sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Esperança e Bíblia

"O pintor judeu Marc Chagall reconheceu que «durante séculos os pintores molharam o pincel no alfabeto colorido da esperança que é a Bíblia» (citado por G. RAVASI, Quién eres, Señor? [Verbo divino; Estella 2013] 132). Se a atitude dos gregos face à vida gerou ciência e filosofia, a Bíblia hebraica pensou a história embebida de espiritualidade, fez surgir a esperança desejando e procurando sentido divino para o existir humano. Assente na fé em Deus, foi descobrindo subjacente na esperança a felicidade como um fundo com sentido, que se mantinha por cima das desgraças e apesar das desgraças: «A paz foi desterrada da minha alma, esqueci o que é a felicidade. Pensei para mim: ‘Perdi a minha confiança e a minha esperança no Senhor’… Uma coisa recordo no meu coração, para retomar a esperança: que o amor do Senhor não está esgotado, porque inesgotável é a sua ternura … Digo para mim: ‘O Senhor é a minha herança; por isso espero n’Ele’. O Senhor é bom para quem n’Ele confia, para a alma que o procura. Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Livro das Lamentações 3,17.21-22.24-25).

Armindo Vaz, OCD"

Texto: Retirado do Boletim de Espiritualidade n.137  da Ordem dos  Carmelitas Descalços.

Imagem: "A Crucifixão Branca  Marc Chagall, Instituto de Arte de Chicago"

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO - DIA MUNDIAL DAS MISSÕES 2025

Missionários de esperança entre os povos

Queridos irmãos e irmãs!

Para o Dia Mundial das Missões deste Ano Jubilar 2025, cuja mensagem central é a esperança (cf. Bula Spes non confundit, 1), escolhi o lema “Missionários de esperança entre os povos”, que recorda a cada um dos cristãos e a toda a Igreja, comunidade dos batizados, a vocação fundamental de ser mensageiros e construtores da esperança nas pegadas de Cristo. Faço votos de que seja um tempo de graça para todos, na companhia do Deus fiel que nos regenerou em Cristo ressuscitado «para uma esperança viva» (cf. 1 Pd 1, 3-4); e desejo recordar alguns aspetos relevantes da identidade missionária cristã, para que nos deixemos guiar pelo Espírito de Deus e ardamos de santo zelo por uma nova estação evangelizadora da Igreja, enviada a reanimar a esperança num mundo sobre o qual pesam sombras tenebrosas (cf. Carta enc. Fratelli tutti, 9-55).

1. Nas pegadas de Cristo, nossa esperança

Celebrando, depois do ano 2000, o primeiro Jubileu ordinário do Terceiro Milénio, fixemos o nosso olhar em Cristo, que é o centro da história, «o mesmo ontem, hoje e pelos séculos» (Heb 13, 8). Ele, na sinagoga de Nazaré, declarou o cumprimento da Escritura no “hoje” da sua presença histórica. Deste modo, revelou-Se como o Enviado do Pai, com a unção do Espírito Santo, a fim de levar a Boa Nova do Reino de Deus e inaugurar «um ano favorável da parte do Senhor» para toda a humanidade (cf. Lc 4, 16-21).

Neste místico “hoje” que se prolonga até ao fim do mundo, Cristo é o cumprimento da salvação para todos, especialmente para aqueles cuja única esperança é Deus. Na sua vida terrena, Ele «andou de lugar em lugar, fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos» pelo mal e pelo Maligno (cf. Act 10, 38), restituindo a esperança em Deus aos necessitados e ao povo. Além disso, experimentou cada uma das fragilidades humanas, exceto a do pecado, passando mesmo por momentos críticos, como na agonia do Getsémani e na cruz, que podiam levar ao desespero. Porém, Jesus tudo entregava a Deus Pai, obedecendo com total confiança ao seu projeto salvífico em favor da humanidade, um projeto de paz por um futuro repleto de esperança (cf. Jr 29, 11). Deste modo, tornou-se o divino Missionário da esperança, modelo supremo de todos aqueles que, ao longo dos séculos, dão seguimento à missão recebida de Deus, mesmo no meio de provações extremas.

Através dos seus discípulos, enviados a todos os povos e acompanhados misticamente por Ele, o Senhor Jesus continua o seu ministério de esperança em favor da humanidade. Ele ainda hoje se inclina sobre cada pobre, aflito, desesperado e oprimido pelo mal, para derramar «sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança» (Prefácio Cristo, Bom Samaritano). A Igreja, comunidade dos discípulos-missionários de Cristo, obediente ao seu Senhor e Mestre e com o seu espírito de serviço, prolonga esta missão no meio dos povos, oferecendo a sua vida por todos. Embora tenha de enfrentar, por um lado, perseguições, tribulações e dificuldades e, por outro, as suas próprias imperfeições e quedas devido às fraquezas de cada um dos seus membros, ela é constantemente impelida pelo amor de Cristo a avançar, unida a Ele, neste caminho missionário e a escutar, como Ele e com Ele, o grito da humanidade, ou melhor, o gemido de toda a criatura que espera a redenção definitiva. Eis a Igreja que o Senhor chama desde sempre e para sempre a seguir os seus passos: «Não uma Igreja estática, mas uma Igreja missionária, que caminha com o Senhor pelas estradas do mundo» (Homilia na Santa Missa por ocasião da conclusão da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 27 de outubro de 2024).

Por isso, sintamo-nos nós também inspirados a pormo-nos a caminho, seguindo os passos do Senhor Jesus, para nos tornarmos, com Ele e n’Ele, sinais e mensageiros de esperança para todos, em qualquer lugar e circunstância que Deus nos concede viver. Que cada um dos batizados, discípulos-missionários de Cristo, faça brilhar a Sua esperança em todos os cantos da terra!

2. Os cristãos, portadores e construtores de esperança entre os povos

No seguimento de Cristo Senhor, os cristãos são chamados a transmitir a Boa Nova, partilhando as condições concretas de vida daqueles que encontram e tornando-se assim portadores e construtores de esperança. Com efeito, «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 1).

