“Ao verem de novo a estrela, os magos
sentiram uma alegria muito grande” (Mt 2,10)
O
relato evangélico deste domingo é desconcertante: o Deus, escondido na
fragilidade humana, não é encontrado pelos que vivem instalados no poder ou
fechados na segurança religiosa. Ele se deixa revelar àqueles que, guiados por
pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na
ternura e na pobreza da vida.
Para
além da intencionalidade do evangelista Mateus, o texto contém um profundo
simbolismo, carregado de sabedoria. Tudo começa com uma “estrela”. É a luz
interior (intuição, insight) que desencadeia o processo de busca e nos põe a
caminho. Pode aparecer de maneira inesperada, em qualquer momento e, com
frequência, costuma surgir numa situação de crise que, ao remover nossos
hábitos, faz com que nos abramos a uma dimensão mais profunda.
Estar
a caminho de Belém é fazer a travessia em direção a nós mesmos. Ao buscar uma
Criança na Gruta, buscamos nossa verdade mais profunda e original, a verdade
interna da alegria e do amor, do sentida da vida, em meio a um mundo no qual a
maioria só parece buscar coisas externas, afastando-se de si mesmos. A luz que
aqui importa é a tua, a nossa, a minha, ou seja, a de Deus que ilumina o
caminho da vida, que nos leva até Jesus e com Jesus nos leva ao Reinado do Pai,
que é a plenitude de nossa própria vida.
Peregrinos
somos todos, mas não em guerra de estrelas (star-wars) e sim em um caminho
messiânico que leva ao ouro, incenso e mirra de Belém, que é o sinal da verdade
da vida. Trata-se sempre da voz do desejo que nos habita, e que não é outra
coisa que expressão de nossa verdadeira identidade que nos chama para “voltar à
casa”. Com efeito, o caminho no qual o desejo nos introduz é o caminho da
verdade; a estrela sempre conduz à verdade. E sabemos ou intuímos que a verdade
vai nos desnudar de tudo aquilo que havíamos absolutizado. Por esse motivo, é
importante que nos perguntemos se realmente buscamos a verdade..., ou nos
conformamos com qualquer coisa que a substitua.
A
estrela não tem outra finalidade que a de conduzir-nos à “casa”, nossa gruta interior.
Mas, apenas iniciamos o caminho, aparecem as dificuldades: os apegos que não
estamos dispostos a soltar, as formas de viver que se fizeram habituais, o medo
do incômodo [incómodo] que toda mudança supõe, o susto diante do
desconhecido... e, em último termo, a ignorância básica que nos faz acreditar
naquilo que não somos e nos mantém acomodados na noite da insatisfação
existencial.
Os
Magos (sábios) do Oriente são símbolo do ser humano em sua busca de Deus, em
seu desejo de infinito e plenitude. Esta é a “impressão digital” de artista que
Deus deixou em todos nós: a saudade do divino, do sublime, do infinito, do
pleno, do Outro.
A
estrela simboliza a força dos desejos mais profundos do ser humano (no latim, a
palavra desejo “de-sid-erium”, contém a raiz “sid”: sideral, firmamento,
horizonte). Portanto, quem deseja transgride as estreitas fronteiras da vida e
se deixa conduzir para além de si mesmo; quem não ativa os desejos profundos,
limita-se a vegetar, a cercar-se de proteção, a buscar segurança... atrofiando
a própria existência. Só os nobres desejos, presentes em nosso interior,
alimentam o espírito de busca, acendem a criatividade e nos movem ao encontro
do novo e do diferente.
Se
levássemos a sério o movimento de “saída” dos Magos, muitas coisas poderiam
mudar: o interior de nós mesmos, nosso entorno mais próximo, a estrutura
social, as igrejas, as religiões, a ecologia... O “quê” da questão não está nos
verbos senão no sujeito ativo que gera o ato de sair, buscar e encontrar.
Como
os Magos, precisamos ativar a capacidade de abrir a janela que nos conecta com
a vida dos outros e nos permite continuar interessados, com paixão e com
lucidez (para ter boas fontes de informação), por tudo aquilo que está
ocorrendo em nosso convulsionado mundo. Visitar ambientes que talvez nunca
tivemos ocasião de conhecer, sair de nossos espaços rotineiros e conhecidos,
abrir-nos às surpresas da vida...
Os
Magos perguntam àqueles que podem ajudá-los. Hoje precisamos dialogar com mais
profundidade.
