“Jesus tinha entrado em Jericó, e estava atravessando a cidade. Havia aí um homem chamado Zaqueu: era chefe dos cobradores de impostos, e muito rico. Zaqueu desejava ver quem era Jesus, mas não o conseguia, por causa da multidão, pois ele era muito baixo. Então correu na frente, e subiu numa figueira para ver, pois Jesus devia passar por aí. Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima, e disse: «Desce depressa, Zaqueu, porque hoje preciso ficar em tua casa.» Ele desceu rapidamente, e recebeu Jesus com alegria. Vendo isso, todos começaram a criticar, dizendo: «Ele foi se hospedar na casa de um pecador!»
Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: «A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais.» Jesus lhe disse: «Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. De fato, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.» “ Lc 19, 1-10
VISITA PASTORAL DO
PAPA FRANCISCO A ALBANO
CELEBRAÇÃO
EUCARÍSTICA HOMILIA DO SANTO PADRE
“O episódio que ouvimos passa-se
em Jericó, a famosa cidade destruída no tempo de Josué que, segundo a Bíblia,
já não se deveria reconstruir (cf. Gs 6): deveria ser “a cidade esquecida”. Mas
Jesus, diz o Evangelho, «entra e atravessa» Jericó (cf. Lc 19, 1). E nessa
cidade, que está abaixo do nível do mar, Ele não tem medo de atingir o nível
mais baixo, representado por Zaqueu. Ele era um publicano, aliás, o «chefe dos
publicanos», isto é, daqueles judeus odiados pelo povo, que cobravam os impostos
para o Império romano. Era «rico» (v. 2) e é fácil intuir como se tornou assim:
em detrimento dos seus concidadãos, explorando os seus compatriotas. Aos olhos
do povo Zaqueu era o pior, o insalvável. Mas não aos olhos de Jesus, que o
chama pelo nome, precisamente a ele, Zaqueu, que significa “Deus recorda-se”.
Na cidade esquecida, Deus lembra-se do maior pecador.
Em primeiro lugar, o Senhor
recorda-se de nós. Não se esquece de nós, não nos perde de vista, apesar dos
obstáculos que nos podem afastar d’Ele. Obstáculos que não faltaram no caso de
Zaqueu: a sua baixa estatura física e moral, mas também a sua vergonha, motivo
pelo qual procurava ver Jesus, escondido entre os ramos da árvore,
provavelmente esperando não ser visto. E depois as críticas externas: na
cidade, por causa daquele encontro, «todos murmuravam» (v. 7) — mas acho que em
Albano é a mesma coisa: murmura-se... Limites, pecados, vergonha, tagarelices e
preconceitos: nenhum obstáculo leva Jesus a esquecer o essencial, que é o homem
a amar e salvar.
O que nos diz este Evangelho no aniversário da
vossa Catedral? Que cada igreja, que a Igreja com letra maiúscula, existe para
manter viva no coração dos homens a recordação de que Deus os ama. Existe para
dizer a cada um, até ao mais distante: “Tu és amado e és chamado pelo nome por
Jesus; Deus não se esquece de ti, és querido por Ele”. Estimados irmãos e
irmãs, como Jesus, não tenhais medo de “atravessar” a vossa cidade, de ir ao
encontro dos mais esquecidos, daqueles que estão escondidos atrás dos ramos da
vergonha, do medo, da solidão, para lhes dizer: “Deus lembra-se de ti”!
Gostaria de destacar uma segunda
ação de Jesus. Além de se recordar, de reconhecer Zaqueu, Ele antecipa. Vemo-lo
no jogo de olhares com Zaqueu. Ele «procurava ver quem era Jesus» (v. 3). É
interessante que Zaqueu não procurava apenas ver Jesus, mas ver quem era Jesus:
ou seja, entender que tipo de mestre Ele era, qual era o seu traço distintivo.
E não o descobre quando olha para Jesus, mas quando é olhado por Jesus. Pois enquanto
Zaqueu procura vê-lo, Jesus vê-o primeiro; antes que Zaqueu fale, Jesus fala
com ele; antes de convidar Jesus, Jesus vai à sua casa. Eis quem é Jesus:
aquele que nos vê primeiro, aquele que nos ama primeiro, aquele que nos acolhe
primeiro. Quando descobrimos que o seu amor nos antecipa, que nos alcança antes
de tudo, a vida muda. Querido irmão, querida irmã, se como Zaqueu tu procuras
um sentido para a vida, e quando não o encontras, abandonas-te a “substitutos
do amor”, como as riquezas, a carreira, o prazer, alguma dependência, deixa-te
olhar por Jesus. Só com Jesus descobrirás que és sempre amado e farás a
descoberta da vida. Sentir-te-ás intimamente tocado pela ternura invencível de
Deus, que comove e move o coração. Assim foi para Zaqueu e assim é para cada um
de nós, quando descobrimos o “primeiro” de Jesus: Jesus que nos antecipa, que
nos olha primeiro, que nos fala primeiro, que nos espera primeiro.
Como Igreja, perguntemo-nos se
Jesus vem ao nosso encontro primeiro: em primeiro lugar está Ele ou a nossa
agenda, Ele ou as nossas estruturas? Qualquer conversão deriva de uma
antecipação da misericórdia, nasce da ternura de Deus que arrebata o coração.