Esta célebre afirmação do Concílio Vaticano II, que exprime o sentir e o estilo das comunidades cristãs de todas as épocas, continua a inspirar os seus membros, ajudando-os a caminhar no mundo com os seus irmãos e irmãs. Estou a pensar particularmente em vós, missionários e missionárias ad gentes, que, correspondendo à chamada divina, partistes rumo a outras nações para dar a conhecer o amor de Deus em Cristo. De todo o coração, muito obrigado! A vossa vida é uma resposta concreta ao mandato de Cristo ressuscitado, que enviou os discípulos a evangelizar todos os povos (cf. Mt 28, 18-20). Assim, recordais a vocação universal dos batizados a ser entre os povos, com a força do Espírito e o empenho quotidiano, missionários da grande esperança que nos foi dada pelo Senhor Jesus.

O horizonte desta esperança ultrapassa as realidades passageiras do mundo e abre-se às divinas, que já podemos saborear no tempo presente. Efetivamente, como recordava São Paulo VI, a salvação em Cristo, que a Igreja oferece a todos como dom da misericórdia de Deus, não é apenas «imanente ao mundo, limitada às necessidades materiais ou mesmo espirituais, e […] em última análise, [identificada] com as aspirações, com as esperanças, com as diligências e com os combates temporais; mas sim uma salvação que ultrapassa todos estes limites, para vir a ter a sua plena realização numa comunhão com o único Absoluto, que é o de Deus: salvação transcendente e escatológica, que já tem certamente o seu começo nesta vida, mas que terá realização completa na eternidade» (Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 27).

As comunidades cristãs, animadas por tão grande esperança, podem ser sinais de nova humanidade num mundo que, nas regiões mais “desenvolvidas”, apresenta graves sintomas de crise do humano: sensação generalizada de desorientação, solidão e abandono dos idosos, dificuldade em encontrar disponibilidade para ajudar quem vive ao nosso lado. Nas nações tecnologicamente mais avançadas, a proximidade está a extinguir-se: todos nos encontramos interligados, mas não em relação. A ânsia de eficiência e o apego às coisas e às ambições levam-nos a estar centrados em nós próprios e a ser incapazes de altruísmo. O Evangelho, vivido em comunidade, pode devolver-nos uma humanidade íntegra, saudável e redimida.

Renovo, portanto, o convite a concretizar as ações indicadas na Bula de proclamação do Jubileu (nn. 7-15), com especial atenção aos mais pobres e fracos, aos doentes, aos idosos, aos excluídos da sociedade materialista e consumista. E a fazê-lo com o estilo de Deus, ou seja, com proximidade, compaixão e ternura, cuidando da relação pessoal com os irmãos e irmãs na situação concreta em que se encontram (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 127-128). Então, serão eles a ensinar-nos muitas vezes a viver com esperança. E, através do contacto pessoal, poderemos transmitir o amor do Coração compassivo do Senhor. Experimentaremos que «o Coração de Cristo [...] é o núcleo vivo do primeiro anúncio» (Carta enc. Dilexit nos, 32). Com efeito, bebendo desta fonte, é possível oferecer com simplicidade a esperança recebida de Deus (cf. 1 Pd 1, 21), levando aos outros a mesma consolação com que somos consolados por Deus (cf. 2 Cor 1, 3-4). No Coração humano e divino de Jesus, Deus quer falar ao coração de cada pessoa, atraindo todos ao seu Amor. «Fomos enviados para continuar esta missão: ser sinal do Coração de Cristo e do amor do Pai, abraçando o mundo inteiro» (Discurso aos participantes na Assembleia Geral das Pontifícias Obras Missionárias, 3 de junho de 2023).

3. Renovar a missão da esperança

Hoje, perante a urgência da missão da esperança, os discípulos de Cristo são os primeiros convocados a formar-se para serem “artesãos” de esperança e restauradores de uma humanidade, frequentemente, distraída e infeliz.

Para isso, é necessário renovar em nós a espiritualidade pascal, que vivemos em cada celebração eucarística e especialmente no Tríduo Pascal, centro e cume do ano litúrgico. Somos batizados na morte e ressurreição redentora de Cristo, na Páscoa do Senhor que marca a eterna primavera da história. Somos, pois, “gente de primavera”, com um olhar sempre repleto de esperança, a partilhar com todos, porque em Cristo «acreditamos e sabemos que a morte e o ódio não são as últimas palavras» acerca da existência humana (cf. Catequese, 23 de agosto de 2017). Por isso, do Mistério Pascal, que se realiza nas celebrações litúrgicas e nos sacramentos, tiramos continuamente a força do Espírito Santo, com o zelo, a determinação e a paciência para trabalhar no vasto campo da evangelização do mundo. «Cristo ressuscitado e glorioso é a fonte profunda da nossa esperança, e não nos faltará a sua ajuda para cumprir a missão que nos confia» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 275). N’Ele vivemos e damos testemunho daquela santa esperança que é «um dom e uma tarefa para todo o cristão» (La speranza è una luce nella notte, Città del Vaticano 2024, 7).

Os missionários de esperança são homens e mulheres de oração, porque «a pessoa que tem esperança é uma pessoa que reza», como sublinhava o Venerável Cardeal Van Thuan, o qual, graças à força que recebia da oração perseverante e da Eucaristia, manteve viva a esperança na longa tribulação da prisão (cf. F.X. Nguyen Van Thuan, Il cammino della speranza, Roma 2001, n. 963). Não esqueçamos que a oração é a primeira ação missionária e, ao mesmo tempo, «a primeira força da esperança» (Catequese, 20 de maio de 2020).

Renovemos, pois, a missão da esperança a partir da oração, sobretudo daquela que se faz com a Palavra de Deus e, de modo particular, com os Salmos, que são uma grande sinfonia de oração cujo compositor é o Espírito Santo (cf. Catequese, 19 de junho de 2024). Os Salmos educam-nos a ter esperança no meio das adversidades, a distinguir os sinais de esperança e a ter o constante desejo “missionário” de que Deus seja louvado por todos os povos (cf. Sal 41, 12; 67, 4). Rezando, mantemos viva em nós a centelha da esperança, que foi acesa por Deus para que se torne um grande fogo, iluminando e aquecendo todos os que nos rodeiam, também através de ações e gestos concretos inspirados pela mesma oração.

