O
Patriarca Jacob
Rabi Elisha Salas
"Jacob tendo ficado só, alguém lutou com ele até
ao romper da aurora.Vendo que não podia vencer Jacob, bateu-lhe na coxa, e a coxa de Jacob deslocou-se, quando lutava com ele. E disse-lhe:«Deixa-me partir, porque já rompe a aurora».Jacob respondeu: «Não te
deixarei partir enquanto não me abençoares.» Perguntou-lhe
então: «Qual é o teu nome?» Ao que ele respondeu: «Jacob.» E o outro continuou: «O teu nome não será mais Jacob, mas
Israel; porque combateste contra Deus e contra os homens e conseguiste
resistir.» Jacob interrogou-o, dizendo: «Peço-te que me digas o
teu nome.» «Porque me perguntas o meu nome?» - respondeu ele. E então
abençoou-o. Jacob chamou àquele lugar
Penuel; «porque vi um ser divino, face a face, e conservei a vida» - disse ele. O sol principiara a levantar-se, quando Jacob
deixou Penuel, coxeando por causa da sua coxa. *É por isso que os filhos de Israel não comem,
ainda hoje, o nervo ciático que está na cavidade da coxa porque Jacob foi
ferido no nervo ciático da coxa, que ficou paralisado." (Gn 32, 25-33)
Ao regressar da casa de Labão onde esteve vinte
anos, Jacob encontrava-se entre duas frentes de conflito: por um lado, Labão e
os seus estavam insatisfeitos com ele, por ele ter levado as duas filhas de
Labão, as suas servas e todo o gado a que tinha direito segundo o acordo que
tinha feito (Gn.30,25-31;55). Por outro lado, o encontro com o seu irmão Esaú
assustava-o; não se viam há vinte anos, e Jacob recordava perfeitamente e que
Esaú tinha prometido matá-lo, tendo sido essa a razão da sua fuga da casa dos
seus pais. Jacob não sabia se Esaú continuava a odiá-lo ou se o tinha perdoado;
não tinha outra opção, já que Deus, Ele próprio, lhe tinha ordenado que
regressasse à sua terra (Gn 31,3).
Na sua viagem de regresso, e prevendo já o
inevitável encontro com o seu irmão, Jacob planeia este encontro
meticulosamente: primeiro envia-lhe mensageiros para o avisar de que vinha ao
seu encontro, mas…Más notícias! Os mensageiros regressaram com informação de
que Esaú vinha na sua direcção com quatrocentos homens! Isto causou-lhe uma grande
preocupação e medo, não só por ele próprio, mas também por toda a sua família.
Afinal, talvez Esaú nunca lhe tivesse perdoado e estivessem todos a correr
perigo de vida!
Então, no momento da aflição, ao sentir-se
encurralado por todos os lados, ele pensa noutra estratégia para melhorar este
encontro: separou a sua gente em dois grupos, ambos com uma mensagem especial
para Esaú e com muitos animais de oferta para o acalmar. Seguidamente, na sua
angústia, sem saber como enfrentar esta situação, Jacob reza a Deus em profundo
desespero, pedindo a Sua ajuda: Deus do meu pai Abraão, de Deus do meu pai
Isac, Senhor que me disseste ”volta à tua
terra, à terra do teu nascimento, far-te-ei bem”. Menor sou eu que todas as beneficências
e que toda a fidelidade que fizeste ao Teu servo, pois com o meu cajado passei
este Jordão e agora transformei-me em dois acampamentos. Livra-me, peço-Te, da
mão de meu irmão…(Gn 32, 9-11).
Nós, os seres humanos, quando nos encontramos em
situações de quebra, de grandes dificuldades, de solidão, é nesses momentos que
podemos atingir uma transparência total connosco mesmos e com Deus.
Jacob sabe que não tem escapatória. Lembra-se de onde vem (de Charan),
lembra-se que é filho de homens amados por Deus (o seu avô e o seu pai),
lembra-se das promessas recebidas por parte de Deus (que lhe faria bem) e sabe
que não é merecedor das bondades de HaShem: « Menor sou eu que todas as beneficências
e que toda a fidelidade que fizeste ao
Teu servo…) Gn 32,10.