Se tudo o que fizermos não tiver início no olhar de misericórdia de Jesus,
corremos o risco de mundanizar a fé, de a complicar, de a encher de contornos:
questões culturais, visões eficientistas, opções políticas, escolhas
partidárias... Mas esquecemos o essencial, a simplicidade da fé, o que vem
antes de tudo: o encontro vivo com a misericórdia de Deus. Se isto não estiver
no centro, se não estiver no início e no fim de todas as nossas atividades,
corremos o risco de manter Deus “fora de casa”, isto é, na Igreja, que é a sua
casa, mas sem nós. O convite de hoje é: deixa-te “misericordiar” por Deus! Ele vem
com a sua misericórdia.
Para conservar o “primeiro” de Deus, Zaqueu
serve-nos de exemplo. Jesus vê-o primeiro porque ele subiu a um sicómoro. Foi
um gesto que exigiu coragem, impulso, fantasia: não se veem muitos adultos a
subir às árvores; são os jovens que o fazem, é algo que fazemos quando somos
crianças, todos nós o fizemos. Zaqueu venceu a vergonha e, num certo sentido,
voltou a ser uma criança. É importante que voltemos a ser simples, abertos.
Para conservar o “primeiro” de Deus, ou seja, a sua misericórdia, não devemos
ser cristãos complicados, que elaboram mil teorias e se dispersam em busca de
respostas na rede, mas devemos ser como as crianças. Elas precisam dos pais e
dos amigos: também nós precisamos de Deus e dos outros. Não somos autossuficientes,
devemos desmascarar a nossa autossuficiência, superar os nossos fechamentos,
voltar a ser pequeninos dentro, simples e entusiastas, cheios de impulso para
Deus e de amor ao próximo.
Gostaria de destacar uma última ação de Jesus,
que nos faz sentir em casa. Ele diz a Zaqueu: «Hoje tenho de ficar em tua casa»
(v. 5). Em tua casa. Zaqueu, que se sentia forasteiro na sua cidade, volta para
casa como uma pessoa amada. E, amado por Jesus, redescobre os seus vizinhos e
diz: «Vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em
qualquer coisa — e este homem tinha roubado muito — vou restituir-lhe quatro
vezes mais» (v. 8). A Lei de Moisés exigia que se restituísse, acrescentando um
quinto (cf. Lv 5, 24); Zaqueu dá quatro vezes mais: vai muito além da Lei,
porque encontrou o amor. Sentindo-se em casa, abriu a porta ao próximo.
Como seria bom se os nossos vizinhos e
conhecidos sentissem a Igreja como a sua casa! Infelizmente, acontece que para
muitas pessoas as nossas comunidades se tornam alheias e pouco atraentes. Às
vezes, também nós somos tentados a criar círculos fechados, lugares íntimos
entre os escolhidos. Sentimo-nos eleitos, sentimo-nos elite... Mas há muitos
irmãos e irmãs que têm saudades de casa, que não têm a coragem de se aproximar,
talvez porque não se sentiram acolhidos; talvez porque encontraram um padre que
os tratou mal ou que os mandou embora, ou quis que pagassem os sacramentos —
isto é mau! — e afastavam-se. O Senhor deseja que a sua Igreja seja uma casa
entre as casas, uma tenda hospitaleira onde cada homem, peregrino da
existência, se encontre com Ele, que veio habitar entre nós (cf. Jo 1, 14).
Irmãos e irmãs, que a Igreja seja um lugar
onde os outros nunca sejam vistos de cima para baixo mas, como Jesus com
Zaqueu, de baixo para cima. Recordai-vos que o único momento em que é lícito
fitar uma pessoa de cima para baixo é para a ajudar a levantar-se, caso
contrário, não é lícito. Só naquele momento: fitá-la assim, porque ela caiu.
Nunca olhemos para as pessoas como juízes, mas sempre como irmãos. Não sejamos
inspetores da vida dos outros, mas promotores do bem de todos. E para sermos
promotores do bem de todos, há algo que ajuda muito a manter a língua firme:
não falar mal do próximo! Mas às vezes, quando falo destas coisas, ouço as
pessoas dizerem: “Padre, olha, é algo mau, mas vem-me, porque vejo algo e tenho
vontade de criticar”. Sugiro um bom remédio para isto — além da oração — um
remédio eficaz é: morde a língua! Ela vai inchar na tua boca e não conseguirás
falar!
«O Filho do Homem — conclui o Evangelho — veio
procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 10). Se evitarmos aqueles que
nos parecem perdidos, não pertencemos a Jesus. Peçamos a graça de ir ao
encontro de cada um como irmão e de não ver ninguém como inimigo. E se formos
feridos, retribuamos com o bem. Os discípulos de Jesus não são escravos dos
males passados mas, perdoados por Deus, agem como Zaqueu: pensam unicamente no
bem que podem praticar. Demos de graça, amemos os pobres e quantos não têm como
nos retribuir: seremos ricos aos olhos de Deus!
Estimados irmãos e irmãs, desejo
que a vossa Catedral, como todas as igrejas, seja o lugar onde cada um de vós
se sinta recordado pelo Senhor, antecipado pela sua misericórdia e recebido em
casa. De tal maneira que na Igreja possa verificar-se a coisa mais bonita:
alegrar-se porque a salvação entrou na vida (cf. v. 9).
Assim seja!
Praça Pia, Albano Domingo, 21 de
Setembro 2019”
Texto: Retirado do site Vaticano em 06.02.2021
Imagem: Blog Catequese Missionária
Nenhum comentário:
Postar um comentário