segunda-feira, 12 de outubro de 2015

LEVAR AMOR E ESPERANÇA AO MUNDO DA PROSTITUIÇÃO


Amizade. Carinho. Amor. Esperança. Estas são algumas palavras-chave associadas ao projeto Villa Teresita, que surgiu em Espanha há mais de 70 anos, para fazer sorrir de novo mulheres ligadas à prostituição e ao tráfico de pessoas. Em conversa com Conchi Jimenez, responsável da comunidade de Valência, o Mensageiro foi conhecer este projeto  e  o que leva alguém a dedicar a sua vida àqueles que estão no último degrau da sociedade.

   O PROJETO VILLA TERESITA NASCEU EM 1942, NA SEQUÊNCIA DO CONTATO DE ISABEL GARBAYO COM MULHRES PROSTITUTAS, DOENTES, ISOLADAS NUMA ALA DE UM HOSPITAL. FOI FÁCIL AVANÇAR COM UM PROJECTO DESTES?
   Na verdade, não foi fácil, não tanto por causa das mulheres, com quem a aproximação e o estabelecimento de relações de amizade foi simples, mas sobretudo pela discriminação social e pela incompreensão de muitos crentes.
   Isabel Garbayo era a filha mais nova de uma família instalada em Pamplona (Navarra), uma cidade pequena, em que todos se conheciam e não percebiam porque é que ela se «misturava» com aquelas mulheres tão mal vistas e socialmente discriminadas. Foi um escândalo para muitos.

   Mas Isabel Garbayo, sem se preocupar com tais opiniões, deixou-se tocar pela dureza de vida das mulheres prostitutas. Estavam isoladas e eram discriminadas, como os leprosos na época de Jesus, e ela foi capaz de ver para lá das aparências, foi capaz de escutar  «os gritos» dos seus corações e não conseguiu ficar indiferente.

  Deus chamava-a a fazer algo para ajudar aquelas mulheres e, embora isso lhe provocasse sofrimento, não podia deixar de o fazer. Devia seguir aquela intuição que o Senhor lhe apresentava, definindo como lema : « não posso morrer sem fazer algo por essas pobres mulheres». Essa inquietude levou-a a desenvolver o projeto  Villa Teresita.

   Este projeto nasce, assim, como uma casa de família para as mulheres provenientes do mundo da prostituição, que pretendiam refazer e normalizar a sua vida. Nela, as «chicas» (como Isabel carinhosamente lhes chamava) e a comunidade partilhavam a vida. Como em todas as famílias, pomos à sua disposição todos os recursos possíveis, tendo em vista o crescimento humano, profissional e espiritual. Filhas de um mesmo Pai, irmãs de caminho, vivemos como tal, percorrendo juntas o caminho da vida. Cada mulher que chega à casa é um «tesouro» que Deus nos confia, para fazer «brilhar» em toda a sua plenitude. Para muitas  das mulheres que chegam à nossa casa, esta é a oportunidade, que nunca tiveram, de se sentirem amadas, de verem que alguém espera delas algo de bom e confia nas suas capacidades, tantas vezes asfixiadas pelas situações vividas. Villa Teresita é, ao mesmo tempo, uma casa aberta para todas aquelas mulheres que continuam a viver situações de exclusão e prostituição e com as quais, embora não convivendo, partilhamos o caminho. Desde o inicio, ir onde as mulheres estão - ruas, bares, prisões, hospitais - é o nosso modo de nos tornarmos próximas, como o bom samaritano, para assim, vendo as suas feridas, cuidar delas e procurar meios para que se possam pôr novamente de pé.
   HOJE SÃO UM GRUPO DE MULHERES CONSAGRADAS A DEUS E AOS MAIS POBRES. O QUE MOVE  ALGUÉM  A QUERER TRABALHAR NESTE PROJETO?
   Podíamos reformular a pergunta, referindo que não é algo, mas Alguém, que nos move. Deus continua a chamar, Deus continua a mover corações, para que não abandonem as suas filhas. As que vivemos consagradas a esta missão, fazemo-lo seduzidas por Jesus e pelo Evangelho. Experimentámos o seu Amor e este leva-nos a entregá-lo, a dar de graça o que de graça recebemos.
   EM QUE MEDIDA A ESPIRITUALIDADE DE SANTA TERESA DE LISIEUX, CUJO NOME “ADOTARAM”, INSPIRA A VOSSA AÇÃO?
   Santa Teresa é, juntamente com São José, padroeira da nossa instituição. Na celebração da sua festa, no primeiro aniversário da nossa fundadora, Isabel Garbayo escreveu no seu diário: «Foi ela que orientou a minha vida espiritual pelo caminho do amor, do abandono, da confiança; ao viver a vida de Nazaré fazendo aquilo que é normal e transformando-o em extraordinário (…) e nomeada nossa padroeira, peço-lhe que derrame uma chuva de graças para todas as mulheres que vivem na nossa casa e para as que ainda continuam nessa vida».

