Catequese do Papa Francisco sobre os Mandamentos- 3
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, esta audiência
terá lugar como na quarta-feira passada. Na Sala Paulo VI há muitos
doentes, e para os proteger do calor, a fim de que estivessem mais
confortáveis, estão ali. Mas acompanharão a audiência através do grande ecrã, e
também nós com eles, ou seja, não há duas audiências. Há uma só. Saudemos os
enfermos na Sala Paulo VI. E continuemos a falar dos mandamentos que, como
dissemos, mais do que mandamentos, são as palavras de Deus ao seu povo, para
que caminhe bem; palavras amorosas de um Pai. As dez Palavras começam assim: «Eu
sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão» (Êx 20,
2). Este início pareceria não estar relacionado com verdadeiras leis que
seguem. Mas não é assim!
Qual o motivo desta
proclamação que Deus faz de si mesmo e da libertação? Porque só se chega ao
Monte Sinai depois de ter atravessado o Mar Vermelho: primeiro, o Deus de
Israel salva, e depois pede confiança.[1] Ou seja: o Decálogo começa pela
generosidade de Deus. Deus nunca pede sem dar primeiro. Jamais! primeiro salva,
primeiro doa e depois pede. Assim é o nosso Pai, o bom Deus.
E compreendemos a
importância da primeira declaração: «Eu sou o Senhor teu Deus». Há
um possessivo, existe uma relação, uma pertença. Deus não é um estranho: é o teu Deus.[2] Isto
ilumina o Decálogo inteiro e revela também o segredo do agir cristão, porque é
a própria atitude de Jesus que diz: «Assim como o Pai me ama, também Eu
vos amo» (Jo 15, 9). Cristo é o Amado do Pai e ama-nos com
este amor. Ele não começa por si mesmo, mas pelo Pai. Muitas vezes as nossas
obras falham, porque começamos por nós mesmos, e não pela gratidão. E onde
chega quem começa por si mesmo? Chega a si próprio! É incapaz de progredir,
volta para si mesmo. É exatamente aquela atitude egoísta que, brincando, as
pessoas dizem: “Essa pessoa é um eu, eu comigo mesmo e para mim”. Sai de si e
volta para si.
A vida cristã é antes
de tudo a resposta grata a um Pai generoso. Os cristãos que
seguem apenas “deveres” denunciam que não têm uma experiência
pessoal daquele Deus que é “nosso”. Devo fazer isto, isso,
aquilo... Somente deveres. Mas falta-te algo! Qual é o fundamento deste dever?
O fundamento deste dever é o amor de Deus Pai, que primeiro dá, depois manda.
Colocar a lei antes da relação não ajuda o caminho de fé. Como pode um jovem
desejar ser cristão, se nós começamos pelas obrigações, compromissos,
coerências, e não pela libertação? Mas ser cristão é um caminho de libertação!
Os mandamentos libertam-te do teu egoísmo, e libertam-te porque há o amor de
Deus que te faz ir em frente. A formação cristã não está baseada na força de
vontade, mas no acolhimento da salvação, no deixar-se amar: primeiro o Mar
Vermelho, depois o Monte Sinai. Primeiro a salvação: Deus salva o seu povo no
Mar Vermelho; depois, no Sinai diz-lhe que deve fazer. Mas aquele povo sabe que
Ele faz tais gestos porque foi salvo por um Pai que o ama.
A gratidão é um traço
caraterístico do coração visitado pelo Espírito Santo; para obedecer a Deus é
preciso, antes de tudo, recordar os seus benefícios. São Basílio diz: «Quem não
deixa que tais benefícios caiam no esquecimento, orienta-se para a boa virtude
e para todas as obras de justiça» (Regras breves, 56). Onde nos leva
tudo isto? A fazer exercício de memória:[3] quantas maravilhas fez Deus
por cada um de nós! Como é generoso o nosso Pai celestial! Agora gostaria de
vos propor um pequeno exercício, em silêncio, cada qual responda no seu
coração. Quantas maravilhas fez Deus por mim? Esta é a pergunta. Cada um de nós
responda em silêncio. Quantas maravilhas fez Deus por mim? E esta é a
libertação de Deus. Deus faz muitas maravilhas e liberta-nos.
