A família sempre constituiu prioridade pastoral e âmbito catequético importante para a Igreja. Ela continua a ser a primeira e fundamental expressão da natureza social do homem, uma comunidade de pessoas para quem o modo próprio de existir e viver juntas é a comunhão no amor.
No contexto
do magistério conciliar e pós-conciliar da Igreja, o princípio fundante da
família cristã, como comunidade de vida e de amor, é constantemente reafirmado
e proposto como projeto de vida conjugal e familiar, que se realiza, em
plenitude, na graça sacramental e vivência do matrimónio cristão.
UM PROJETO
DE COMUNHÃO
Ser família
e cuidar dela revela-se um grande desafio na sociedade moderna, às vezes
apelidada de “sociedade líquida”, onde tudo flui, tudo é instável, efémero ou
passageiro. As decisões surgem, frequentemente, do imediato e não adquirem
estabilidade, paz e experiência de plenitude, necessárias a um projecto de
comunhão. As liberdades flutuam como medusas, seguindo as correntes de opinião
e as modas.
Em tal
contexto, os individualismos surgem e desenvolvem-se com nova pujança,
gerando-se um mundo conforme os mais variados interesses. As próprias relações
humanas estão inspiradas nas variáveis das necessidades de cada pessoa. De
facto, em poucas dezenas de anos, alteraram-se em grande medida as relações
intrínsecas na família, entre homem e mulher, entre pais e filhos. Mudou também
a sua imagem social, deixando de ser paradigma e referência para os grandes
momentos do viver humano.
No seio dos
espaços variados e do ambiente multicultural em que se processa a vida actual,
a família é a comunidade humana em que, de forma espontânea e gratuita, cada um
logo ao nascer é reconhecido no seu carácter pessoal, irrepetível e
insubstituível. É espaço privilegiado para a aquisição dos princípios básicos
da vida humana e da família cristã como “Igreja doméstica”, onde se descobrem
valores éticos e critérios morais, iniciando-se a educação religiosa e
abrindo-se caminhos vocacionais e de opção evangelizadora.
Não se pode
falar em família evangelizadora sem abordar a sua responsabilidade na
transmissão da fé, e transmitir a fé pressupõe tê-la recebido de outros.
Sabemos que só a pode transmitir aquele que acredita verdadeiramente e conserva
uma fé viva, pois ninguém pode dar o que não tem. Transmitiremos a fé na medida
em que acreditarmos em Cristo e conservarmos em nós esta convicção, esta chama
do Seu amor.
VIVER NA
COERÊNCIA DA FÉ
No seio das
comunidades cristãs são os pais os primeiros responsáveis da transmissão da fé
aos seus filhos, em especial com o testemunho da vida cristã. A educação dos
filhos e do conjunto dos membros da família é, pois, inseparável da vivência
cristã da vida familiar quotidiana, a partir dos compromissos assumidos pelos
pais no seu matrimónio e no baptismo dos filhos.
Sendo a
família a célula vital da sociedade, o amor conjugal vivido em comunhão
familiar é o seu núcleo estruturante. Sem casais robustos não existem famílias
sólidas. Este é um dos aspectos que se têm manifestado positivos na crise que
vivemos: o testemunho de famílias consistentes, alegres e felizes é para muitos
o grande suporte nas contrariedades, na doença, no desemprego, nos recursos
escassos e em tantas outras dificuldades.
Neste
ambiente de tão grande complexidade, torna-se imperativo reestruturar a família
e, ao mesmo tempo, reafirmar os seus valores humanos e teológicos, para quantos
desejam viver em família, segundo o projecto de Deus, ter nele a referência
para a felicidade que na família todos procuram. A família cristã tem de ser
testemunha da fé que professa e vive, testemunha do Amor de Deus nos pequenos e
grandes acontecimentos da sua vida.
