(…) “Vocação de José
UMA PALAVRA PARA TODOS
São José é a figura-chave para compreender algumas das
dimensões essências da vocação cristã. Eis quatro delas: proteger a vida,
praticar a justiça, deixar que Deus seja o protagonista da nossa vida, cultivar
a dimensão mística [Mateus1, 18-25; 2, 1-23].
No coração da Quaresma, a 19 de Março, a Igreja celebra a festa
de São José. Como a de Maria no período do Advento [8 de Dezembro, festa da
Imaculada Conceição]. Representado frequentemente como um venerado ancião de
barbas e cabelos brancos, de olhar triste e distante, de semblante preocupado,
curvado sob o peso do seu destino…dir-se-ia que espelha o humor de um certo
«espírito quaresmal» de outros tempos!
Os valores que o caracterizam, silêncio, obediência e
serviço, também não estão na moda. Não é de admirar pois que a devoção a este
santo tenha vindo a declinar desde há certo tempo. E isto não obstante a
exortação apostólica de João Paulo II Redemptoris
Custos, de 1989, considerada a «magna carta» da teologia de São José.
De todas as maneiras, São José é figura-chave para
compreender algumas das dimensões essenciais
da vocação cristã. Eis quatro delas: proteger a vida, praticar a justiça,
deixar que Deus seja o protagonista da nossa vida, cultivar a dimensão mística.
Servidor da Vida
Modelo de PATERNIDADE-Em hebraico, o nome José significa «Deus
acrescente», «Deus te aumente». Uma vocação à fecundidade, à sobreabundância de
vida, por conseguinte!
Descendente de David[«filho de David»], originário de
Nazaré, «carpinteiro» [tékton], uma profissão ligada à construção. Nos
evangelhos é apresentado, por vezes, como o «esposo de Maria», coisa insólita
porque geralmente era a esposa que pertencia ao marido. Mas também se diz de Maria que era «esposa de José» [Mateus
13,55].
José antecipa e vive a palavra de Jesus que «um só é nosso
Pai» [Mateus 23,9]. Encarna de uma maneira singular esta única paternidade
divina [cf. Efésios 3,15]. É pai sem exercer a paternidade carnal. Mas é pai
para todos os efeitos, porque «ser pai é antes de mais ser servidor da vida e
do seu crescimento» [Papa Bento XVI].
Como os antigos patriarcas, também ele recebe as
comunicações de Deus através de sonhos, por três vezes. Sinal de uma vocação
singular e de uma particular relação com Deus.
José é o último dos antigos patriarcas, mas o primeiro de
uma nova geração, daqueles que «não nasceram do sangue, nem do impulso da
carne, nem do desejo do homem, mas nasceram de Deus» [João1, 13].
Esta «paternidade» é uma dimensão da vocação cristã. Somos
chamados, como José, a adoptar e proteger a vida. Ser fecundos, viver ao
serviço da vida, sem apossar-se dela, desprendidos. José nos ensina como se
pode amar sem «possuir» as pessoas.
A paternidade/maternidade é um valor que urge descobrir hoje,
numa sociedade de « vagabundagem de experiências», rica em «filhos pródigos» mas
pobre de «pais» e «mães» capazes de esperar pacientemente em casa para abraçar
tais filhos quando eles regressarem, desiludidos da vida e famintos de amor.
Tantas vezes encontram a casa vazia, sem ninguém à espera deles!...
Saber «ajustar-se»
Modelo de JUSTIÇA -
O Evangelho define José um «homem justo» [Mateus1,19]. Justo porque, sendo
«fiel», «ajusta» a sua vida de acordo com a Palavra do seu Senhor. Mas também
porque, sendo «sábio», é capaz de «ajustar-se» à realidade. Com efeito, quando
se dá conta que Maria está grávida, sua primeira reacção é de cumprir a Lei
[repudiando Maria], mas decide fazê-lo em segredo. Introduz assim um elemento
novo, de prudência e sabedoria. Mantém a sua confiança em Maria. Não se deixa
levar pela sua «suspeita». Porquê? Porque há nele «uma longa frequentação de
uma outra palavra que o toca e penetra» [Frédérique
Oltra, carmelita].
Sendo «justo», ele é o «administrador sábio e fiel que o
Senhor coloca à frente do pessoal de sua casa» [Lucas 12,42]. José sabe que é
«servo» e que deve servir bem. Não basta a boa vontade. Por isso o texto
bíblico fala de um homem «sábio e fiel» [Mateus 24,45]. «A inteligência sem
fidelidade e a fidelidade sem inteligência são insuficientes» para assumir a
responsabilidade que Deus nos confia [BentoXVI].
