Amizade. Carinho. Amor. Esperança. Estas são algumas palavras-chave associadas ao projeto Villa Teresita, que surgiu em Espanha há mais de 70 anos, para fazer sorrir de novo mulheres ligadas à prostituição e ao tráfico de pessoas. Em conversa com Conchi Jimenez, responsável da comunidade de Valência, o Mensageiro foi conhecer este projeto e o que leva alguém a dedicar a sua vida àqueles que estão no último degrau da sociedade.
O PROJETO VILLA TERESITA NASCEU EM 1942, NA
SEQUÊNCIA DO CONTATO DE ISABEL GARBAYO COM MULHRES PROSTITUTAS, DOENTES,
ISOLADAS NUMA ALA DE UM HOSPITAL. FOI FÁCIL AVANÇAR COM UM PROJECTO DESTES?
Na verdade, não foi fácil, não tanto por causa das mulheres, com quem a
aproximação e o estabelecimento de relações de amizade foi simples, mas
sobretudo pela discriminação social e pela incompreensão de muitos crentes.
Isabel Garbayo era a filha mais nova de uma família instalada em
Pamplona (Navarra), uma cidade pequena, em que todos se conheciam e não
percebiam porque é que ela se «misturava» com aquelas mulheres tão mal vistas e
socialmente discriminadas. Foi um escândalo para muitos.
Mas Isabel Garbayo, sem se preocupar com tais opiniões, deixou-se tocar
pela dureza de vida das mulheres prostitutas. Estavam isoladas e eram
discriminadas, como os leprosos na época de Jesus, e ela foi capaz de ver para
lá das aparências, foi capaz de escutar «os gritos» dos seus corações e não conseguiu
ficar indiferente.
Deus chamava-a a fazer algo para ajudar aquelas mulheres e, embora isso
lhe provocasse sofrimento, não podia deixar de o fazer. Devia seguir aquela
intuição que o Senhor lhe apresentava, definindo como lema : « não posso morrer
sem fazer algo por essas pobres mulheres». Essa inquietude levou-a a
desenvolver o projeto Villa Teresita.
Este projeto nasce, assim, como uma casa de
família para as mulheres provenientes do mundo da prostituição, que pretendiam
refazer e normalizar a sua vida. Nela, as «chicas» (como Isabel carinhosamente
lhes chamava) e a comunidade partilhavam a vida. Como em todas as famílias,
pomos à sua disposição todos os recursos possíveis, tendo em vista o
crescimento humano, profissional e espiritual. Filhas de um mesmo Pai, irmãs de
caminho, vivemos como tal, percorrendo juntas o caminho da vida. Cada mulher
que chega à casa é um «tesouro» que Deus nos confia, para fazer «brilhar» em
toda a sua plenitude. Para muitas das
mulheres que chegam à nossa casa, esta é a oportunidade, que nunca tiveram, de
se sentirem amadas, de verem que alguém espera delas algo de bom e confia nas
suas capacidades, tantas vezes asfixiadas pelas situações vividas. Villa Teresita
é, ao mesmo tempo, uma casa aberta para todas aquelas mulheres que continuam a
viver situações de exclusão e prostituição e com as quais, embora não
convivendo, partilhamos o caminho. Desde o inicio, ir onde as mulheres estão -
ruas, bares, prisões, hospitais - é o nosso modo de nos tornarmos próximas,
como o bom samaritano, para assim, vendo as suas feridas, cuidar delas e
procurar meios para que se possam pôr novamente de pé.
HOJE
SÃO UM GRUPO DE MULHERES CONSAGRADAS A DEUS E AOS MAIS POBRES. O QUE MOVE ALGUÉM
A QUERER TRABALHAR NESTE PROJETO?
Podíamos reformular a pergunta, referindo
que não é algo, mas Alguém, que nos move. Deus continua a chamar, Deus continua
a mover corações, para que não abandonem as suas filhas. As que vivemos
consagradas a esta missão, fazemo-lo seduzidas por Jesus e pelo Evangelho.
Experimentámos o seu Amor e este leva-nos a entregá-lo, a dar de graça o que de
graça recebemos.
EM QUE MEDIDA A ESPIRITUALIDADE DE SANTA
TERESA DE LISIEUX, CUJO NOME “ADOTARAM”, INSPIRA A VOSSA AÇÃO?
Santa Teresa é, juntamente com São José, padroeira da nossa instituição.
Na celebração da sua festa, no primeiro aniversário da nossa fundadora, Isabel
Garbayo escreveu no seu diário: «Foi ela que orientou a minha vida espiritual
pelo caminho do amor, do abandono, da confiança; ao viver a vida de Nazaré fazendo
aquilo que é normal e transformando-o em extraordinário (…) e nomeada nossa
padroeira, peço-lhe que derrame uma chuva de graças para todas as mulheres que
vivem na nossa casa e para as que ainda continuam nessa vida».
