«O LEIGO E A SUA “TRAVESSIA NO DESERTO”
“ 4Dou incessantemente graças ao meu Deus por vós, pela graça
de Deus que vos foi concedida em Cristo Jesus. 5Pois nele é que
fostes enriquecidos com todos os dons, tanto da palavra como do conhecimento. 6Assim,
foi confirmado em vós o testemunho de Cristo, 7de modo que não vos
falta graça alguma, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
8É Ele também que vos
confirmará até ao fim, para que sejais encontrados irrepreensíveis no Dia de
Nosso Senhor Jesus Cristo. 9Fiel é Deus, por quem fostes chamados à
comunhão com seu Filho, Jesus Cristo Nosso Senhor” 1ª Cor. 1, 4-9
Do livro da vida:
O poeta Paul Claudel, foi um grande convertido. Numa das suas mais belas peças de teatro, na última cena, o protagonista da peça vem à boca do palco e grita para assembleia: Vós que vedes, que fazeis da luz? É uma pergunta que nos deve incomodar e interpelar.
Esta lição será uma viagem pela história do laicado.
1-Com a paz de Constantino e o
fim da perseguição à Igreja, no século IV, criou-se uma situação nova para
a Igreja: até aí, havia os cristãos de um lado e o mundo pagão do outro. Com a
conversão do imperador Constantino, todo o império se converteu, todos, bem ou
mal, se fizeram cristãos: a Igreja passa a identificar-se com a sociedade
envolvente.
À geração dos mártires que marcou os primeiros séculos, sucede-se agora
a geração dos monges, que procuravam viver a radicalidade do Evangelho que
antes viviam os mártires. O monaquismo do século IV aparece como substituto do
martírio dos primeiros séculos: a fina flor do cristianismo refugia-se nos
mosteiros; as comunidades de monges multiplicam-se por toda a parte.
Será destes mosteiros que vão sair a maior parte dos bispos e do clero, pois os bispos, que
eram monges, fundavam também eles novos mosteiros à sua volta. Esta mistura
entre os bispos e os monges vai unir os monges ao clero, fazendo deles uma só força para a evangelização dos bárbaros que então
invadiam o império por todos os lados. Daí nascerá uma missão que empenha
sobretudo os monges e o clero, deixando no esquecimento os leigos. De facto, os
missionários da Europa deste tempo, como S. Patrício, S. Bonifácio, S.Martinho,
são em geral monges, sobretudo
beneditinos. Os leigos começaram portanto a ficar de fora da missão da Igreja.
Foi assim que a missão deixou de ser obra de todo o povo de Deus, para ficar
reservada ao clero e aos monges. (…)
2. Os leigos são excluídos da culturaEm segundo lugar, criam-se escolas para formar este clero e estes monges. São as chamadas escolas monásticas ou clericais. São escolas reservadas ao clero e aos monges, que excluem os leigos. A cultura torna-se privilégio dos monges e clero. O “letrado” é sinónimo de clérigo; o “iletrado” é sinónimo de “leigo na matéria”, que quer dizer: ignorante na matéria. Os leigos, que nos primeiros tempos da Igreja tinham sido os primeiros teólogos, agora são excluídos das escolas de teologia. Quem tem o saber tem o poder e o clero começa a ter cada vez mais poder e os leigos cada vez menos. Os grandes centros de cultura serão as escolas eclesiásticas, incluindo as universidades. A ordem temporal é concebida como inferior e depende da ordem espiritual .
3. Os leigos são excluídos da liturgia
Em terceiro lugar, esta distância entre leigos e o clero torna-se visível na liturgia, onde a participação do leigo é cada vez mais reduzida a simples assistente: o celebrante diz as fórmulas na primeira pessoa, como se fosse ele sozinho a celebrar, usa a língua do clero, que é o latim, a parte central da missa (a anáfora) é recitada em voz baixa, fazem-se grades a separar o altar da assembleia, a capela-mor do povo. Os ministérios, que no princípio eram concebidos a todo o povo de Deus, agora são cada vez mais reservados a sacerdotes. Dizer ministério é o mesmo que dizer: ministério sacerdotal. Os leigos deixam de exercer ministérios e com os ministérios também os carismas passam ao para o esquecimento. O padre acaba por ser um faz tudo.
4.Os leigos são excluídos da missão
Um outro passo neste distanciamento entre clérigos e leigos acontece com missões longínquas dos séculos XV e XVI. Estas missões refugiam-se cada vez mais nas ordens religiosas, pois eram as únicas que tinham estruturas para formar, apoiar e enviar missionários para as missões distantes. A missão refugia-se nas ordens religiosas, já não é a igreja local que vai em missão mas são os frades: dominicanos, franciscanos, carmelitas. A actividade missionária começa a ser especialidade das ordens religiosas. Os papas e a igreja universal assumirão a coordenação deste movimento missionário, que deixa de fora os leigos. A santa Sé confere mesmo o exclusivo da evangelização de um determinado território a determinados institutos missionários. O papel das igrejas locais e dos leigos torna-se secundário: ajudam com esmolas, vocações, sacrifícios e orações.