Mas a ajuda de Deus ainda não vem. O que fazer?? Ele olha para a sua
família e eles aí estão, provavelmente tão preocupados quanto ele, e também sem
saberem o que fazer. Jacob não se pode deixar ir abaixo; não quer chorar diante
deles. Ele tem que ser forte, mas sabe que não é capaz. Precisa de estar só, de
abrir o seu coração a Deus, a sua última esperança.
Surge-lhe uma nova ideia: passar suas duas famílias para a outra margem do rio que tem à frente e ficar a sós com Deus (Gn 32,22-24).
Jacob fica então só e atinge a conexão espiritual necessária. De repente,
os seus olhos abrem-se e vê Aquele que esteve sempre ao seu lado, mas que ele
não via: um anjo, com o qual Jacob luta até ao amanhecer, talvez fazendo uma
profunda auto-avaliação de consciência, uma introspecção, reflectindo sobre a
sua vida, os erros cometidos, os actos imaturos que cometeu contra seu irmão,
contra os seus pais...Ali está Jacob, a sós com os seus defeitos, e disposto a
mudar. Talvez o anjo, ao enfrentá-lo o tenha feito reagir; é como um bom amigo
que nos chama à atenção pelas nossas atitudes (ou falta delas), e que nos leva
a fazer as mudanças de vida necessárias para nos transformarmos no homem que
Deus vê em nós, mas nós, cegos, nunca tínhamos aberto os olhos para esse
potencial; nunca tínhamos parado para nos conhecermos a nós próprios.
Chega o momento da despedida do anjo. Aquele anjo que obrigou Jacob a
ver-se como era e como deveria ser, e Jacob não o quer deixar ir. Ele sente-se diferente, tem
algo diferente dentro de si, talvez sempre tenha lá estado mas ele não o deixava
aparecer…Agora sim, está bem presente. Ao
ver que o sol nasce e que tem que enfrentar a realidade do temido
encontro com o seu irmão, Jacob não que deixar o anjo partir, mas é inevitável,
como se o anjo lhe dissesse: «O dia está a chegar e com ele a realidade; só tu
podes enfrentá-la». Ao responder à pergunta do anjo-Como te chamas? –Jacob foi
forçado a reencontrar-se com o seu próprio nome, representativo dos erros do
seu passado: Jacob que comprou a primogenitura ao seu irmão por um simples
prato de lentilhas, aproveitando-se de um momento de fraqueza dele-, Jacob que
enganou o velho pai, aproveitando-se da sua cegueira; Jacob, que se foi
apropriando sub-repticiamente dos rebanhos de Labão com os estratagema das varas no bebedouro…
Toda a vida de Jacob, o seu nascimento, os ciúmes do irmão, a sua fuga
de casa, a sua vida com Labão, com as sua mulheres, os seus filhos, a mudança
que teve que fazer na sua vida para se tornar pastor quando em casa de seus
pais «habitava em tendas» (Gn 25,27), as suas noites solitárias e frias com o
gado, a saída de casa de Labão e o inevitável reencontro com Esaú…Tudo aquilo
que passou trouxeram-no até este grande momento de transformação.
Então, revelando e confirmando a mudança total operada em Jacob, surge a
resposta do anjo: o teu nome já não será Jacob, mas ISRAEL-[]-que significa
«Deus é recto, transparente, verdadeiro». A Torá mostra-nos, desde Abraão, a importância
do significado dos nomes na vida das pessoas, a capacidade que os nomes têm de influenciar
a personalidade e os comportamento humanos e esta é, talvez, a mudança de nome
mais representativa que a Torá nos apresenta.
Aprendamos com Jacob a reconhecer a necessidade de
mudança nas nossas próprias vidas, e não deixarmos escapar os movimentos altos
de transformação que a vida nos proporciona. Saibamos agarrá-los e
aproveitá-los ao máximo. Esta é uma das ideias importantes do
Judaísmo: a noção de Teshuvá (regressar ao caminho verdadeiro). Enfrentarmos os
erros do nosso passado, assumir-mo-los e decidirmos mudar, para avançar rumo ao
futuro como uma nova pessoa.
Texto: Retirado da revista "Biblica", n.º 401 de Agosto de 2022, da Difusora Bíblica dos Franciscanos Capuchinhos. Uma Revista Fantástica!
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 06.11.2022
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