Por fim, a evangelização é sempre um processo comunitário, como o carácter da esperança cristã (cf. Bento XVI, Carta enc. Spe Salvi, 14). Este processo não termina com o primeiro anúncio e com o batismo, antes continua com a construção de comunidades cristãs através do acompanhamento de cada batizado a caminho nas vias do Evangelho. Na sociedade moderna, a pertença à Igreja nunca é uma realidade adquirida de uma vez para sempre. Por isso, a ação missionária de transmitir e formar a maturidade da fé em Cristo é «o paradigma de toda a obra da Igreja» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 15), uma obra que exige comunhão de oração e ação. Volto a insistir nesta sinodalidade missionária da Igreja, bem como no serviço das Pontifícias Obras Missionárias em promover a responsabilidade missionária dos batizados e em apoiar as novas Igrejas particulares. E exorto todos vós – crianças, jovens, adultos, idosos – a participar ativamente na comum missão evangelizadora com o testemunho da vossa vida e oração, com os vossos sacrifícios e a vossa generosidade. Muito obrigado por tudo isto!

Queridos irmãos e irmãs, dirijamo-nos a Maria, Mãe de Jesus Cristo, nossa esperança. Para este Jubileu e para os anos futuros, a Ela entregamos o desejo de «que a luz da esperança cristã chegue a cada pessoa, como mensagem do amor de Deus dirigida a todos. E que a Igreja seja testemunha fiel deste anúncio em todas as partes do mundo» (Bula Spes non confundit, 6).

Roma – São João de Latrão, na Festa da Conversão de São Paulo, 25 de janeiro de 2025.

FRANCISCO "

Texto: Retirados do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 20/10/2025; 

Imagem: Retirada da "Google imagens" em 20/10/2025;

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

«Tenho sede»


Ciclo de Catequese do Papa Leão XIV – Jubileu 2025

A crucificação. “Tenho sede!” (Jo 19,28)

 "Queridos irmãos e irmãs!

No coração da narração da paixão, no momento mais luminoso e ao mesmo tempo mais tenebroso da vida de Jesus, o Evangelho de João entrega-nos duas palavras que encerram um mistério imenso: «Tenho sede» (19, 28), e logo depois: «Tudo está consumado» (19, 30). Palavras últimas, mas carregadas de uma vida inteira, que revelam o sentido de toda a existência do Filho de Deus. Na cruz, Jesus não aparece como um herói vitorioso, mas como um mendigo de amor. Não proclama, não condena, não se defende. Pede, humildemente, aquilo que sozinho não pode de modo algum dar a si mesmo.

A sede do Crucificado não é apenas a necessidade fisiológica de um corpo atormentado. É também, e sobretudo, expressão de um desejo profundo: o de amor, de relação, de comunhão. É o grito silencioso de um Deus que, tendo querido partilhar tudo da nossa condição humana, se deixa atravessar também por esta sede. Um Deus que não se envergonha de mendigar um golo, porque nesse gesto nos diz que o amor, para ser verdadeiro, também deve aprender a pedir e não apenas a dar.

Tenho sede, diz Jesus, e assim manifesta a sua humanidade e também a nossa. Nenhum de nós pode bastar a si mesmo. Ninguém pode salvar-se sozinho. A vida “realiza-se” não quando somos fortes, mas quando aprendemos a receber. E precisamente nesse momento, depois de ter recebido de mãos estranhas uma esponja embebida em vinagre, Jesus proclama: Tudo está consumado. O amor tornou-se necessitado e, precisamente por isso, levou a cabo a sua obra.

Este é o paradoxo cristão: Deus salva não fazendo, mas deixando-se fazer. Não vencendo o mal com a força, mas aceitando até ao fim a fraqueza do amor. Na cruz, Jesus ensina-nos que o homem não se realiza no poder, mas na abertura confiante ao outro, mesmo quando este nos é hostil e inimigo. A salvação não está na autonomia, mas em reconhecer com humildade a própria necessidade e saber expressá-la livremente.

A realização da nossa humanidade no desígnio de Deus não é um ato de força, mas um gesto de confiança. Jesus não salva com um gesto clamoroso, mas pedindo algo que sozinho não se pode dar. E aqui se abre uma porta para a verdadeira esperança: se até o Filho de Deus escolheu não ser suficiente para si mesmo, então também a nossa sede – de amor, de sentido, de justiça – não é um sinal de fracasso, mas de verdade.

Esta verdade, aparentemente tão simples, é difícil de acolher. Vivemos numa época que premeia a autossuficiência, a eficiência, a prestação. No entanto, o Evangelho mostra-nos que a medida da nossa humanidade não é dada pelo que podemos conquistar, mas pela capacidade de nos deixarmos amar e, quando necessário, também ajudar.

Jesus salva-nos mostrando-nos que pedir não é indigno, mas libertador. É o caminho para sair do escondimento do pecado, para reentrar no espaço da comunhão. Desde o início, o pecado gerou vergonha. Mas o perdão, o verdadeiro, nasce quando podemos olhar de frente para a nossa necessidade e não temer ser rejeitados.

A sede de Jesus na cruz é, portanto, também a nossa. É o grito da humanidade ferida que ainda busca água viva. E esta sede não nos afasta de Deus, mas une-nos a Ele. Se tivermos a coragem de reconhecê-la, podemos descobrir que também a nossa fragilidade é uma ponte para o céu. É precisamente no pedir – não no possuir – que se abre um caminho de liberdade, porque deixamos de pretender ser suficientes a nós mesmos.

Na fraternidade, na vida simples, na arte de pedir sem vergonha e de oferecer sem cálculo, esconde-se uma alegria que o mundo não conhece. Uma alegria que nos devolve à verdade original do nosso ser: somos criaturas feitas para dar e receber amor.