Ser
testemunha é ser ponto de referência e estar pessoalmente comprometido com a
verdade que é Cristo, sabendo comunicar as razões da fé e a coragem da
esperança. E esta não é tarefa fácil! Porque vivendo no mundo, as famílias
cristãs não se podem identificar com ele e são confrontadas diariamente com
esta dicotomia, com a permanente necessidade de discernir o seu modo de viver
na coerência da fé.
CAMINHO DE
FELICIDADE E SANTIDADE
Diz o Papa
Francisco que a fé não é refúgio para gente sem coragem; pelo contrário,
procurar ser fermento na massa leva-nos a ler o mundo de forma diversa e por
vezes a tomar posições dolorosas e incompreensíveis para muitos, mas que são
sinais de fidelidade a Cristo, de coerência de vida e de esperança (cf. A
Alegria do Evangelho, nº 66). Neste sentido, a família não se conforma com
o mundo mas, vivendo plenamente, faz dele caminho de felicidade e de santidade.
Refere ainda
o Papa: “A fé não é um facto privado, uma conceção individualista, uma opinião
subjectiva, mas nasce de uma escuta e destina-se a ser pronunciada e a
tornar-se anúncio.” (A luz da fé, nº 22) É a este anúncio que os
cristãos são chamados, a maioria talvez mais pelo testemunho do que pela
palavra, ou seja, pela sua coerência de vida.
A Igreja,
discernindo os sinais dos tempos, vê com preocupação as estratégias postas em
prática para eliminar da consciência da sociedade os valores cristãos da
família e do matrimónio. As famílias cristãs são, por isso, desafiadas a
encontrar novas formas de evangelização. Mobilizando-se para implementar um
renovado dinamismo de anúncio da fé em Jesus Cristo.
DESAFIOS
PASTORAIS DA FAMÍLIA
Neste
sentido se podem interpretar as preocupações do Papa Francisco ao convocar uma
Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, para outubro deste ano, sobre o
tema “Os desafios pastorais da família, no contexto da nova evangelização”.
Este desafio do Papa inscreve novamente a família, como parte do povo de Deus,
na missão evangelizadora e na construção do Reino (cf. LG, nº 34). Mas é
igualmente reconhecida a importância da missão evangelizadora da Igreja
relativamente às famílias: Que opções, que linhas pastorais, que boa notícia
pode, hoje, a Igreja transmitir aos casais e às famílias?
Analisando
os dados recolhidos das respostas ao questionário enviado à Igreja Universal,
verifica-se que os documentos do Magistério da Igreja sobre a família são ainda
desconhecidos pela maioria dos cristãos e que as famílias muitas vezes se demitem
da sua missão de educar cristãmente os filhos. Constata-se assim que existe um
longo e persistente trabalho a realizar na Igreja, nas áreas da pastoral
familiar e da sua missão evangelizadora.
Quanto à
catequese, o Papa Francisco, no Congresso Internacional da Catequese, realizado
em Roma, em 26-30 de setembro de 2013, no âmbito das celebrações do Ano da Fé,
dizia: “Educar na fé é maravilhoso! (…) Ajudar as crianças, os adolescentes, os
jovens, os adultos a conhecerem e a amarem cada vez mais o Senhor é uma das
mais belas aventuras educativas; está-se a construir a Igreja!”
CATEQUESE E
NOVA EVANGELIZAÇÃO
Mais do que
nos métodos e nas palavras, o Papa insiste no valor do testemunho de uma vida
de fé coerente, de união e amor a Cristo, de abertura e generosidade para O
levar aos outros. A começar, certamente, nas próprias famílias e saindo para as
periferias, com criatividade, buscando novas formas e linguagem, por caminhos
de nova evangelização.
Reconhecemos,
sem dúvida, o empenho de renovação da catequese, por parte dos serviços
nacionais e diocesanos e de muitas paróquias, e a preocupação insistente de
associar e apoiar as famílias cristãs, para que assumam as suas
responsabilidades educativas.
(Artigo de D. António Carrilho, bispo da diocese do Funchal, publicado em
Família Cristã, Abril 2014)
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