«Mensagem forte do Papa
Francisco quase no final da Jornada Mundial da Juventude que decorre em
Cracóvia, Polónia, até amanhã, Domingo. Na sua intervenção, durante a vigília
deste final de tarde, o Papa desafiou os jovens a deixarem-se
"tocar", a sairem do conforto do "sofá" e a tornarem-se,
eles mesmos, "protagonistas da história". Francisco realçou que
"cada ser humano é único" e lembrou que "não lutamos o ódio com
o ódio" mas com "fraternidade, comunhão".
Leia, na íntegra, a intervenção
do Papa Francisco.
"Queridos jovens!
É bom estar aqui convosco nesta
Vigília de Oração.
Na parte final do seu corajoso
e emocionante testemunho, Rand pediu-nos uma coisa. Disse-nos: «Peço-vos,
sinceramente, que rezeis pelo meu amado país». Uma história marcada pela
guerra, pelo sofrimento, pela ruína, que termina com um pedido: o da oração.
Que há de melhor para começar a nossa Vigília do que rezar?
Vimos de várias partes do
mundo, de continentes, países, línguas, culturas, povos diferentes. Somos
«filhos» de nações que estão talvez em disputa por vários conflitos, ou até
mesmo em guerra. Outros vimos de países que podem estar «em paz», que não têm
conflitos bélicos, onde muitas das coisas dolorosas que acontecem no mundo
fazem parte apenas das notícias e da imprensa. Mas estamos cientes duma
realidade: hoje e aqui, para nós provenientes de diversas partes do mundo, o
sofrimento e a guerra que vivem muitos jovens deixaram de ser uma coisa
anónima, já não são uma notícia de imprensa, mas têm um nome, um rosto, uma
história, fizeram-se-me vizinhos. Hoje a guerra na Síria é a dor e o sofrimento
de tantas pessoas, de tantos jovens como o corajoso Rand, que está aqui entre
nós e pede-nos para rezar pelo seu país amado.
Há situações que nos podem
parecer distantes, até ao momento em que, de alguma forma, as tocamos. Há
realidades que não entendemos porque vemo-las apenas através dum monitor (do
telemóvel ou do computador). Mas, quando tomamos contacto com a vida, com as
vidas concretas e já não pela mediação dos monitores, então algo mexe connosco,
sentimo-nos convidados a envolver-nos: «Basta de cidades esquecidas», como diz
Rand; nunca mais deve acontecer que irmãos estejam «circundados pela morte e
por assassinatos» sentindo que ninguém os ajudará. Queridos amigos, convido-vos
a rezar juntos pelo sofrimento de tantas vítimas da guerra, para podermos
compreender, uma vez por todas, que nada justifica o sangue dum irmão, que nada
é mais precioso do que a pessoa que temos ao nosso lado. E, neste pedido de
oração, quero-vos agradecer também a vós, Natália e Miguel, pois também vós
partilhastes connosco as vossas batalhas, as vossas guerras interiores.
Apresentastes-nos as vossas lutas e o modo como as superastes. Sois um sinal
vivo daquilo que a misericórdia quer fazer em nós.
Agora, não vamos pôr-nos a
gritar contra ninguém, não vamos pôr-nos a litigar, não queremos destruir. Não
queremos vencer o ódio com mais ódio, vencer a violência com mais violência,
vencer o terror com mais terror. A nossa resposta a este mundo em guerra tem um
nome: chama-se fraternidade, chama-se irmandade, chama-se comunhão, chama-se
família. Alegramo-nos pelo facto de virmos de culturas diferentes e nos unirmos
para rezar. Que a nossa palavra melhor, o nosso melhor discurso seja unirmo-nos
em oração. Façamos um momento de silêncio, e rezemos; ponhamos diante de Deus
os testemunhos destes amigos, identifiquemo-nos com aqueles para quem «a
família é um conceito inexistente, a casa apenas um lugar para dormir e comer»,
ou com aqueles que vivem no medo porque creem que os seus erros e pecados os
baniram definitivamente. Coloquemos na presença do nosso Deus também as vossas
«guerras», as lutas que cada um carrega consigo, no seu próprio coração.
(SILÊNCIO)
Enquanto rezávamos, veio-me à
mente a imagem dos Apóstolos no dia de Pentecostes. Uma cena que nos pode
ajudar a compreender tudo aquilo que Deus sonha realizar na nossa vida, em nós
e connosco. Naquele dia, os discípulos estavam fechados dentro de casa pelo
medo. Sentiam-se ameaçados por um ambiente que os perseguia, que os forçava a
estar numa pequena casa obrigando-os a ficar ali imóveis e paralisados. O medo
apoderou-se deles. Naquele contexto, acontece algo espetacular, algo grandioso.
