"EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
C’EST LA CONFIANCE
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
SOBRE A CONFIANÇA
NO AMOR MISERICORDIOSO DE DEUS
POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO
DO NASCIMENTO DE
SANTA TERESA DO MENINO JESUS E DA SANTA FACE
1. « C’EST LA CONFIANCE et rien que la confiance qui doit
nous conduire à l’Amour – só a confiança e nada mais do que a
confiança tem de conduzir-nos ao Amor». [1]
2. Estas palavras tão incisivas de Santa Teresa do Menino Jesus e
da Santa Face dizem tudo, sintetizam a genialidade da sua espiritualidade e
seriam suficientes para justificar o facto de ter sido declarada Doutora da
Igreja. Só a confiança e «nada mais»… Não há outra via que devamos percorrer
para ser conduzidos ao Amor que tudo dá. Com a confiança, a fonte da graça
transborda na nossa vida, o Evangelho faz-se carne em nós e transforma-nos em
canais de misericórdia para os irmãos.
3. É a confiança que nos sustenta cada dia e nos manterá de pé
diante do olhar do Senhor, quando nos chamar para junto de Si: «Na noite desta
vida, aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não Vos peço, Senhor,
que conteis as minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas aos vossos
olhos. Quero, portanto, revestir-me com a vossa própria Justiça, e receber do
vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo». [2]
(…)
5. A sua vida terrena foi breve (apenas vinte e quatro anos) e
simples como qualquer outra, passada primeiro em família e depois no Carmelo de
Lisieux. A extraordinária carga de luz e amor, que irradiava da sua pessoa,
manifestou-se logo depois da sua morte, com a publicação dos seus escritos e as
graças inumeráveis obtidas pelos fiéis que a invocavam. (…)
1. Levar
Jesus aos outros
7. No nome que escolheu como religiosa, põe-se em evidência Jesus:
o «Menino» que manifesta o mistério da Encarnação, e a «Santa Face», isto é, o
rosto de Cristo que Se dá até ao fim na Cruz. O seu nome é «Santa Teresa do
Menino Jesus e da Santa Face». (…)
Alma missionária
9. Como sucede em todo o encontro autêntico com Cristo, esta
experiência de fé chamava-a para a missão. Teresa pôde definir a sua missão com
as seguintes palavras. «Eu desejarei no Céu o mesmo que na terra: amar Jesus e
fazê-Lo amar». [15] Escreveu
que entrara no Carmelo «para salvar as almas». [16] Por
outras palavras, não concebia a sua consagração a Deus sem a busca do bem dos
irmãos. Partilhava o amor misericordioso do Pai pelo filho pecador e o do Bom
Pastor pelas ovelhas perdidas, distantes, feridas. Por isso, é padroeira das missões,
mestra de evangelização (…)
A graça que nos liberta da autorreferencialidade
12. Sucede algo semelhante quando se refere à ação do Espírito
Santo, que adquire imediatamente um sentido missionário: «Eis a minha oração.
Peço a Jesus que me atraia para as chamas do seu amor, que me una tão
estreitamente a Ele, que viva e atue em mim. Estou certa de que quanto mais o
fogo do amor abrasar o meu coração, tanto mais eu direi: “Atraí-me”; e mais as
almas que se aproximarem de mim (pobre pedacito de ferro inútil, se me
afastasse do braseiro divino), correrão, ligeiras, ao odor dos perfumes do seu
Bem-amado, pois uma alma abrasada de amor não pode ficar inativa». [20](…)
2. O
caminhito da confiança e do amor
(…) 15. Teresinha conta a descoberta do caminhito na História
de uma alma: [22] «Posso,
apesar da minha pequenez, aspirar à santidade. Fazer-me crescer a mim mesma é
impossível; tenho de suportar-me tal como sou, com todas as minhas
imperfeições. Mas quero procurar a maneira de ir para o Céu por um caminhito
muito direito, muito curto; um caminhito completamente novo». [23]
16. Para o descrever, recorre à imagem do elevador: «O ascensor
que me há de elevar até ao Céu são os vossos braços, ó Jesus! Para isso não