E no entanto, alguém
pode sentir que ainda não viveu uma verdadeira experiência da libertação feita
por Deus. Isto pode acontecer. Pode ser que alguém olhe para dentro de si e só
encontre sentido de dever, uma espiritualidade de servo, e não de filho. Que
fazer em tal caso? Como faz o povo eleito. O livro do Êxodo diz: «Os israelitas,
que ainda gemiam sob o peso da servidão, clamaram e, do fundo da própria
escravidão, subiu o seu clamor até Deus. Deus ouviu os seus gemidos,
lembrando-se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus olhou para os
israelitas e reconheceu-os» (Êx 2, 23-25). Deus pensa em mim!
A ação libertadora de
Deus, inserida no início do Decálogo — ou seja, dos mandamentos — é a resposta
a esta lamentação. Nós não nos salvamos sozinhos, mas de nós pode brotar um
grito de ajuda: “Senhor, salvai-me; Senhor, ensinai-me o caminho;
Senhor, acariciai-me; Senhor, concedei-me um pouco de júbilo”. Trata-se de um
clamor que pede ajuda. Compete-nos isto: pedir para ser libertados do egoísmo,
do pecado, das correntes da escravidão. Este brado é importante, é oração, é consciência
daquilo que ainda existe de oprimido e não libertado em nós. Existem muitas
coisas não libertadas na nossa alma. “Salvai-me, ajudai-me, libertai-me!”. Esta
é uma bonita prece ao Senhor. Deus espera este grito, porque pode e quer
quebrar as nossas correntes; Deus não nos chamou à vida para que
permanecêssemos oprimidos, mas para ser livres, e para vivermos na gratidão,
obedecendo com alegria Àquele que nos ofereceu tanto, infinitamente mais do que
poderíamos dar-lhe. Isto é bonito! Que Deus seja sempre bendito por tudo o que
fez, faz e há de fazer em nós!
Papa Francisco
Catequese na audiência
Geral
27 de junho de 2018
Notas
[1] Na tradição
rabínica encontra-se um texto iluminador a este propósito: «Por que as dez
palavras não foram proclamadas no início da Torá? [...] Com o que se pode
comparar? A um tal que, assumindo o governo de uma cidade, perguntou aos
habitantes: “Posso reinar sobre vós?”. Mas eles replicaram: “Que nos fizeste de
bem, para que pretendas reinar sobre nós?”. Então, que fez? Construiu-lhes
muros de defesa e uma canalização para abastecer a cidade de água; depois,
combateu guerras a favor deles. E quando voltou a perguntar: “Posso reinar
sobre vós?”, eles retorquiram-lhe: “Sim, sim!”. Assim também o Lugar fez Israel
sair do Egito, dividiu o mar para eles, fez com que lhes descesse o maná e
subisse a água do poço, levou até eles codornizes em voo e finalmente combateu
para eles a guerra contra Amalec. E quando os interrogou: “Posso reinar sobre
vós?”, eles responderam-lhe: “Sim, sim!”» (Il dono della Torah.
Commento al decalogo di Es 20 nella Mekilta di R. Ishamael, Roma 1982,
p. 49).
[2] Cf. Bento
XVI, Carta Enc. Deus caritas est, 17: «A história do amor
entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de
vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso
querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de
ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a
minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais
íntimo para mim mesmo de quanto o seja eu próprio. Cresce então o abandono em
Deus, e Deus torna-se a nossa alegria».
[3] Cf. Homilia
da Missa em Santa Marta, 7 de outubro de 2014: «[Que significa
rezar?]. É fazer memória diante de Deus da nossa história. Porque a nossa
história [é] a história do seu amor por nós». Cf. Detti e fatti dei
padri del deserto, Milão 1975, p. 71: «O esquecimento é a raiz de
todos os males»
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