Queridos irmãos e irmãs, na sede de Cristo podemos reconhecer toda a nossa sede. E aprender que não há nada mais humano, nada mais divino, do que saber dizer: eu preciso. Não tenhamos medo de pedir, sobretudo quando nos parece que não o merecemos. Não nos envergonhemos de estender a mão. É precisamente aí, nesse gesto humilde, que se esconde a salvação..

Papa Leão XIV

Audiência Geral 03.09.2025"

Texto: Retirados do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 11/09/2025; 

Imagem: Retirada da "Google imagens" em 11/09/2025;

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

COMMENT NE PAS TE LOUER- HOPE BIKINDO

Nous croyons en Jésus sauveur | Emmanuel Music


“Quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então tu serás feliz!”

"Com sua presença provocativa numa refeição, “na casa de um dos chefes dos fariseus”, Jesus denuncia um “pecado de raiz” que, em grau maior ou menor, está presente em todos nós: a vaidade.

“A vaidade é a osteoporose da alma”, afirmou o Papa Francisco; os ossos parecem bons, a partir de fora; mas, por dentro estão todos corroídos. A vaidade nos infla, nos engana, mas não tem longa vida, porque é como uma bolha de sabão.

Este “pecado de raiz” se visibiliza na busca pelos “lugares” de destaque, de prestígio, de honra..

A busca dos primeiros lugares se enraíza numa profunda carência pessoal: a necessidade de se sentir reconhecido. A isso se somam outras necessidades como a de “ser visto”, “ser único” ou “ser especial”.

A vaidade é mascarar a própria vida para aparecer, para fingir, para impressionar..

No evangelho deste domingo, Jesus desmascara a cultura da aparência e da vaidade; no fundo, Jesus desvela a cultura da superficialidade, da mentira e da falsidade existencial. Para a chamada “cultura da imagem” parece que tudo vale, contanto que a imagem pessoal saia beneficiada. O ego busca autoafirmar-se porque unicamente desse modo pode sentir-se “existente”. Entre os modos de autoafirmação se destacam aquela que podemos considerar como pulsão básica: aparecer, chamar atenção sobre si, ser reconhecido... Como se torna impossível fundamentar-se em si mesmo, de uma maneira sadia, devido à sua natureza vazia, precisa “roubar energia” para alimentar-se. Trata-se, portanto, de um parasita que vive do que é tirado dos outros: o elogio, o reconhecimento, a bajulação...

O resultado de tudo esse processo, na medida em que a pessoa se deixa enredar por ele, é um ego escravo da vaidade e da busca de prestígio. Escravidão que corre de mãos dadas com a ignorância acerca daquilo que realmente a pessoa é. O ego se move sempre a partir de suas necessidades e seus medos, que são os que lhe dão uma sensação de existir; e a pessoa egóica cada vez se sente mais frustrada e desconectada de quem verdadeiramente ela é.

As tradições sapienciais sempre insistiram no cultivo de atitudes alternativas, como fica destacado com força na mensagem do próprio Jesus. Este é o caminho da sabedoria e da libertação do sofrimento. E só o crescimento nesta consciência tornará possível a transformação pessoal e coletiva.

A plenitude humana se revela naquilo que a pessoa é, a sua essência, e não naquilo que aparenta. Uma pessoa, vazia de ego, tem acesso à verdadeira sabedoria e deixa transparecer uma profunda gratidão pelo simples fato de existir. Só quando tem acesso à sua verdadeira identidade, a pessoa será transformada e poderá viver numa atitude de gratuidade e gratidão. E assim, descentrada de si mesma, vive uma atitude de acolhida e partilha na relação com os outros; a gratuidade só pode ser vivida quando a identificação com o ego farisaico cai. Então emerge uma nova consciência na qual os outros são percebidos como “parte” de si mesmo; partilhar com os outros é doar-se a si mesmo; causar dano aos outros é danificar a si mesmo.

Podemos imaginar a expressão de susto e surpresa daquele fariseu que convidara Jesus à sua mesa. É que Jesus tem sempre algo “novo” que rompe com “o de sempre”. Contra todo formalismo autocentrado, a Jesus lhe ocorre dizer ao fariseu: “Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir”. A “novidade” da Boa Notícia de Jesus vai sempre contra os “velhos costumes” do “eu te convido para que me convides” (e, se possível, com juros). À lei da “reciprocidade comercial” Jesus contrapõe a “generosidade gratuita”.

Para Jesus, adquire a verdadeira honra quem não se exalta a si mesmo sobre os outro, mas quem “desce” voluntariamente, colocando-se juntos aos últimos e servindo-os. A generosidade é compartilhada com os pobres que não podem pagar com a mesma moeda, porque não tem nada. Honra e vergonha adquirem, na boca de Jesus, um conteúdo diferente: a honra consiste em servir ocupando os últimos lugares e isto não é motivo de vergonha, mas sinal verdadeiro de quem já está dentro do grupo dos verdadeiros seguidores do próprio Jesus que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em favor de muitos”.

Jesus nos convida e nos deslocar para o “último lugar”, pois Ele se fez “último”; Ele entrou na história a partir de baixo, dos últimos, dos excluídos, e não pelo lugar do poder, da riqueza, da força...

As grandes mudanças e transformações, em todos os níveis da condição humana, começam por baixo. Não há mudança que vem de cima. Poderíamos dizer que a denúncia de Jesus, junto à mesa de quem o convidara, alarga o sentido da amizade.

O Para Francisco fala da “amizade social” e colocou esta expressão no centro da encíclica “Fratelli Tutti”; tal expressão pode parecer algo estranha, e por isso reagimos com surpresa. Todos nós estamos acostumados a utilizar a “amizade” como atributo pessoal e privado; para falar das relações na sociedade, recorremos a termos mais amplos como respeito, solidariedade, civismo, cidadania, etc. Reservamos a palavra “amizade” ao círculo íntimo de nossos afetos.