Vem o Espírito Santo, e línguas como que de fogo pousaram sobre cada um deles,
impelindo-os para uma aventura que nunca teriam sonhado.
Ouvimos três testemunhos;
tocamos, com os nossos corações, as suas histórias, as suas vidas. Vimos como
eles viveram momentos semelhantes aos dos discípulos, atravessaram momentos em
que estiveram cheios de medo, em que parecia que tudo desmoronava. O medo e a
angústia, que nascem do facto de uma pessoa saber que saindo de casa pode não
ver mais os seus entes queridos, o medo de não se sentir apreciado e amado, o
medo de não ter outras oportunidades. Eles partilharam connosco a mesma
experiência que fizeram os discípulos, experimentaram o medo que leva ao único
lugar possível: o fechamento. E, quando o medo se esconde no fechamento, fá-lo
sempre na companhia da sua «irmã gémea», a paralisia; faz-nos sentir
paralisados. Sentir que, neste mundo, nas nossas cidades, nas nossas
comunidades, já não há espaço para crescer, para sonhar, para criar, para
contemplar horizontes, em suma, para viver, é um dos piores males que nos podem
acontecer na vida. A paralisia faz-nos perder o gosto de desfrutar do encontro,
da amizade, o gosto de sonhar juntos, de caminhar com os outros.
Na vida, porém, há outra
paralisia ainda mais perigosa e difícil, muitas vezes, de identificar e que nos
custa muito reconhecer. Gosto de a chamar a paralisia que brota quando se
confunde a FELICIDADE com um SOFÁ! Sim, julgar que, para ser felizes, temos
necessidade de um bom sofá. Um sofá que nos ajude a estar cómodos, tranquilos,
bem seguros. Um sofá – como os que existem agora, modernos, incluindo massagens
para dormir – que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo
dos videojogos e passar horas diante do computador. Um sofá contra todo o tipo
de dores e medos. Um sofá que nos faça estar fechados em casa, sem nos
cansarmos nem nos preocuparmos. Provavelmente, o sofá-felicidade é a paralisia
silenciosa que mais nos pode arruinar; porque pouco a pouco, sem nos darmos
conta, encontramo-nos adormecidos, encontramo-nos pasmados e entontecidos
enquanto outros – talvez os mais vivos, mas não os melhores – decidem o futuro
por nós. Certamente, para muitos, é mais fácil e vantajoso ter jovens pasmados
e entontecidos que confundem a felicidade com um sofá; para muitos, isto
resulta mais conveniente do que ter jovens vigilantes, desejosos de responder
ao sonho de Deus e a todas as aspirações do coração.
Mas a verdade é outra! Queridos
jovens, não viemos ao mundo para «vegetar», para transcorrer comodamente os
dias, para fazer da vida um sofá que nos adormeça; pelo contrário, viemos com
outra finalidade, para deixar uma marca. É muito triste passar pela vida sem
deixar uma marca. Mas, quando escolhemos a comodidade, confundindo felicidade
com consumo, então o preço que pagamos é muito, mas muito caro: perdemos a
liberdade.
É precisamente aqui que existe
uma grande paralisia: quando começamos a pensar que a felicidade é sinónimo de
comodidade, que ser feliz é caminhar na vida adormentado ou narcotizado, que a
única maneira de ser feliz é estar como que entorpecido. É certo que a droga
faz mal, mas há muitas outras drogas socialmente aceitáveis, que acabam por nos
tornar em todo o caso muito mais escravos. Umas e outras despojam-nos do nosso
bem maior: a liberdade.
Amigos, Jesus é o Senhor do
risco, do sempre «mais além». Jesus não é o Senhor do conforto, da segurança e
da comodidade. Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é
preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos que te ajudem a caminhar
por estradas nunca sonhadas e nem mesmo pensadas, por estradas que podem abrir
novos horizontes, capazes de contagiar-te a alegria, aquela alegria que nasce
do amor de Deus, a alegria que deixa no teu coração cada gesto, cada atitude de
misericórdia. Caminhar pelas estradas seguindo a «loucura» do nosso Deus, que
nos ensina a encontrá-Lo no faminto, no sedento, no maltrapilho, no doente, no
amigo em maus lençóis, no encarcerado, no refugiado e migrante, no vizinho que
vive só. Caminhar pelas estradas do nosso Deus, que nos convida a ser atores
políticos, pessoas que pensam, animadores sociais; que nos encoraja a pensar
uma economia mais solidária. Em todos os campos onde vos encontrais, o amor de
Deus convida-vos a levar a Boa Nova, fazendo da própria vida um dom para Ele e
para os outros.
