" (...) «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora
a multidão para que possa ir às aldeias comprar alimento. Mas Jesus disse-lhes:
“Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.” Reponderam: Não
temos aqui senão cinco pães e dois peixes”»(Mt 14,15-17).
Os distintos relatos da multiplicação dos pães têm sempre
esta característica comum: um escasso número de pães e de peixes é transformado
em alimento para uma multidão. O que os discípulos desvalorizaram pela sua
exiguidade é precisamente o que Jesus coloca no centro do acontecimento para
revelar uma lógica outra, inaugural, a do Reino de Deus. No Evangelho, o pobre,
o pequeno, o marginal, o que não conta, é sempre o gérmen do Reino. É assim com
o quase invisível grão de mostarda, com a pequena porção de fermento ou com a
simplicidade das crianças.
Corremos o risco de viver uma vida adiada por causa do que
ainda não somos, do que ainda não fazemos, do que ainda não temos. E
esquecemo-nos da imensa fecundidade oculta num campo vazio, recetivo para a
novidade da semente. As grandes germinações, no relato bíblico, aconteceram
sempre associadas à experiência da
esterilidade. Basta que nos lembremos de Sara, de Ana ou de Isabel.
(...) Uma casa vazia é sempre um espaço privilegiado para o agir
de Deus.
Quanto mais nos expomos à nossa própria pobreza, mais cresce
o espaço para o acolhimento do outro na sua pobreza. Só o pobre vê o pobre. A
compaixão não nasce de cima ou de fora. Nasce de um encontro de olhares que se
revelam mutuamente.
(…) O desejo de Zaqueu encontra-se com o desejo de Jesus
que, «levantando os olhos», lhe diz:
«Desce depressa, pois hoje tenho que ficar em tua casa.» Do encontro destes
desejos nasce uma mútua hospitalidade, da qual resultará uma mudança inesperada
na vida de Zaqueu. A «abundância» que a presença de Jesus significa para Zaqueu
traduz-se em partilha: « Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se
defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.»
A prática da hospitalidade requer sempre um despojamento
para que o outro possa ser acolhido na surpresa da sua originalidade e não
dentro dos limites traçados pela nossa visão.
(…)Poderá haver acolhimento sem a criação de um espaço para
que o outro possa ocupar? Poderá haver encontro sem a experiência de perda? O
desejo do outro está inscrito em nós como a possibilidade de libertação, como
alargamento do nosso horizonte, como vislumbre do infinito.
(..) A humildade é a aceitação incondicional e gozosa do que
efetivamente somos. Descer à terra, uma e outra vez, acolher o contraditório ,
o sombrio, o que dói, sem desalento e com ternura. Sempre com ternura, porque a
terra que somos é o nosso melhor tesouro. Quando abrimos assim o coração, caem
os medos, a liberdade ganha outra amplitude, aprendemos a olhar os outros com
compaixão e vamos experimentando que Deus vive e respira em nós.
(…) Na cruz- a ignominiosa morte destinada aos últimos dos
últimos-assistimos a um impressionante diálogo: « Jesus, lembra-te de mim,
quando estiveres no teu Reino. Jesus respondeu-Lhe: Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no Paraíso» (Lc23,42-43). Diz o texto que este humilde pedido
foi apresentado por um dos malfeitores crucificados ao lado de Jesus. Aí está
Jesus: ao lado de quem ninguém quer estar, na vida e na morte. Somos pão com o
outro, ao lado do outro, assumindo no nosso corpo a história do outro.
(…) Há toda uma arte de saber fazer a festa com uma grande
simplicidade de recursos. Existem famílias e outras comunidades que estão muito
treinadas nesta arte. E o que impressiona é a alegria que testemunham. Tudo
ganha intensidade quando os recursos
para a festa não vêm tanto do exterior,
mas são fruto da convocação do que há de melhor em cada um de nós. Amplia-se o
espaço para a criatividade, para a espontaneidade e para a manifestação dos
afetos. Importa romper com a lógica de que alegria está no consumo e na apropriação.
Não será legitimo esperar das comunidades cristãs o testemunho da alegria numa
vida frugal que se traduza numa efetiva prática da solidariedade? (…) "
Vale a pena ler e reler este maravilhoso livro!
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