Vivemos um contexto social e religioso onde nos sentimos mais distantes e sozinhos, mais desarticulados e vulneráveis, limitados à condição de espectadores e consumidores; a globalização nos fez vizinhos, mas não irmãos. Claramente, nossas sociedades mostram dificuldades para se constituírem como um projeto que abarque a todos. Obviamente, não nos sentimos companheiros no mesmo barco e inquilinos da mesma casa comum. São inumeráveis os excluídos da mesa da refeição.

A “amizade social” é uma tentativa de reverter esta situação. Seu ponto de partida é o reconhecimento básico do que vale um ser humano, sempre e em qualquer circunstância, considerando-o precioso e digno de todo cuidado. Só exercendo esta visão da vida, realizaremos uma fraternidade aberta a todos.

No entanto, para isso precisamos cruzar as cômodas fronteiras que nos separam.

O desafio é “ir mais além”, tomando consciência, por exemplo, de que a amizade não é um clube exclusivo, mas uma escola onde ativamos habilidades para serem aplicadas universalmente. Os amigos que só se ocupam de seus amigos reduzem o horizonte da amizade. E, da mesma maneira, quando as famílias só se preocupam pelo bem-estar dos seus, e esgotam sua responsabilidade neles, algo decisivo fica por fazer.

A experiência da amizade e do amor deve servir para abrir o coração àqueles que estão excluídos, fazendo-nos sensíveis a esta realidade, envolvendo-nos numa atitude ética de acolhida, dotando-nos de generosidade para sair de nós mesmos e cuidar de todos. Não existimos em um vazio, mas em um contexto amplo e diferente de relações das quais somos corresponsáveis.

Nesse sentido, viver o seguimento de Jesus implica em “sair do próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio) e abrir-nos ao encontro com o outro, sobretudo o “outro” que é vítima de estruturas sociais e políticas injustas, que é excluído, que é marginalizado. “Converter-nos” ao Deus da Vida é “converter-nos” ao compromisso com os prediletos d’Ele, os mais pobres e sofredores; é abrir nossas casas e oferecer nossas mesas.

Fazer caminho com Jesus desperta em nós uma profunda sensibilidade que nos impulsiona a uma presença inspiradora naqueles “lugares” onde já está presente Aquele que continuamente se desloca para o mais baixo, para que nenhuma pessoa, para que nenhuma situação humana, fique fora do “movimento de vida” e de “retorno” de tudo para o Pai.

Texto bíblico:   Lc 14,1.7-14

Na oração: É na espiritualidade da mesa e da refeição que nós cristãos, devemos alimentar a nossa espiritualidade cotidiana. Mas, para isso, precisamos resgatar a mesa como espaço do sagrado, do encontro com o outro e conosco mesmo.

É urgente sermos criativos o suficiente para superarmos os desafios, na esperança de que venha o despertar da nova mesa, com gosto de pão, de vida fraterna, de compromisso.

Mesa criativa, solo de onde brota o alimento material, emocional, psíquico e espiritual em suas múltiplas formas, cores, aromas e sabores do Reino do Pão e da Festa da Vida.

- Quê lugar tem a mesa da refeição no cotidiano de sua vida familiar, comunitária, eclesial...?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

29.08.25"

Texto- Retirado do site - "CATEQUESEHoje - www.catequesehoje.org.br ", em 29.08.2025 - Um site de Catequese do Brasil, com muita qualidade!

Imagem: Retirada da "Google imagens" em 29/08/2025;

Comentário à liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum - Ano C

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Tem coragem, levanta-te! Ele chama-te.

 


Ciclo de Catequese do Papa Leão XIV – Jubileu 2025

Com esta catequese, gostaria de orientar o nosso olhar para outro aspeto essencial da vida de Jesus: ou seja, as suas curas. Por isso, convido-vos a colocar diante do Coração de Cristo as vossas partes mais dolorosas ou frágeis, aqueles lugares da vossa vida onde vos sentis parados e bloqueados. Peçamos ao Senhor com confiança que ouça o nosso grito e nos cure!

O personagem que nos acompanha nesta reflexão ajuda-nos a compreender que nunca devemos abandonar a esperança, mesmo quando nos sentimos perdidos. Trata-se de Bartimeu, cego e mendigo, que Jesus encontrou em Jericó (cf. Mc 10, 40-52). O lugar é significativo: Jesus está a caminho de Jerusalém, mas inicia a sua viagem, por assim dizer, a partir do “submundo” de Jericó, uma cidade abaixo do nível do mar. Com efeito, com a sua morte, Jesus foi recuperar aquele Adão que caiu em baixo e que representa cada um de nós.

Bartimeu significa “filho de Timeu”: descreve aquele homem através de uma relação, mas está dramaticamente só. No entanto, este nome poderia significar também “filho da honra”, ou “da admiração”, exatamente o oposto da situação em que se encontra (é a interpretação dada também por Agostinho em O consenso dos evangelistas, 2, 65, 125: PL 34, 1138). E dado que o nome é tão importante na cultura judaica, significa que Bartimeu não consegue viver o que é chamado a ser.

Além disso, contrariamente ao grande movimento de pessoas que caminham atrás de Jesus, Bartimeu está parado. O evangelista diz que está sentado ao longo da estrada e, portanto, que precisa de alguém que o ponha de pé e o ajude a retomar o caminho.

O que podemos fazer quando nos encontramos numa situação que parece sem saída? Bartimeu ensina-nos a apelar aos recursos que temos em nós e que fazem parte de nós. Ele é um mendigo, sabe pedir, aliás consegue gritar! Se desejas realmente algo, fazes tudo para o poder alcançar, até quando os outros te censuram, te humilham e te dizem para desistir. Se o desejas realmente, continua a gritar!

O grito de Bartimeu, descrito no Evangelho de Marcos - «Filho de David, Jesus, tende piedade de mim!» (v. 47) - tornou-se uma oração bem conhecida na tradição oriental, que também nós podemos utilizar: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim, pecador!».