Praticar a justiça faz parte da nossa vocação. Ser «justos»,
como José. Uma justiça que nos leva a adoptar um comportamento «justo» e a
ocupar o lugar «justo» na vida, o do serviço. Uma justiça iluminada pelo amor,
«o cumprimento perfeito da Lei» [Romanos 13, 10]. Um bem que também escasseia
hoje. Fala-se muito de justiça, mas faltam «homens justos».
Ficar fora da
fotografia
Modelo de DISCRIÇÃO -José é um homem discreto, uma pessoa reservada.
Sempre «fora da fotografia», como comenta, com certa graça, um autor: «Duas
irmãs folheavam o novo livro de religião, quando vêem uma pintura da Virgem
Maria com o Menino Jesus.- Olha- diz a maior-, este é Jesus, e esta é sua mãe. –E
onde está o pai?- pergunta a mais pequenina. A irmã pensou por um momento e
então exclamou: - Ah, ele tira a fotografia.»
Homem do silêncio, os factos falam por si. Homem da
obediência, o Evangelho sublinha o perfeito cumprimento das disposições que lhe
são comunicadas pelo anjo em sonho[Mateus 1,24]. Como diz o Cântico dos
Cânticos: enquanto dorme, o seu coração permanece vigilante [5,2].
Esquecido de si mesmo, vive para «o menino e sua mãe»
[Mateus 2,13.19]. Como João Baptista, considera que é bom que ele mesmo diminua
e que eles cresçam. A sua vida pertence-lhes totalmente. E assim, a certo ponto
«desaparece» …para não fazer sombra ao filho!
Cada um de nós é chamado a seguir este testemunho. Discretos
como José, pondo a nossa vida ao serviço da missão de Cristo. Saber pôr-se de
lado, retirar-se atrás dos bastidores. Não é coisa fácil nem evidente. Vivemos
numa sociedade que privilegia a «realização pessoal» e o protagonismo. Desde
pequenos, concebemos o nosso próprio projecto de vida, o que queremos ser
«quando formos grandes». A vocação implica renunciar a tal sonho humano [como
José com Maria] para abraçar o divino. Saber eclipsar-se para que o projecto de
Deus se realize em nós!
Habitar o mistério
Modelo de CONTEMPLAÇÃO -José é o santo do silêncio, um que não fala
nunca. Mas um silêncio rico e profundo, que nos desafia. Porquê este silêncio?
Porque José vive o mistério! Não se trata de uma questão de palavras, mas de
atitude de vida, de toda a sua pessoa.
Diante do facto inesperado - para ele incompreensível e «misterioso»
- de Maria grávida, José pensa em retirar-se, silenciosamente. É a palavra do anjo: «não tenhas medo de
receber Maria como esposa, porque ela concebeu pela acção do Espírito Santo»
[Mateus 1,20] que introduz José no mistério, como Gabriel fizera a Maria.
Esta palavra não elimina o mistério , não explica o que
realmente aconteceu, nem como. Esta palavra introduz José no mistério que já
absorvera Maria. José não está mais na frente do mistério mas dentro. «Não é
como o povo de Israel em frente da nuvem no deserto, entra dentro da nuvem,
como Moisés ou como os três apóstolos no monte Tabor» [teólogo Borel].
Antes estava «fora» do mistério, de frente a ele, e por isso
duvidava e tinha medo. Depois deixa-se conduzir por ele, como Maria após o seu
«fiat». «Agora», dentro «do mistério, mesmo sem compreendê-lo, não o pode
negar.
Entrar» no mistério de Deus é dimensão essencial de toda a
vocação. Esta requer a disponibilidade de a deixar-se «introduzir» nele. Sem
isso, o vocacionado fica «de fora» e não encontrará as motivações para viver à
altura da sua vocação. Será, na melhor das hipóteses, um «bom funcionário» ou
um «mercenário», e no pior dos casos um «parasitário» ou «servo infiel» [Lucas
12,46].
Em conclusão, José não é certamente o homem retratado por
uma certa iconografia. Envolvido pelo mistério, no seio de uma família que amou
e amava, identificado com a sua vocação de protector do Autor da Vida,
exercendo com competência a sua profissão…E foi um homem feliz!”(…)
“Retirado
do Livro- “o mestre está cá e chama-te!-Vocação na Bíblia-Além Mar” do Pe.
Manuel João P. Correia, mccj "
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