
vocação laical, foi um movimento longo que levou bastante tempo a afirmar-se.
Começou por grupos ou organizações de leigos que procuravam marcar a sua
presença cristã na sociedade: umas, de natureza devocional, como os oratórios,
os montepios, as congregações marianas, as fraternidades da chamada “devoção
moderna”; outras de carácter social, como as Conferências de S. Vicente de
Paulo, fundadas por um leigo, Frederico Ozanam; outras de natureza apostólica,
como a Juventude Católica, destinada a desempenhar um papel decisivo na
formação e consciência dos leigos na Igreja.
Juntamente com
estes movimentos organizados, destacavam-se numerosas personalidades de têmpera
cristã do mundo laical, verdadeiros plasmadores do pensamento cristão do séc
XIX: filósofos como Descartes, pensadores como Pascal, historiadores como César
Cantu, romancistas como Chateaubriand, Mazoni e tantos outros.
- A emergência do laicado
E já no século
XX vai-se descobrir uma nova pista que será decisiva para a doutrina conciliar
sobre os leigos: os movimentos de renovação bíblica; teológica; litúrgica;
ecuménica; missionária que estão na base do Vaticano II e que despertaram a
Igreja para os valores das origens. O movimento bíblico mostrou um Novo
Testamento, cheio de missionários e carismas laicais; o movimento missionário
veio revelar o papel dos leigos na missão dos começos; o movimento teológico mostrou
o papel dos leigos na teologia dos padres da Igreja dos primeiros tempos.
Descobre-se a teologia da missão da Igreja, a vocação do cristão à santidade,
os carismas e os ministérios, a relação dos cristãos com o mundo, a Igreja como
fermento e levedura ao serviço do mundo.
Foi a partir
desta leitura renovada da vocação cristã que se relançou a vocação e a missão
dos leigos na Igreja. O Vaticano II aparece como resultado de toda esta
caminhada. Foi o primeiro Concílio a tratar da vocação laical em toda a sua
amplitude.
E logo a segui
foi criado o Conselho Pontifício para os Leigos, começam a realizar-se os
Congressos dos Leigos, até que o Sínodo sobre os Leigos em 1987 consagra
definitivamente a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo.(…)
- Os leigos na perspectiva do Concílio
O Direito
Canónico de 1917 definia o leigo pela negativa: leigo era aquele que não era
clérigo. O Vaticano II coloca-se noutra perspectiva: o leigo é descrito não a
partir da sua relação com o clero, mas a partir da sua relação com Cristo, com
a Igreja e com o mundo. Vai, portanto, à raiz da vocação laical.
a) Relação
com Cristo
O que faz o leigo antes de mais nada é a
sua relação com Cristo: pelo Baptismo, o cristão é ungido pelo Espírito,
incorporado em Cristo, entra na família da Santíssima Trindade. Torna-se povo
de Deus. Todo o povo de Deus é laical. Todos os cristãos, bispos, padres e
leigos identificam-se nesta fonte. Todos se tornam participantes da missão de
Cristo, todos participam na sua Santidade. Em Cristo todos são chamados a
consagrar o mundo, a governar e a anunciar a Palavra.
Esta condição é comum a todos os
cristãos. Não há cristãos mais cristãos que os outros: todos são afluentes do
mesmo rio. É dessa fonte que todos partem, de mãos dadas para a missão da
Igreja.
b)
Relação com a Igreja
No âmbito da
comunhão eclesial, porém, o leigo distingue-se do clero e do consagrado
religioso.
Há leigos que são escolhidos para discernir e coordenar os carismas de cada um
dos cristãos: são os ministros “ordenados”, que se chamam padres,
presbíteros ou pastores.
Há leigos que Deus escolhe para serem testemunhas de uma maneira especial
dos valores do Reino de Deus: são os “consagrados” ou religiosos.
Mas o ministério da unidade, próprio dos
sacerdotes não é uma síntese dos outros ministérios, não são escolhidos para
fazerem tudo na Igreja mas para coordenar as actividades do povo de Deus. Não
há nenhuma superioridade de uns em relação aos outros mas apenas formas
diversas da participação do sacerdócio de Cristo. Uns são ordenados pelo
Baptismo, outros por uma unção especial, o sacramento da Ordem.
Todos os religiosos, padres e leigos,
são chamados à perfeição da santidade. Mas uns, os religiosos, revelam Cristo voltado para o Pai, outros, os
padres, revelam Cristo voltado para a comunidade, são pastores; os leigos revelam
Cristo voltado para o mundo.
c)
Relação com o mundo
Por vocação, compete aos leigos procurar
o reino de Deus, ocupando-se das
realidades terrestres e ordenando-as segundo Deus (LG3). A Constituição sobre
a Igreja no Mundo Contemporâneo começa assim: “ As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias do homem de
hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo: não há nenhuma
realidade verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração”. E
João Paulo II [agora Santo], desde a sua primeira encíclica… repete
que “ o homem é o caminho que a Igreja
deve percorrer para cumprir a sua missão”.
O leigo vive no mundo na variedade das
suas condições de vida familiar, profissional, económica, social, cultural e política
e é nessa gama de relações que deve anunciar o Evangelho. A missão da Igreja
não é defender-se do mundo, isolar-se do mundo, mas lançar pontes para o mundo,
ser a luz do mundo. A Fábrica, oficina, o laboratório, a escola, o escritório,
o serviço doméstico são os grandes espaços da missão do leigo: a técnica, a
ciência, as fraldas, o tractor, são caminhos de missão. Santos de fato-macaco,
de bata branca, de avental, são santos leigos do nosso tempo. A história é
terra dos santos (…)
SEMEAR NO DESERTO
Mesmo
quando Deus está longe
E
o desânimo está perto
Tu
deves acreditar
Mesmo
quando a estrada termina
E
a dúvida começa
Tu
deves esperar
Mesmo
quando as armas matam
E
se cala a indiferença
Tu
deves falar
Mesmo
quando tudo vai bem
E
nada há a temer
Tu
deves vigiar
Mesmo
quando tudo vai mal
E
nada há a fazer
Tu
deves agir
Mesmo
quando todos mentem
E
ninguém diz a verdade
Tu
deves dizer
Mesmo
quando as árvores morrem
E
as esperanças também
Tu
deves renascer
Mesmo
quando o mar é um risco
E
o destino é incerto
Tu
deves partir
Mesmo
quando a noite é longa
E
as sombras assustam
Tu
deves despertar
Mesmo
quando os rios secam
E
as vidas são estéreis
Tu
deves semear
Manuel Rito Dias (Introdução à Palavra)»
Bibliografia:
“ 6º Tema, O Vaticano II e o Despertar dos Leigos na Igreja” (p. 32 – 36) in O Leigo vocação para a missão, Neiva,
Adélio Torres, Missionários do Espírito Santo- LIAM
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