Catequese [do Papa Francisco] sobre a Carta aos Gálatas
4. A lei de Moisés
"Irmãos e irmãs, bom dia!
«O que é a lei?» (Gl 3, 19). Esta é a questão que,
seguindo São Paulo, desejamos aprofundar hoje, a fim de reconhecer a novidade
da vida cristã animada pelo Espírito Santo. Mas se há o Espírito Santo, se há
Jesus que nos redimiu, o que é a Lei? Sobre isto vamos refletir hoje. O
Apóstolo escreve: «Se vos deixardes guiar pelo Espírito, já não estais sob a
lei» (Gl 5, 18). Ao contrário, os detratores de Paulo afirmaram que
os Gálatas deviam seguir a Lei para ser salvos. Voltavam atrás. Eram
nostálgicos de outros tempos, dos tempos antes de Jesus Cristo. O Apóstolo não
está minimamente de acordo. Não foi nestes termos que ele tinha concordado com
os outros Apóstolos em Jerusalém. Ele lembra-se bem das palavras de Pedro
quando disse: «Por que tentais a Deus, impondo aos discípulos um jugo que nem
os nossos pais nem nós pudemos suportar?» (At 15, 10). As
disposições que emergiram daquele “primeiro concílio” - o primeiro concílio
ecuménico foi o de Jerusalém e as disposições que surgiram daquele concílio
eram muito claras, e diziam: «Pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós, não
vos impor outro peso além do seguinte, indispensável: que vos abstenhais das
carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, de animais sufocados, e da impureza»
(At 15, 28-29). Algumas coisas que diziam respeito ao culto a Deus,
à idolatria, referiam-se também à forma de compreender a vida daquela época.
Quando Paulo fala da Lei, refere-se normalmente à Lei mosaica, a
Lei de Moisés, os Dez Mandamentos. Estava relacionado com a Aliança que Deus
tinha estabelecido com o seu povo, um caminho para preparar aquela Aliança.
Segundo vários textos do Antigo Testamento, a Torá - que é o
termo hebraico com que se indica a Lei - é a coletânea de todas as prescrições
e regras que os israelitas devem observar, em virtude da Aliança com Deus. Uma
síntese eficaz do que é a Torá pode ser encontrada neste texto
do Deuteronómio, que diz: «O Senhor alegrar-se-á de novo em tornar-te
feliz, como se comprazia no tempo dos teus pais, contanto que obedeças à voz do
Senhor, teu Deus, observando os seus mandamentos e os seus preceitos escritos
neste livro da lei, e que voltes para o Senhor, teu Deus, com todo o teu
coração e toda a tua alma» (30, 9-10). A observância da Lei garantiu ao povo os
benefícios da Aliança e assegurou a sua ligação especial com Deus. Este povo,
esta gente, estas pessoas, estão ligados a Deus e mostram esta união com Deus
no cumprimento, na observância da Lei. Estabelecendo a Aliança com Israel, Deus
ofereceu-lhe a Torá, a Lei, para que pudesse compreender a Sua
vontade e viver em justiça. Pensamos que nessa altura havia necessidade de tal
Lei, foi um grande dom que Deus ofereceu ao seu povo, porquê? Porque nessa
altura havia paganismo em toda a parte, idolatria em toda a parte e o
comportamento humano que deriva da idolatria, e por esta razão o grande dom de
Deus ao seu povo é a Lei para ir em frente. Várias vezes, especialmente nos
livros dos profetas, constata-se que a não observância dos preceitos da Lei
constituía uma verdadeira traição da Aliança, provocando a reação da ira de
Deus. A ligação entre Aliança e Lei era tão estreita que as duas realidades
eram inseparáveis. A Lei é a expressão de que uma pessoa, um povo, está em aliança
com Deus.
À luz de tudo isto, é fácil compreender como os missionários que
se tinham infiltrado entre os Gálatas tiveram uma boa oportunidade ao afirmar
que a adesão à Aliança também implicava a observância da Lei mosaica, como era
na altura. No entanto, é precisamente sobre este ponto que podemos descobrir a
inteligência espiritual de São Paulo e as grandes intuições que ele expressou,
sustentado pela graça que recebeu para a sua missão evangelizadora.