Bartimeu é cego, mas paradoxalmente vê melhor do que os outros e reconhece quem é Jesus! Perante o seu grito, Jesus detém-se e chama-o (cf. v. 49), pois não há grito que Deus não ouça, até quando não estamos conscientes de nos dirigirmos a Ele (cf. Ex 2, 23). Parece estranho que, diante de um cego, Jesus não vá imediatamente ter com ele; contudo, se pensarmos bem, é o modo de reativar a vida de Bartimeu: impele-o a levantar-se, confia na sua possibilidade de caminhar. Aquele homem pode voltar a pôr-se de pé, pode ressurgir das suas situações de morte. Mas para o fazer deve realizar um gesto muito significativo: deve abandonar o seu manto (cf. v. 50)!

Para um mendigo, o manto é tudo: é a segurança, é a casa, é a defesa que o protege. Até a lei tutelava o manto do mendigo e impunha que fosse devolvido à noite, se tivesse sido penhorado (cf. Ex 22, 25). No entanto, muitas vezes o que nos bloqueia são precisamente as nossas aparentes seguranças, aquilo que vestimos para nos defendermos e que, pelo contrário, nos impede de caminhar. Para ir ao encontro de Jesus e para se deixar curar, Bartimeu deve expor-se a Ele em toda a sua vulnerabilidade. Esta é a passagem fundamental para qualquer caminho de cura.

Até a pergunta que Jesus lhe dirige parece estranha: «Que queres que eu te faça?» (v. 51). Mas, na realidade, não é óbvio que queiramos ser curados das nossas doenças, às vezes preferimos ficar parados para não assumir responsabilidades. A resposta de Bartimeu é profunda: utiliza o verbo anablepein, que pode significar “ver de novo”, mas que poderíamos traduzir também como “elevar o olhar”. Com efeito, Bartimeu não só quer voltar a ver, mas também quer recuperar a sua dignidade! Para elevar o olhar, é preciso levantar a cabeça. Às vezes, as pessoas estão bloqueadas porque a vida as humilhou e só desejam reencontrar o seu valor.

O que salva Bartimeu, e cada um de nós, é a fé. Jesus cura-nos para podermos ser livres. Ele não convida Bartimeu a segui-lo, mas diz-lhe que ande, que se ponha novamente a caminho (cf. v. 52). Mas Marcos conclui a narração, referindo que Bartimeu começou a seguir Jesus: escolheu livremente seguir aquele que é o Caminho!

Caros irmãos e irmãs, levemos com confiança a Jesus as nossas enfermidades e também as dos nossos entes queridos; levemos a dor de quantos se sentem perdidos e sem saída. Clamemos também por eles, certos de que o Senhor nos ouvirá e se deterá.

Papa Leão XIV

Audiência Geral 11.06.2025

Texto: Retirados do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 27/06/2025; 

Imagem: Retirada da "Google imagens" em 27/06/2025;

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Ensemble au cénacle (Auprès de Marie) | Emmanuel Music

Vida en abundancia



Vida em abundância

Os lírios do campo e as aves do céu
Não se preocupam, porque estão nas Minhas mãos.
Tende confiança em mim,
Eu estou aqui junto a vós.

Ama o que és e as tuas circunstâncias,
Estou contigo, com a tua cruz às Minhas costas,
Tudo acabará bem,
Eu faço novas todas as coisas.

Eu venho trazer-te vida
Vida em abundância, em abundância.
Eu Sou o caminho
A verdade e a vida,
Vida em abundância, em abundância.

Não fiz o Homem para que esteja só;
Caminhai juntos como irmãos:
Suportai-vos mutuamente
Amai-vos uns aos outros.

A felicidade da Vida Eterna
Começa Comigo na Terra,
Sente-te vivo, a festa do Reino começa aqui!

Eu venho trazer-te vida
Vida em abundância, em abundância.
Eu sou o caminho
A verdade e a vida,
Vida em abundância, em abundância.

Encorajo os teus sonhos e os teus projetos,
Todas as tuas buscas e teus anseios.
Já ouvi a tua oração
entrega-te à esperança.  

Sobe à Minha barca a navegar mar adentro,
No profundo está o que é verdadeiro.
Anima-te a voar
na aventura do confiar.

Eu venho trazer-te vida
Vida em abundância, em abundância.
Eu sou o caminho
A verdade e a vida,
Vida em abundância, em abundância


Tradução livre: Gracinda Leão
Fotos: Gracinda Leão-Dia da Ascenção 2025-Igreja Franciscanos  Capuchinhos  de Gondomar

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Surrexit Christus

Somente na comunidade se descobre a presença de Jesus Vivo...

“Põe o teu dedo e olha as minhas mãos; estende a tua mão e coloca-a no meu lado”            (Jo 20,27)

O que os textos pascais querem expressar com a palavra “ressurreição” é a chave de toda a mensagem cristã. Mas é algo muito mais profundo que a reanimação de um cadáver. Sem essa Vida que vai mais além da vida, nada do que dizem os evangelhos teria sentido. Os relatos das aparições do Ressuscitado é a maneira de transmitir a vivência pascal dos discípulos, depois da experiência da paixão e morte de Jesus. O que os evangelistas querem comunicar aos demais é a experiência pascal de que Ele continua vivo e, além disso, está comunicando a eles essa mesma Vida. Esta é a mensagem de Páscoa.

O relato pascal deste 2º domingo da Páscoa é a chave para entender o sentido de todas as aparições pascais, que não pretendem nos dizer o que aconteceu em Jesus, mas nos transmitir a vivência interior dos discípulos.

A experiência pascal demonstra que somente na comunidade se descobre a presença de Jesus vivo. A comunidade é a garantia da fidelidade a Jesus. É a comunidade que recebe do Ressuscitado o principal mandato de anunciar a Boa Notícia, de ser sinal do perdão, de comunicar a paz... Ele é para a comunidade a fonte de vida, referência e fator de unidade. A comunidade cristã está centrada em Jesus e somente nele.

