“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! (Lc 1,28)
Celebramos
neste domingo (8/12) a festa de Maria Imaculada. O dogma da Imaculada Conceição
foi proclamado pelo Papa Pio IX, na Bula “Ineffabilis Deus”, no dia 08 de
dezembro de 1854. Nele se afirma que Maria, à diferença dos demais seres
humanos, não se viu alcançada pelo “pecado original”, sendo “imaculada” (“sem
mancha”) desde o momento de sua concepção.
Mas,
falar de Maria como Imaculada tem um sentido muito mais profundo que a
afirmação dogmática de “ser preservada da mancha original”. Falar da Imaculada
é tomar consciência de que, em um ser humano (Maria), descobrimos algo, no mais
profundo de seu ser, que foi sempre limpo, puro, sem mancha alguma, imaculado.
O verdadeiramente importante é que, se esse núcleo imaculado está presente em
um ser humano (Maria), então podemos ter a garantia de que está presente em
todos os seres humanos.
O
próprio S. Paulo afirma que “em Cristo Jesus, Deus nos elegeu, antes da criação
do mundo, para sermos santos e imaculados, diante dele, no amor”. (Ef 1,4).
Essa eleição é para todos, sem exceção. Não é uma possibilidade, mas a
realidade que nos faz ser. Descobri-la e vivê-la, sim, depende de nós.
Essa
dimensão de nosso ser que nada nem ninguém pode manchar, é nosso autêntico ser.
É o tesouro escondido, a pérola preciosa.
Ao
longo dos séculos, temos colocado sobre a figura de Maria uma infinidade de
adornos que levaremos muito tempo para tirar e voltar à sua simplicidade e
pureza originais. Maria não necessita adornos. A festa de Maria Imaculada nos
revela a presença do divino nela e em nós. Nela descobrimos as maravilhas de
Deus. O núcleo íntimo de Maria é imaculado, incontaminado, porque é o que há de
Deus nela. Maria é grande porque descobriu e viveu o divino que fez nela sua
morada. Não são os mantos luxuosos e os adornos colocados sobre ela, através
dos séculos, que a faz grande, mas o fato de ter descoberto seu ser fundado em
Deus e ter expandido sua feminilidade a partir desta realidade.
O
que devemos admirar em Maria é o fato de ter vivido essa realidade e ter deixado
transparecer o divino através de todos os poros de seu ser humano. Ela deixa
passar a luz que há em seu interior, sem diminui-la nem filtrá-la. Quando se
diz que Maria é Imaculada, quer-se dizer que é no silêncio do corpo, no
silêncio do coração, do silêncio do Espírito que o Verbo pode ser gerado.
Como
foi possível que Maria alcançasse essa plenitude? Aqui está o verdadeiro
sentido do dogma da Imaculada. Ela foi o que foi porque descobriu e viveu essa
realidade de Deus nela. Tudo o que tem de exemplaridade para nós devemos a ela,
não porque Deus lhe tenha cumulado de privilégios. Ela é referência inspiradora
para todos nós porque podemos seguir sua trajetória e podemos descobrir e viver
o que ela descobriu e viveu. Se continuamos considerando Maria como uma
privilegiada, continuaremos pensando que ela foi o que foi graças a algo que
nós não temos; portanto, toda tentativa de imitá-la seria em vão.
Dentro
de cada um de nós, constituindo o núcleo de nosso ser, existe uma realidade
transcendente, que não pode ser contaminada. O divino que há em nós,
permanecerá sempre puro e limpo. Maria ativou esta dimensão de seu ser até
empapar tudo o que ela era, “alma e corpo”. O que celebramos é sua plenitude de
vida, aberta e expansiva, e não um privilégio que a livrou de uma
“mancha”.
Podemos
dizer que Maria é imaculada, porque viveu essa realidade de Deus nela. Ela é
Imaculada para todos, por todos e em todos; em outras palavras, em Maria somos
todos imaculados(as); somos imacula-dos(as) em nosso verdadeiro ser. O dogma da
Imaculada Conceição fala de todos nós: isso é o que realmente somos. Em nossa
verdadeira identidade, somos imaculados, limpos, inocentes…
Falamos
demais sobre o “pecado original” e muito pouco sobre a “beatitude original”.