Todo
ser humano é aventureiro por essência; com ardor, ele anseia por uma causa
última pela qual viver, um valor supremo que unifique a multiplicidade caótica
de suas vivências e experiências, um projeto que mereça sua entrega radical.
Para dar sentido à sua vida e realizar-se como pessoa, o ser humano necessita
da autotranscedência, isto é, viver para além de si mesmo, de seus impulsos,
caprichos, interesses.
Ele
carrega dentro de si a sede do infinito, a criatividade, a capacidade de romper
fronteiras, os sonhos, a luz... Portador de uma força que o arrasta para algo
maior que ele, não se limita ao próprio mundo; traz uma aspiração profunda de
ser pleno, de realização, de busca do “mais”...
O
desejo do encontro é força determinante para se manter acesa a chama da
dinâmica da busca. É uma chama que se mantém acesa em proporção ao sentido e à
grande importância de quem ou do que se busca. Vale a pena buscar o que é
importante e encontrar Aquele que responde às razões mais profundas da
busca.
Os
Magos ensinam como devemos nos mobilizar para viver esse deslocamento
(geográfico, interno, social...) para acolher intensamente a surpresa do
encontro: caminham em busca, observam os sinais com atenção, desfrutam o
trajeto com alegria, porque a alegria consiste em caminhar para o outro, entram
no lugar onde Maria já oferece o ambiente aberto... É interessante notar este
detalhe do texto do evangelho: “viram o menino com Maria, sua mãe” (v. 11);
tudo indica que o tinham em frente, no centro, como o mais importante. Maria
põe o Filho fácil de ser encontrado. Nem sequer perguntam por Ele, já o
descobrem imediatamente. Não estabelecem diálogo com a mãe. Vão mudos e diretos
ao objetivo. Podemos aqui intuir o regozijo de Maria, pois sua felicidade é que
a humanidade descubra seu Filho como ela o descobriu.
Uma
vez dentro, os visitantes se prostram, se abaixam, reconhecem, identificam,
adoram. Em seguida abrem seus cofres e oferecem seus presentes. O relato diz
que os magos levaram ouro, incenso e mirra. A meta, para a qual aponta a voz do
desejo, requer desapego e desprendimento de nossos “tesouros”. E isso só é
possível quando compreendemos que aquilo à qual nos havíamos apegado se esvazia
diante da verdade d’Aquele diante de quem estamos.
Procuremos,
neste dia festivo, seguir os passos do processo de busca-encontro-manifestação
que os Magos experimentaram. Eles buscavam o Rei dos judeus porque “viram sua
estrela”, e o encontram em um menino, em casa, com sua mãe, Maria. Descobrem o
divino no humano mais frágil. Este é o núcleo da mensagem do relato da Adoração
dos Magos. O divino está no humano. Quanto mais humano mais divino.
Como
os Magos, também nós somos buscadores de Deus. E, como eles, devemos nos
perguntar: a quê Deus buscamos? Onde o encontraremos? Como é possível saber que
de fato o encontramos?
A
Epifania consiste no encontro com Recém-nascido em Belém; o reconhecimento
recíproco transforma os Magos em testemunhas vivas da Boa-Nova. Transformados,
eles mesmos se tornam Boa-Nova e assim anunciam, em diálogo vivo, a Luz das
nações.
Epifania
é deter-nos a contemplar aquela Criança, o Mistério de Deus que se faz homem na
humildade e na pobreza; mas é, sobretudo, acolher de novo em nós mesmos aquele
Menino, que é Cristo Senhor, para viver de sua mesma vida, para fazer que seus
sentimentos, seus pensamentos, suas ações, sejam nossos sentimentos, nossos
pensamentos, nossas ações. Celebrar a Epifania é, portanto, manifestar a
alegria, a novidade, a luz que o Nascimento de Jesus trouxe e que afeta toda a
nossa existência, para sermos, também nós, portadores da alegria, da autêntica
novidade, da luz de Deus aos outros.
Texto bíblico: Mt
2,1-12
Na oração: Em sua aparente
simplicidade, o relato dos Magos nos apresenta perguntas decisivas: diante de
quem nos ajoelhamos? Como se chama o “deus” que adoramos no fundo de nosso ser?
Como cristãos, adoramos o Menino de Belém? Colocamos a seus pés nossas riquezas?
Estamos dispostos a escutar seu chamado para entrar na lógica do Reinado de
Deus e sua justiça?
-
O que os Magos despertam em nós, hoje?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Parte escrita - Retirada do site -
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Imagem- Retirada da "Google Imagens", em 05.01.2020
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