Creio que estas poucas palavras reflectem muito bem a influência de
Santa Teresa de Lisieux. Em primeiro lugar, o amor; a nossa vida há de ser
reflexo do amor misericordioso que o Senhor nos tem. Transmitir às mulheres com
as quais compartilhamos a vida e trabalhamos, que são profundamente amadas por
Deus, que Ele as olha e cuida delas com amor, sem as julgar, que quer para
elas, como para todos, uma vida ditosa e
feliz. Em segundo lugar, o abandono, o viver abandonadas no amor de Deus,
sabendo que Ele as ama mais do que nós e
que tornará possível o que a nós muitas vezes nos parece impossível.
E é mesmo assim. Quantas vezes vivemos situações difíceis com as
mulheres, para as quais humanamente não encontramos saída, e o Senhor, a seu
modo, abre-nos caminhos novos, que não esperávamos, e que nos permitem seguir
em frente. Isto leva-nos inevitavelmente a confiar na providência, a
sentirmo-nos nas suas mãos e a experimentar que, certamente, a
partir do Amor, nada é normal, mas extraordinário, porque é Deus quem acompanha
o nosso caminhar, a nossa vida diária, e isso é algo muito grande.
Experimentar que a nossa vida está
impregnada do amor de Deus, servir, sabendo-nos instrumentos nas suas mãos,
rezar com confiança de que , feito o que podíamos fazer, tudo o resto depende
d´Ele, é viver a partir do extraordinário!
JÁ
TRABALHARAM COM MULHERES QUE EMIGRAVAM DO CAMPO PARA A CIDADE, MÃES SOLTEIRAS,
TOXICODEPENDENTES, VÍTIMAS DE SIDA E, DESDE FINAIS DA DÉCADA DE 90 DO SÉCULO
XX, COM VÍTIMAS DE TRÁFICO DE SERES HUMANOS. PORQUÊ A PREOCUPAÇÃO ESPECÍFICA
COM ESTE GRUPO POPULACIONAL?
Embora a nossa vida e o nosso trabalho estejam ao serviço dos mais
pobres da sociedade, o acento pomo-lo sem dúvida nas mulheres e especialmente
naquelas oriundas do mundo da prostituição. Podíamos dizer que as mulheres que
trabalham na prostituição são pobres entre os pobres, porque não só vivem
situações de grande precariedade económica, como também são vítimas de
violências e isolamento e carregam o estigma social e o peso moral que a
prostituição implica.
Esta diversidade de população está
relacionada com o tentar ir dando resposta à realidade e esta vai mudando. O
perfil das mulheres que trabalham na prostituição tem mudado e temos tentado
adaptar-nos a ele. Estar continuamente na rua, abertas às necessidades das
pessoas, a isso nos obriga.
É FÁCIL SER SINAL DE AMOR E ESPERANÇA PARA
ESSAS PESSOAS?
Creio que sim. Alguém dizia que a dor maior dos pobres é que ninguém
necessita da sua amizade. Nós tentamos estabelecer vínculos de carinho e
amizade com as pessoas, transmitir o amor que cada dia recebemos de Deus. A
partir daí, da fé que vivemos e compartilhamos, a esperança se torna possível.
A vida partilhada com os mais pobres é sempre
uma dinâmica pascal, de morte e ressurreição. Nós somos testemunhas de como, no
meio de situações de sofrimento e «morte», o Senhor continua a abrir-nos à
Vida.
O QUE É MAIS GRATIFICANTE NO VOSSO TRABALHO
DE INTERVENÇÃO SOCIAL? E O MAIS DESMOTIVADOR?
Sem
dúvida, o mais gratificante é o encontro, o carinho e a relação com as
pessoas e ver que isso é transformador, não só para os outros, mas também para
nós mesmas. A relação com os pobres remete-nos sempre para o Evangelho e isso é
um grande presente. Por isso é difícil saber o que menos nos motiva, porque o
fazer caminho com os outros tem as suas luzes e sombras; e isso não produz
desmotivação, mas é caminho de vida e amor.
O TRÁFICO DE PESSOAS É, SEGUNDO O PAPA
FRANCISCO, A FORMA MODERNA DE ESCRAVIDÃO. É POSÍVEL ACABAR COM ESTE FLAGELO,
QUE VITIMA TANTAS PESSOAS? OU ISSO É UMA UTOPIA?
Ao longo da história
da humanidade foi havendo diferentes formas de escravidão, contra as quais
sempre houve homens e mulheres que lutaram e conseguiram a sua abolição. Então,
porque não acreditar que se pode acabar com o tráfico de pessoas? É sinal de
esperança que em todo o mundo se ergam vozes contra esta praga e que, pouco a
pouco, se vá sensibilizando a sociedade. Assim, creio que se pode acabar com
ele, embora seja um longo processo.»
«Entrevista retirada da revista “Mensageiro do Coração de Jesus” –
Secretariado Nacional do Apostolado da Oração- de Outubro de 2015, pags.4,5 e
6.»
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