“No primeiro dia da semana”: o Ressuscitado dá início à nova Criação, no primeiro dia de uma nova semana; é o tempo de outra criação, desta vez definitiva. A criação do mundo havia durado seis dias e, no sétimo, Deus descansou. O “dia oitavo” é o dia primeiro da criação definitiva. A nova criação do ser humano, que Jesus realizou durante sua vida, culmina na cruz, no dia sexto, e chega à sua plenitude na Páscoa. Em Jesus ressuscitado, a Criação inteira chega à sua plenitude. O Ressuscitado é o Cristo Cósmico. S. Paulo vai dizer que “Cristo é tudo em todas as coisas” (Col. 3,11) e “tudo subsiste nele” (Col. 1,16). Ele recapitula tudo. Por isso a Epístola aos Efésios afirma: “importa unir sob uma só cabeça todas as coisas em Cristo” (1,10).

Jesus se manifesta, se põe no meio dos discípulos e os saúda. Não são eles que buscaram a experiência do encontro; tudo foi iniciativa do Ressuscitado. Os sinais de seu amor (as mãos e o lado) evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Não há lugar para o medo da morte. A verdadeira vida ninguém poderá tirar de Jesus, nem tirar deles. A permanência dos sinais indica a permanência de seu amor. A comunidade tem a experiência de que Jesus comunica vida.

João é o único que desdobra o relato da aparição aos apóstolos. Com isso personaliza em Tomé o tema da dúvida, que é capital em todos os relatos de aparições. Tomé tinha seguido Jesus, mas, como os outros, não o havia compreendido totalmente. Não podia conceber uma Vida definitiva que permanece despois da morte. Separado da comunidade, não tem a experiência de Jesus vivo; está em perigo de perder-se.  Uma vez mais se destaca a importância da experiência partilhada em comunidade.

Temos aqui outro ensinamento chave: os testemunhos nunca são suficientes, não podem suprir a experiência pessoal da nova Vida; sem ela Tomé é incapaz de dar o passo. No oitavo dia, reintegrado à comunidade, Tomé pode, então, experimentar o Amor. A resposta de Tomé é tão extrema como sua incredulidade. Negou-se a crer se não tocasse as mãos e o lado transpassado de Jesus. Agora renuncia à certeza física e vai muito mais além daquilo que vê. Ao dizer – “Meu Senhor meu Deus!” – reconhece a grandeza do amor de Jesus e o aceita dando-lhe sua adesão. Ao dizer “meu”, expressa sua proximidade. Jesus cumpriu o projeto, amando como Deus ama.

A mensagem para nós hoje é clara: sem uma experiência pessoal, vivida no seio da comunidade, é muito difícil acessar à nova Vida que Jesus anunciou antes de morrer e agora está comunicando. Trata-se da passagem do Jesus conhecido ao Cristo experimentado. Sem essa mudança não há possibilidade de entrar na dinâmica da ressurreição. O fato de Jesus continuar vivo não significa nada se nós não vivemos sua mesma Vida.

A Páscoa é presença gloriosa do Crucificado. O Senhor ressuscitado é o mesmo Jesus que fez de sua vida uma contínua entrega em favor das vidas feridas e excluídas. Como sinal de identidade, como expressão de permanência de sua paixão salvadora, o Ressuscitado mostra aos seus discípulos as mãos feridas e o lado transpassado, um gesto que depois vai receber novo conteúdo frente à resistência de Tomé.

Crer e viver a Páscoa é descobrir o rosto do Crucificado nos crucificados, é descobrir a Jesus crucificado como Senhor glorioso. No fundo deste mistério está a mais profunda experiencia de solidariedade: Jesus ressuscitado está naqueles que sofrem neste mundo.

Parece que nas primeiras comunidades cristãs crer na ressurreição não foi grande dificuldade. O problema estava em unir as chagas com a glória, o ressuscitado com o executado na paixão. Dá a impressão de que havia uma certa tendência a não falar das chagas, a não recordar aquele fatídico dia em que Jesus morreu na cruz. Não é de estranhar porque, de fato, a cruz era um trauma pessoal e social, uma marca perpétua, uma exclusão para sempre. Por isso, era melhor não falar disso. Mas os evangelistas se empenham em dizer que o Crucificado e o Ressuscitado são o mesmo, que é preciso unir chagas e ressurreição. Mais ainda: acabam dizendo que uma das melhores maneiras de crer no ressuscitado é tocar suas chagas, tocar toda chaga para saná-la. Por isso, a insistência de Jesus para com Tomé: “põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos; estende a tua mão e coloca-a no meu lado”.

Tomé é a expressão do ser humano a quem lhe custa crer na ressurreição do Jesus Histórico, do Jesus das chagas nas mãos e no lado, do Jesus da carne, do Jesus do povo crucificado. Provavelmente ele acreditava em Jesus, mas em um Jesus “espiritual” (puramente interior), sem necessidade do compromisso comunitário e social, sem chagas nas mãos e no lado. Provavelmente acreditava em um Cristo glorioso, desligado da história de Jesus, das mãos que tocaram os pobres e doentes, do coração que amou os excluídos da sociedade.

Pois bem, contra isso, a comunidade lhe diz que é preciso “tocar em Jesus”, que o ressuscitado é o mesmo Jesus da história, o das chagas nas mãos e no lado. O Senhor ressuscitado continua sendo aquele que traz em suas mãos e no seu lado as feridas de sua entrega, os sinais de seu amor crucificado em favor da humanidade. Este Jesus pascal continua estando presente nas chagas dos homens e mulheres de mãos machucadas, na ferida do costado dos homens e mulheres que sofrem. Não há experiência pascal sem um retorno à corporalidade do Jesus ressuscitado, que continua sendo o mesmo Jesus da História que morreu por causa do Reino de Deus.

O que importa de verdade não é o aspecto externo da ferida, a forma como Jesus apresenta seu lado aberto e suas mãos chagadas. Nova é a experiência da corporalidade transformada: o corpo de morte se tornou princípio de Páscoa. O mesmo corpo do amor concreto e da entrega, o corpo ferido com lanças e cravos, se converte assim em um sinal de ressurreição, sinal que continua presente  na realidade da humanidade.