tenho necessidade de crescer; pelo contrário, é preciso que eu permaneça
pequena, e que me torne cada vez mais pequena». [24] Vê-se
pequena, incapaz de fiar-se em si própria, embora firmemente certa da força
amorosa dos braços do Senhor.(…)
Para além de qualquer mérito
(…) 19. Teresinha, porém,
prefere sublinhar o primado da ação divina e convidar à plena confiança, tendo
diante dos olhos o amor de Cristo que Se nos deu até ao fim. No fundo, é este o
seu ensinamento: como não podemos ter qualquer certeza olhando para nós
mesmos, [28] é
impossível estar seguros de possuir méritos próprios. Por conseguinte, não é
possível confiar nestes esforços ou realizações. O Catecismo quis citar estas
palavras de Santa Teresinha dirigidas ao Senhor: «Aparecerei diante de Vós com
as mãos vazias», [29] para
exprimir que «os santos tiveram sempre uma consciência viva de que os seus
méritos eram pura graça». [30] Esta
convicção suscita uma jubilosa e terna gratidão.(…)
21. Todavia a sua confiança sem limites encoraja aqueles que se
sentem frágeis, limitados, pecadores a deixarem-se conduzir e transformar para
chegar ao alto: «Ah! se todas as almas débeis e imperfeitas sentissem o que
sente a mais pequena de todas as almas – a alma da vossa Teresinha – nem uma
única perderia a esperança de chegar à Montanha do Amor, uma vez que Jesus não
pede grandes ações, mas apenas o abandono e a gratidão». [32]
(…)
O abandono quotidiano
(…) 24. A confiança plena, que se torna abandono ao Amor,
liberta-nos de cálculos obsessivos, da preocupação constante com o futuro, dos
medos que tiram a paz. Nos últimos dias da sua vida, Teresinha insistia nisto:
«Creio que nós, que corremos pelo caminho do Amor, não devemos pensar no que
nos pode acontecer de doloroso no futuro, porque é faltar à confiança». [35] A
verdade é que, se estamos nas mãos dum Pai que nos ama sem limites, venha o que
vier havemos de o ultrapassar e, duma forma ou doutra, cumprir-se-á na nossa
vida o seu projeto de amor e de plenitude.
Um fogo no meio da noite
25. Teresinha experimentava a fé mais forte e segura no meio da
escuridão da noite e até na escuridão do Calvário. O seu testemunho atingiu o
ponto culminante no último período da vida, na grande «provação contra a
fé», [36] que
começou na Páscoa de 1896. Na sua narração, [37] coloca
esta provação em relação direta com a dolorosa realidade do ateísmo do seu
tempo. De facto, viveu no final do século XIX, isto é, na «idade de ouro» do
ateísmo moderno como sistema filosófico e ideológico. (…)
26. Mas a obscuridade não pode extinguir a luz: a obscuridade foi
vencida por Aquele que, como Luz, veio ao mundo (cf. Jo 12,
46). [40] A
narração de Teresinha manifesta o caráter heroico da sua fé, a sua vitória no
combate espiritual contra as mais fortes tentações. Sente-se irmã dos ateus e
sentada, como Jesus, à mesa com os pecadores (cf. Mt 9,
10-13). Intercede por eles, ao mesmo tempo que renova continuamente o seu ato
de fé, sempre em comunhão amorosa com o Senhor: «Corro para o meu Jesus, e
digo-Lhe que estou pronta a derramar o sangue até à última gota para confessar
que o Céu existe. Digo-Lhe que estou contente por não gozar esse belo Céu sobre
a terra, para que Ele o abra por toda a eternidade aos pobres
incrédulos». [41]
(…)
Uma esperança firmíssima
28. Antes da sua entrada no Carmelo, Teresinha experimentara
singular proximidade espiritual a uma das pessoas mais desventuradas: o
criminoso e impenitente Henrique Pranzini, condenado à morte por triplo
homicídio. [44] Oferecendo
a Missa por ele e rezando com toda a confiança pela sua salvação, tem a certeza
de o pôr em contacto com o Sangue de Jesus e diz a Deus estar certíssima de
que, no último momento, Ele o perdoaria, acreditando nisso «mesmo que ele não
se confessasse e não mostrasse nenhum sinal de arrependimento».