Poderíeis replicar-me: Mas
isto, padre, não é para todos; é só para alguns eleitos! Sim, e estes eleitos
são todos aqueles que estão dispostos a partilhar a sua vida com os outros. Tal
como o Espírito Santo transformou o coração dos discípulos no dia de
Pentecostes, assim o fez também com os nossos amigos que partilharam os seus
testemunhos. Uso as tuas palavras, Miguel: disseste-nos que no dia em que te
confiaram, lá na «Fazenda», a responsabilidade de contribuir para o melhor
funcionamento da casa, então começaste a compreender que Deus te pedia algo.
Assim começou a transformação.
Este é o segredo, queridos
amigos, que todos somos chamados a experimentar. Deus espera algo de ti, Deus
quer algo de ti, Deus espera-te. Deus vem quebrar os nossos fechamentos, vem
abrir as portas das nossas vidas, das nossas perspetivas, dos nossos olhares.
Deus vem abrir tudo aquilo que te fecha. Convida-te a sonhar, quer fazer-te ver
que, contigo, o mundo pode ser diferente. É assim: se não deres o melhor de ti
mesmo, o mundo não será diverso.
O tempo que hoje estamos a
viver não precisa de jovens-sofá, mas de jovens com os sapatos, ainda melhor,
calçados com as botas. Aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar
para reservas. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história,
porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar
uma marca. Hoje a história pede-nos que defendamos a nossa dignidade e não
deixemos que sejam outros a decidir o nosso futuro. O Senhor, como no
Pentecostes, quer realizar um dos maiores milagres que podemos experimentar:
fazer com que as tuas mãos, as minhas mãos, as nossas mãos se transformem em
sinais de reconciliação, de comunhão, de criação. Ele quer as tuas mãos para
continuar a construir o mundo de hoje. Quer construí-lo contigo.
Dir-me-ás: Mas, padre, eu sou
muito limitado, sou pecador… que posso fazer? Quando o Senhor nos chama não
pensa naquilo que somos, naquilo que éramos, naquilo que fizemos ou deixamos de
fazer. Pelo contrário: no momento em que nos chama, Ele está a ver tudo aquilo
que poderemos fazer, todo o amor que somos capazes de comunicar. Ele aposta
sempre no futuro, no amanhã. Jesus olha-te projetado no horizonte.
Por isso, amigos, hoje Jesus
convida-te, chama-te a deixar a tua marca na vida, uma marca que determine a
história, que determine a tua história e a história de muitos.
A vida de hoje diz-nos que é
muito fácil fixar a atenção naquilo que nos divide, naquilo que nos separa.
Querem fazer-nos crer que fechar-nos é a melhor maneira de nos protegermos
daquilo que nos faz mal. Hoje nós, adultos, precisamos de vós para nos
ensinardes a conviver na diversidade, no diálogo, na partilha da
multiculturalidade não como uma ameaça mas como uma oportunidade: tende a
coragem de nos ensinar que é mais fácil construir pontes do que levantar muros!
E todos juntos pedimos que exijais de nós percorrer as estradas da
fraternidade. Construir pontes… Sabeis qual é a primeira ponte a construir? Uma
ponte que podemos realizar aqui e agora: um aperto de mão, estender a mão.
Coragem! Fazei agora, aqui, esta ponte primordial, e dai-vos a mão. É a grande
ponte fraterna, e podem aprender a fazê-la os grandes deste mundo... Não para a
fotografia, mas para continuar a construir pontes cada vez maiores. Que esta
ponte humana seja semente de muitas outras; será uma marca.
Hoje, Jesus, que é o caminho,
chama-te a deixar a tua marca na história. Ele, que é a vida, convida-te a
deixar uma marca que encha de vida a tua história e a de muitos outros. Ele,
que é a verdade, convida-te a deixar as estradas da separação, da divisão, do
sem-sentido. Aceitais? Que respondem as vossas mãos e os vossos pés ao Senhor,
que é caminho, verdade e vida? "»
“Retirado da -newsletter da EDUCRIS de 30-07-2016 - newsletter@educris.com"
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