Texto bíblico:  Jo 20,19-31

Na oração: Crer na ressurreição não é ter algumas ideias religiosas, acatar alguns dogmas, confessar uma fé. É, sobretudo, um modo de amar o frágil, curar as chagas daquele que está ferido, amparar o desorientado. “Tocar” as chagas dos sofredores é uma das melhores formas de crer no Ressuscitado e de viver como ressuscitado.

Anunciemos o Jesus glorioso, porque é Páscoa; mas não esqueçamos do Jesus do madeiro, dos pobres, dos injustamente tratados pelos mecanismos sociais, políticos e econômicos. Uma ressurreição na qual não são levados em conta os mais frágeis, não é a de Jesus.

- Que chagas somos chamados hoje a tocar para curá-las?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

24.04.2025

imagem: Caravaggio

Texto- Retirado do site - "CATEQUESEHoje - www.catequesehoje.org.br ", em 02.05.2025 - Um site de Catequese do Brasil, com muita qualidade!


Il est vivant | Emmanuel Music

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Convosco, tudo recomeça...


DOMINGO DE PÁSCOA E DA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

SANTA MISSA

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
LIDA PELO CARDEAL ANGELO COMASTRI

Praça São Pedro
Domingo de Páscoa, 20 de abril de 2025

[Multimedia]

____________________________________

"Maria Madalena, ao ver que a pedra do sepulcro tinha sido removida, começou a correr para ir avisar Pedro e João. Também os dois discípulos, tendo recebido aquela surpreendente notícia, saíram e – diz o Evangelho – «corriam os dois juntos» (Jo 20, 4). Os protagonistas dos relatos pascais correm todos! E este “correr” exprime, por um lado, a preocupação de que tivessem levado o corpo do Senhor; mas, por outro lado, a corrida de Maria Madalena, de Pedro e de João fala do desejo, do impulso do coração, da atitude interior de quem se põe à procura de Jesus. Ele, com efeito, ressuscitou dos mortos e, portanto, já não se encontra no túmulo. É preciso procurá-lo noutro lugar.

Este é o anúncio da Páscoa: é preciso procurá-lo noutro lugar. Cristo ressuscitou, está vivo! Não ficou prisioneiro da morte, já não está envolvido pelo sudário e, por isso, não podemos encerrá-lo numa bonita história para contar, não podemos fazer dele um herói do passado ou pensar nele como uma estátua colocada na sala de um museu! Pelo contrário, temos de O procurar, e, por isso, não podemos ficar parados. Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo.

Procurá-lo sempre. Porque se Ele ressuscitou, então está presente em toda a parte, habita no meio de nós, esconde-se e revela-se ainda hoje nas irmãs e nos irmãos que encontramos pelo caminho, nas situações mais anónimas e imprevisíveis da nossa vida. Ele está vivo e permanece sempre conosco, chorando as lágrimas de quem sofre e multiplicando a beleza da vida nos pequenos gestos de amor de cada um de nós.

Por isso, a fé pascal, que nos abre ao encontro com o Senhor ressuscitado e nos dispõe a acolhê-lo na nossa vida, é tudo menos uma acomodação estática ou um pacífico conformar-se numa segurança religiosa qualquer. Pelo contrário, a Páscoa põe-nos em movimento, impele-nos a correr como Maria de Magdala e como os discípulos; convida-nos a ter olhos capazes de “ver mais além”, para vislumbrar Jesus, o Vivente, como o Deus que se revela e ainda hoje se torna presente, nos fala, nos precede, nos surpreende. Como Maria Madalena, podemos fazer todos os dias a experiência de perder o Senhor, mas todos os dias podemos correr para O reencontrar, sabendo com certeza que Ele se deixa encontrar e nos ilumina com a luz da sua ressurreição.

Irmãos e irmãs, aqui está a maior esperança da nossa vida: podemos viver esta existência pobre, frágil e ferida agarrados a Cristo, porque Ele venceu a morte, vence a nossa escuridão e vencerá as trevas do mundo, para nos fazer viver com Ele na alegria, para sempre. Em direção a esta meta, como diz o Apóstolo Paulo, também nós corremos, esquecendo o que fica para trás e vivendo orientados para o que está à nossa frente (cf. Fl 3, 12-14). Apressemo-nos então a ir ao encontro de Cristo, com o passo ligeiro de Maria Madalena, Pedro e João.

O Jubileu convida-nos a renovar em nós mesmos o dom desta esperança, a mergulhar nela os nossos sofrimentos e as nossas inquietações, a contagiar aqueles que encontramos no caminho, a confiar a esta esperança o futuro da nossa vida e o destino da humanidade. Por isso, não podemos estacionar o nosso coração nas ilusões deste mundo, nem fechá-lo na tristeza; temos de correr, cheios de alegria. Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos. Deixemos que a sua Palavra de vida e verdade ilumine o nosso caminho. Como dizia o grande teólogo Henri de Lubac, «bastar-nos-á compreender isto: o cristianismo é Cristo. Verdadeiramente, não há nada mais do que isso. Em Cristo temos tudo» (Les responsabilités doctrinales des catholiques dans le monde d’aujourd’hui, Paris 2010, 276).

E este “tudo”, que é Cristo ressuscitado, abre a nossa vida à esperança. Ele está vivo e ainda hoje quer renovar a nossa vida. A Ele, vencedor do pecado e da morte, queremos dizer:

«Senhor, nesta festa, pedimos-vos este dom: que também nós sejamos novos para viver esta perene novidade. Afastai de nós, ó Deus, a poeira triste da rotina, do cansaço e do desencanto; dai-nos a alegria de acordar, a cada manhã, com os olhos maravilhados, para ver as cores inéditas daquele amanhecer, único e diferente de todos os outros. […] Tudo é novo, Senhor, e nada repetido, nada envelhecido» (A. Zarri, Quasi una preghiera).

Irmãs, irmãos, na maravilha da fé pascal, trazendo no coração todas as expetativas de paz e libertação, podemos dizer: Convosco, Senhor, tudo é novo. Convosco, tudo recomeça."

Texto: Retirados do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 21/04/2025; 

Imagem: Retirada da "Google imagens" em 21/04/2025;