E dá a razão de ser da sua certeza: «tanta confiança eu tinha na misericórdia
infinita de Jesus!» [45] Grande
comoção se apodera dela, depois, ao descobrir que Pranzini, tendo já subido ao
cadafalso, «levado por uma súbita inspiração, volta-se, agarra o Crucifixo,
que o sacerdote lhe apresentava, e beija por três
vezes as suas sagradas chagas!» [46] Esta
experiência intensa a ponto de esperar contra toda a esperança foi fundamental
para ela: «Ah! a partir desta graça única, o meu desejo de salvar as almas
cresceu de dia para dia». [47]
(…)
3. Serei
o amor
30. «Maior» do que a fé e a esperança, a caridade nunca acabará
(cf. 1 Cor 13, 8-13). É o maior dom do Espírito Santo, sendo
«mãe e raiz de todas as virtudes». [49]
A caridade como atitude pessoal de amor
(…) 33. Teresinha tem a viva certeza de que Jesus a amou e
conheceu pessoalmente na sua Paixão: «Amou-me e a Si mesmo Se entregou por mim»
( Gl 2, 20). Contemplando Jesus em agonia, diz-Lhe ela: «Tu
viste-me», [54] como
diz ao Menino Jesus nos braços de sua Mãe: «Com a tua mãozinha, que acariciava
Maria, sustinhas o mundo e davas-lhe vida. E pensavas em mim». [55] Assim,
também no início da História de uma Alma, contempla o amor de Jesus
por todos e por cada um como se fosse único no mundo. [56]
(…)
O maior amor na maior simplicidade
(..) 36. Teresa vive a
caridade na pequenez, nas coisas mais simples da existência de cada dia, e
fá-lo em companhia da Virgem Maria, aprendendo d’Ela que «amar é tudo
dar, e dar-se a si mesmo». [60] Com
efeito, enquanto os pregadores do seu tempo falavam com frequência da grandeza
de Maria de forma triunfalista, como se estivesse afastada de nós, Teresinha
mostra, a partir do Evangelho, que Maria é a maior do Reino dos Céus porque é a
mais pequena (cf. Mt 18, 4), a mais próxima de Jesus na sua
humilhação. Observa que, se as narrações apócrifas estão cheias de factos
atraentes e maravilhosos, os Evangelhos mostram-nos uma vida humilde e pobre,
passada na simplicidade da fé. O próprio Jesus quer que Maria seja o exemplo da
alma que O procura com uma fé árida. [61] Maria
foi a primeira a viver o «caminhito» na fé pura e na humildade; por isso,
Teresa não hesita em escrever:
«Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça
Viveste pobremente, não querendo nada mais
Nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases
Embelezaram a tua vida, ó Rainha dos Eleitos!...
O número dos pequenos é bem grande na terra
Eles podem sem receio erguer os olhos para ti
É pela via comum, incomparável Mãe
Que te apraz caminhar guiando-os para o Céu». [62]
(…)
No coração da Igreja
38. Teresinha herdou de Santa Teresa de Ávila um grande amor pela
Igreja, chegando a atingir as profundezas deste mistério. Vemo-lo na sua
descoberta do «coração da Igreja». Numa longa oração a Jesus, [64] escrita
a 8 de setembro de 1896, no sexto aniversário da sua profissão religiosa, a
Santa confia ao Senhor que se sentia animada por um desejo imenso, por uma
paixão pelo Evangelho que nenhuma vocação, por si só, podia satisfazer. E
assim, procurando o seu «lugar» na Igreja, lera uma vez e outra os capítulos 12
e 13 da I Carta de São Paulo aos Coríntios.
39. No capítulo 12, o Apóstolo utiliza a metáfora do corpo e dos
seus membros para explicar que a Igreja engloba uma grande variedade de
carismas dispostos numa ordem hierárquica. Mas esta descrição não é suficiente
para Teresinha; continua a sua busca. Lê o «hino da caridade» no capítulo 13,
encontra lá a grande resposta e escreve esta página memorável: «Considerando o
corpo místico da Igreja, não me tinha reconhecido em nenhum dos membros
descritos por São Paulo; ou melhor, queria reconhecer-me em todos...
A caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a
Igreja tinha um corpo composto de diversos membros, o mais necessário, o mais
nobre de todos não lhe faltava: compreendi que a Igreja tinha um coração, e que
esse coração estava ardendo de amor. Compreendi que só o Amor fazia
agir os membros da Igreja; que se o Amor se apagasse, os apóstolos já não
anunciariam o Evangelho, os mártires recusar-se-iam a derramar o seu sangue...