   Creio que estas poucas palavras reflectem muito bem a influência de Santa Teresa de Lisieux. Em primeiro lugar, o amor; a nossa vida há de ser reflexo do amor misericordioso que o Senhor nos tem. Transmitir às mulheres com as quais compartilhamos a vida e trabalhamos, que são profundamente amadas por Deus, que Ele as olha e cuida delas com amor, sem as julgar, que quer para elas, como para todos,  uma vida ditosa e feliz. Em segundo lugar, o abandono, o viver abandonadas no amor de Deus, sabendo que Ele as ama mais do que nós  e que tornará possível o que a nós muitas vezes nos parece impossível.

   E é mesmo assim. Quantas vezes vivemos situações difíceis com as mulheres, para as quais humanamente não encontramos saída, e o Senhor, a seu modo, abre-nos caminhos novos, que não esperávamos, e que nos permitem seguir em frente. Isto leva-nos inevitavelmente a confiar na providência, a sentirmo-nos nas  suas  mãos e a experimentar que, certamente, a partir do Amor, nada é normal, mas extraordinário, porque é Deus quem acompanha o nosso caminhar, a nossa vida diária, e isso é algo muito grande.

   Experimentar que a nossa vida está impregnada do amor de Deus, servir, sabendo-nos instrumentos nas suas mãos, rezar com confiança de que , feito o que podíamos fazer, tudo o resto depende d´Ele, é viver a partir do extraordinário!
   JÁ TRABALHARAM COM MULHERES QUE EMIGRAVAM DO CAMPO PARA A CIDADE, MÃES SOLTEIRAS, TOXICODEPENDENTES, VÍTIMAS DE SIDA E, DESDE FINAIS DA DÉCADA DE 90 DO SÉCULO XX, COM VÍTIMAS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS. PORQUÊ A PREOCUPAÇÃO ESPECÍFICA COM ESTE GRUPO POPULACIONAL?
   Embora a nossa vida e o nosso trabalho estejam ao serviço dos mais pobres da sociedade, o acento pomo-lo sem dúvida nas mulheres e especialmente naquelas oriundas do mundo da prostituição. Podíamos dizer que as mulheres que trabalham na prostituição são pobres entre os pobres, porque não só vivem situações de grande precariedade económica, como também são vítimas de violências e isolamento e carregam o estigma social e o peso moral que a prostituição implica.

   Esta diversidade de população está relacionada com o tentar ir dando resposta à realidade e esta vai mudando. O perfil das mulheres que trabalham na prostituição tem mudado e temos tentado adaptar-nos a ele. Estar continuamente na rua, abertas às necessidades das pessoas, a isso nos obriga.
   É FÁCIL SER SINAL DE AMOR E ESPERANÇA PARA ESSAS PESSOAS?
   Creio que sim. Alguém dizia que a dor maior dos pobres é que ninguém necessita da sua amizade. Nós tentamos estabelecer vínculos de carinho e amizade com as pessoas, transmitir o amor que cada dia recebemos de Deus. A partir daí, da fé que vivemos e compartilhamos, a esperança se torna possível.

   A vida partilhada com os mais pobres é sempre uma dinâmica pascal, de morte e ressurreição. Nós somos testemunhas de como, no meio de situações de sofrimento e «morte», o Senhor continua a abrir-nos à Vida.
   O QUE É MAIS GRATIFICANTE NO VOSSO TRABALHO DE INTERVENÇÃO SOCIAL? E O MAIS DESMOTIVADOR?
   Sem  dúvida, o mais gratificante é o encontro, o carinho e a relação com as pessoas e ver que isso é transformador, não só para os outros, mas também para nós mesmas. A relação com os pobres remete-nos sempre para o Evangelho e isso é um grande presente. Por isso é difícil saber o que menos nos motiva, porque o fazer caminho com os outros tem as suas luzes e sombras; e isso não produz desmotivação, mas é caminho de vida e amor.
   O TRÁFICO DE PESSOAS É, SEGUNDO O PAPA FRANCISCO, A FORMA MODERNA DE ESCRAVIDÃO. É POSÍVEL ACABAR COM ESTE FLAGELO, QUE VITIMA TANTAS PESSOAS? OU ISSO É UMA UTOPIA?
   Ao longo da história da humanidade foi havendo diferentes formas de escravidão, contra as quais sempre houve homens e mulheres que lutaram e conseguiram a sua abolição. Então, porque não acreditar que se pode acabar com o tráfico de pessoas? É sinal de esperança que em todo o mundo se ergam vozes contra esta praga e que, pouco a pouco, se vá sensibilizando a sociedade. Assim, creio que se pode acabar com ele, embora seja um longo processo.»
«Entrevista retirada da  revista “Mensageiro do Coração de Jesus” – Secretariado Nacional do Apostolado da Oração- de Outubro de 2015, pags.4,5 e 6.»

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