O Apóstolo explica aos Gálatas que, na realidade, a Aliança com
Deus e a Lei mosaica não estão indissoluvelmente ligadas. O primeiro elemento
em que se baseia é que a Aliança estabelecida por Deus com Abraão se fundava na
fé no cumprimento da promessa e não na observância da Lei, que ainda não
existia. Abraão começou a caminhar muitos séculos antes da Lei. O Apóstolo
escreve: «Afirmo, pois: a Lei, que chegou quatrocentos e trinta anos mais tarde
[com Moisés], não pode anular o testamento feito por Deus [com Abraão], em boa
e devida forma, e não pode anular a promessa. Pois, se a herança se obtivesse
pela Lei, já não proviria da promessa. Ora, foi pela promessa que Deus concedeu
a sua graça a Abraão» (Gl 3, 17-18). A promessa existia antes
da Lei e a promessa a Abraão, a Lei, chegou 430 anos mais tarde. A palavra
“promessa” é muito importante: o povo de Deus, nós cristãos, caminhamos pela
vida olhando para uma promessa; a promessa é precisamente o que nos atrai,
atrai-nos para o encontro com o Senhor.
Com este raciocínio, Paulo alcançou um primeiro objetivo: a Lei
não é a base da Aliança porque veio mais tarde, foi necessária e justa, mas
primeiro houve a promessa, a Aliança.
Um argumento como este desarma aqueles que afirmam que a Lei
mosaica é uma parte constitutiva da Aliança. Não, a Aliança vem antes, é a
chamada a Abraão. Com efeito, a Torá, a Lei, não
está incluída na promessa feita a Abraão. Dito isto, não se deve pensar que São
Paulo era contrário à Lei mosaica. Não, ele observava-a. Várias vezes nas suas
Cartas, defende a sua origem divina e afirma que desempenha um papel muito
específico na história da salvação. No entanto, a Lei não dá vida, não oferece
o cumprimento da promessa, porque não está em condições de a poder cumprir. A
Lei é um caminho que te leva a avançar para o encontro. Paulo usa uma palavra
muito importante, a Lei é o “pedagogo” em relação a Cristo, o pedagogo em
relação à fé em Cristo, ou seja, o mestre que te leva pela mão ao encontro.
Aqueles que procuram a vida precisam de olhar para a promessa e para o seu
cumprimento em Cristo.
Caríssimos, esta primeira exposição do Apóstolo aos Gálatas
apresenta a novidade radical da vida cristã: todos aqueles que têm fé em Jesus
Cristo são chamados a viver no Espírito Santo, que liberta da Lei, levando-a ao
mesmo tempo a cumprimento segundo o mandamento do amor. Isto é muito
importante, a Lei leva-nos a Jesus. Mas alguns de vós podem dizer-me: “Mas
padre, uma coisa: quer dizer que se eu recitar o Credo não devo cumprir os
Mandamentos?”. Não, os Mandamentos são atuais no sentido de que são “pedagogos”,
que te conduzem ao encontro com Jesus. Mas se puseres de lado o encontro com
Jesus e quiseres voltar a dar mais importância aos Mandamentos, isto não é bom.
E foi precisamente este o problema daqueles missionários fundamentalistas, que
se introduziam entre os Gálatas para os desorientar. Que o Senhor nos ajude a
seguir pelo caminho dos Mandamentos, mas olhando para o amor a Cristo rumo ao
encontro com Cristo, conscientes de que o encontro com Jesus é mais importante
do que todos os Mandamentos.
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Resumo da catequese do Santo Padre:
«Porquê a Lei?» Eis a pergunta que, seguindo o que o Apóstolo
ensina aos Gálatas, queremos aprofundar hoje, a fim de reconhecer a novidade da
vida cristã animada pelo Espírito Santo. Quando fala da Lei, São Paulo se
refere à Lei Mosaica, relacionada com a aliança de Deus com o povo de Israel.
Mas o Apóstolo explica que Aliança e Lei não estão ligadas de modo
indissolúvel, pois a aliança estabelecida por Deus com Abraão estava
fundamentada sobre a fé no cumprimento da promessa e não sobre a observância da
Lei. A Lei, mesmo tendo um papel importante na história da salvação, não dá a
vida, não oferece o cumprimento da promessa. Quem busca a verdadeira vida
necessita dirigir o seu olhar para a promessa feita por Deus a Abraão e para a
sua plena realização em Cristo. Assim se apresenta a radical novidade da vida
cristã: todos aqueles que crêem em Jesus Cristo são chamados a viver no
Espírito Santo.
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Saudações:
Saúdo os fiéis de língua portuguesa – vejo que estão presentes alguns brasileiros, os saúdo, muito bem! Queridos irmãos e irmãs de língua portuguesa: crer em Jesus Cristo, vivendo no Espírito Santo nos conduz à verdadeira vida. Peçamos ao Senhor que aumente nossa fé para que possamos participar da herança prometida. Que Deus vos abençoe!
Papa Francisco"
[Catequese na audiência geral de 11.08.2021]
Texto: Retirado do Site do Vaticano em 19.08.2021- http://www.vatican.va/
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 19.08.2021.
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