5. Os leigos são excluídos da santidade
Com a idade Moderna, no século XVI, abre-se um novo mundo, em contraste
com o mundo medieval. Na Idade Média pode dizer-se que só havia o império
cristão. Agora aparecem os estados nacionais, cada qual com os seus interesses.
Na Idade Média, o cristianismo era religião de todos, agora começam a aparecer
os valores seculares. O mundo secular começa a revelar-se em oposição ao mundo
da fé. O homem do Renascimento se afastou da Igreja, a Igreja afastou-se dele.
Criou-se uma visão pessimista sobre o homem por parte da Igreja, enquanto por
parte do mundo, os horizontes eram de optimismo e descobertas novas.
A uma religião afastada do mundo vai seguir-se um mundo afastado da
religião. A Igreja isolou-se do mundo e o mundo isolou-se da Igreja. A
santidade consiste sobretudo na “fuga do mundo”, no desprezo do mundo. Para se
ser santo é preciso ir para o convento e fugir do mundo. E foi assim que o
leigo, que era homem do mundo, foi excluído da santidade. De facto, até há bem
pouco tempo, quase todos santos canonizados ou pertenciam ao clero ou à Vida
Religiosa ou então eram pessoas casadas ou viúvas que trocaram o mundo pelo
convento, como o Beato Nuno (agora santo).
Estais a ver como o leigo pouco a pouco foi excluído da missão, da
cultura, da liturgia e da santidade. Foi esta travessia do deserto que a vocação
do leigo teve que fazer e que durou mais de mil anos. Será o concílio do
Vaticano II a recuperar a vocação laical (…)
A missão em parábolas
OS SINOS DA ILHA SUBMERSA
Era uma ilha no meio do mar, a duas
ou três léguas da praia. Essa ilha era famosa por um templo, cheio de sinos,
que a todos encantava: uns grandes, outros pequenos, uns graves, outros agudos.
Quando o vento soprava e o mar se embravecia, os sinos tocavam todos
juntos, extasiando quem passava na praia.
Com o tempo, porém, a ilha acabou por se afundar e com ela sumiram-se
também o templo e os sinos. Ficara na aldeia a tradição, que mesmo no fundo do
mar, quando este se tornava bravo, os sinos continuavam a tocar e quem passasse
pela praia de ouvido bem atento, bem os ouvia tocar. Mas quem que tinha a
pachorra para se dar ao cuidado de se pôr à escuta dos sinos no meio da
confusão de do barulho das ondas? Até que um dia, um jovem vindo de longe,
palmilhando léguas e léguas de costa, trazido pela lenda dos sinos que tocavam
no fundo do mar, ali chegou e ali acampou para os ouvir.
Permaneceu frente à ilha submersa dias e dias de ouvido atento,
procurando surpreender os sinos, por entre o bulício das ondas. Bem procurou
filtrar o som das ondas, mas os dias passavam e de sinos nem a mais leve nota.
Quando se sentia mais desanimado, subia à aldeia e falava com os mais
velhos do povoado, que lhe garantiam que os sinos existiam e que os antigos os chegaram a
ouvir. E o jovem ao ouvir tais testemunhos, recuperava a esperança e todo
inflamado, voltava para a praia.
Até que um dia resolveu mesmo desistir. Quem sabe se os sinos tinham
deixado de tocar, quem sabe se o próprio templo se desmoronara ou até se tudo
não passava de uma lenda sem fundamento?
Era o último dia que ia à praia. Lá foi para dizer adeus ao mar e às
ondas e às gaivotas e ao vento norte. Que saudades tinha já daquela praia e
daquele mar! E lá se foi entregando àquele azul e àquele mar, deixando-se
penetrar por aqueles gemidos do mar, que pouco em pouco o enchiam de silêncio e
de paz. E pouco a pouco se foi esquecendo de si vogando por aí fora, ao sabor
do vento e das ondas.
E foi então que, imerso nessas profundidades, começou a distinguir o som
suave de um sino distante, depois outro
e outro…e uma sinfonia de sons e de sinos que acabou por encher todo areal.
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Esta parábola recorda-nos toda essa sinfonia de leigos que marcaram a
Igreja dos primeiros tempos e que pouco a pouco as convulsões da história
acabaram por silenciar. O Vaticano II veio despertar na Igreja toda essa
maravilha de dons e carismas, que, querendo Deus, serão sinos que voltaram a
tocar e animar o povo de Deus.»“ Retirado do Livro: «O LEIGO VOCAÇÃO PARA A MISSÃO» de Adélio Torres Neiva-Missionários do Espírito Santo-L.I.A.M-5º Tema”
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