Compreendi que o Amor encerra todas as Vocações, que o Amor é
tudo, que abarca todos os tempos e todos os lugares... numa palavra, que é
Eterno! Então, num transporte de alegria delirante, exclamei: “Ó Jesus, meu
Amor, encontrei finalmente a minha vocação; a minha vocação é o Amor!” Sim,
encontrei o meu lugar na Igreja, e esse lugar, ó meu Deus, fostes Vós que mo
destes. No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor. Assim serei tudo...,
assim o meu sonho será realizado!» [65](…)
Chuva de rosas
42. Depois de muitos séculos em que inúmeros Santos expressaram,
com grande fervor e beleza, o seu desejo de «ir para o Céu», Santa Teresinha
reconhece com grande sinceridade: «Tinha então grandes provações interiores de
todas as espécies (até me interrogar, por vezes, se haveria Céu)». [66] Noutra
ocasião, disse: «Quando canto a felicidade do Céu, a posse eterna de Deus, não
sinto nenhuma alegria, porque canto simplesmente o que quero acreditar». [67]Mas
que sucedeu? Que ela estava a ouvir mais o apelo de Deus a colocar fogo no
coração da Igreja do que sonhava com a sua própria felicidade.
43. A transformação operada nela permitiu-lhe passar de um
fervoroso desejo do Céu para um constante e ardente desejo do bem de todos,
culminando no sonho de continuar no Céu a sua missão de amar Jesus e de O fazer
amar. Nesta linha, escreveu numa das últimas cartas: «Conto não ficar inativa
no Céu, o meu desejo é continuar a trabalhar pela Igreja e pelas almas». [68] E
então afirmava sem rodeios: «O meu Céu passar-se-á sobre a terra até ao fim do
mundo. Sim, quero passar o meu Céu a fazer o bem sobre a terra». [69]
44. Assim, Teresinha exprimia a sua resposta mais convicta ao dom
único que o Senhor lhe estava a oferecer, à luz surpreendente que Deus
derramava nela. Desta forma chegava à última síntese pessoal do Evangelho, que
partia da plena confiança para culminar no dom total aos outros. Não duvidava
da fecundidade desta entrega: «Penso em todo o bem que quereria fazer depois da
minha morte»; [70] «Deus
não me daria este desejo de fazer o bem sobre a terra depois da minha morte, se
não quisesse realizá-lo». [71] «Será
como uma chuva de rosas». [72]
45. Fecha-se o círculo. « C’est la confiance». É a
confiança que nos conduz ao Amor e assim nos liberta do temor; é a confiança
que nos ajuda a desviar o olhar de nós mesmos; é a confiança que nos permite
colocar nas mãos de Deus aquilo que só Ele pode fazer. Isto deixa-nos uma
imensa torrente de amor e de energias disponíveis para procurar o bem dos
irmãos. E assim, no meio do sofrimento dos seus últimos dias, Teresa podia
dizer: « Conto somente com o amor». [73] Em
última análise, conta só o amor. A confiança faz desabrochar as rosas e
espalha-as como um transbordar da superabundância do amor divino. Peçamo-la
como dom gratuito, como valiosa prenda da graça, para que se abram na nossa
vida os caminhos do Evangelho.(…)
4. No
coração do Evangelho
46. Na Evangelii gaudium, insisti sobre o convite
a regressar ao frescor da fonte, para dar relevo ao que é essencial e
indispensável. Considero oportuno retomar e propor novamente aquele convite.
A Doutora da síntese
47. Esta Exortação sobre Santa Teresinha permite-me recordar que,
numa Igreja missionária, «o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais
belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A
proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e
assim se torna mais convincente e radiosa». [74] O
núcleo luminoso é « a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em
Jesus Cristo morto e ressuscitado». [75](…)
53. Século e meio depois do seu nascimento, Teresa está mais viva
do que nunca no meio da Igreja em caminho, no coração do Povo de Deus. Está a
peregrinar connosco, fazendo o bem sobre a terra, como tanto desejou. O sinal
mais belo da sua vitalidade espiritual são as inúmeras «rosas» que vai espalhando,
isto é, as graças que Deus nos concede pela sua intercessão cheia de amor, para
nos sustentar no percurso da vida.
Amada Santa Teresinha,
A Igreja precisa de fazer resplandecer
A cor, o perfume, a alegria do Evangelho.
Enviai-nos as vossas rosas!
Ajudai-nos a ter sempre confiança,
Como fizestes vós,
No grande amor que Deus tem por nós,
Para podermos imitar cada dia
O vosso caminhito de santidade.
Amen.
Dado em Roma, São João de Latrão, no dia 15 de outubro – Memória de Santa Teresa de Ávila – do ano 2023, décimo primeiro do meu Pontificado.
FRANCISCUS"
Extratos de texto: Retirados do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 29/10/2023;
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 29/10/2023;
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