Existe em nós uma realidade mais profunda que a nossa resistência, um sim mais
profundo que todos os nossos “nãos”, uma inocência original que todos os nossos
medos e feridas... É preciso encontrar a confiança original. Maria
é o estado de confiança original. Assim, os Antigos Padres da Igreja viam nela
o modelo da beatitude original, a mulher da pura confiança, do sim original
Àquele que É. Maria é a nossa verdadeira natureza, é a nossa verdadeira
inocência original, aberta à presença do divino.
A
partir desta perspectiva, Maria nos está recordando que, graças a pessoas
parecidas com ela, ou seja, pessoas que se esvaziaram de seu próprio “ego”, é
que foram capazes de entrar em sintonia com a Vontade de Deus; é ali, somente
ali, no espaço interior, livre de todo resquício de auto-centramento, que Deus
pode entrar, continua e continuará entrando em nosso mundo, para trazer sua Boa
Nova, traduzida em tantas e tantas realidades concretas.
A
afirmação de que ela tenha sido “concebida sem pecado original” corre o risco
de situá-la muito distante de nós. Pelo contrário, se a veneramos e nela nos
inspiramos para viver o seguimento do seu Filho Jesus é porque a encontramos
muito próxima de nossa vida. A vida que temos vivido até agora e a que
continuamos vivendo: cheia de luzes e sombras, de esperanças e de desencantos.
Maria
é grande por sua simplicidade, porque aceita ser serva, em sintonia com Deus.
Maria não é uma extra-terrestre, mas uma pessoa humana exatamente igual a cada
um de nós. O extra-ordinário nela foi sua fidelidade e disponibilidade, sua
capacidade de entrega. Toda a grandeza de Maria está contida em uma só palavra:
“fiat”. Maria não pôs nenhum obstáculo para que o divino que havia nela se
expandisse totalmente; por isso, chegou à plenitude do humano. Devemos nos alegrar
que um ser humano possa nos ensinar o caminho da plenitude, do divino.
Nesse
sentido, Maria é a referência para todos nós porque a vemos como a pessoa que
foi crescendo dia-a-dia, sempre aberta ao projeto de Deus. Esvaziando-se de si
mesma, renunciando à sua vontade, para que Deus, o Todo-poderoso, como ela
mesma cantará no Magnificat, entrasse em nossa história, encarnado na pessoa de
Jesus. Um Deus “todo-Poderoso” que não usou seu poder para atuar de maneira
impositiva, mas, em Maria “realizou maravilhas” para que, através dela, seu
amor e sua misericórdia se fizessem visíveis a toda a humanidade. “Seu amor se
estende de geração em geração...”, proclamará também no Magnificat.
Inspirados
em Maria, é preciso encontrar, em nós mesmos, este lugar por onde entra a vida,
este lugar por onde entra o divino, este lugar por onde entra o amor. É uma
experiência de silêncio, uma experiência de vazio, alguma coisa de mais
profundo do que aquilo que se chama o “pecado original”.
É
assim que se fala de Imaculada conceição. O Verbo é concebido no que há de mais
imaculado em nós, no que há de mais completamente silencioso. Isto supõe que
haja no corpo humano um lugar onde não existe memória doentia nem a presença do
“ego cheio de si”, mas do eu esvaziado, de onde nasce a vida.
É
preciso entrar num estado de silêncio, de vazio de si mesmo, de total
receptividade, para que o Verbo possa ser gerado em nós. “Assim novamente
encarnado”, nos diz S. Inácio de Loyola.
Texto bíblico: Lc 1,26-38
Na oração: No relato da Anunciação, descreve-se um itinerário de
iniciação espiritual. É preciso, antes de mais nada, entrar neste estado de
escuta, neste estado de confiança, neste sim, pacificar nossas memórias e,
então, não ter medo da visita do anjo e da alegria que ele pode trazer.
Mas
também não ter medo da perturbação que pode surgir. Tal perturbação é que nos
faz descer ao chão de nossa vida, vai nos conduzir até a sombra, até o mais
profundo de nosso eu interior, até a profundeza da nossa humanidade. E é ali
que que vai brotar o nosso “sim” original; é ali que vai nascer o divino que
nos conduzirá à plenitude de vida.
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Fazer memória das experiências de “anunciação” em sua vida: o que mudou? quê
movimentos vitais surgiram?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
06.12.2019
Parte
escrita - Retirada do site - "CATEQUESEHoje - www.catequesehoje.org.br ", em
13.12.2019 - Um site com brasileiro com muita qualidade!
Imagem-
Paravra de Deus para mim e para ti, que recebi num "café ", algures no Santuário
de Paray-le-Monial (Agosto 2019) !
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