domingo, 26 de fevereiro de 2023
Queridos irmãos e irmãs!
Os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas coincidem em narrar o episódio da Transfiguração de Jesus. Neste acontecimento, vemos a resposta do Senhor a uma falta de compreensão manifestada pelos seus discípulos. De facto, pouco antes, registara-se uma verdadeira divergência entre o Mestre e Simão Pedro; este começara professando a sua fé em Jesus como Cristo, o Filho de Deus, mas em seguida rejeitara o seu anúncio da paixão e da cruz. E Jesus censurara-o asperamente: «Afasta-te, satanás! Tu és para Mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens» (Mt 16, 23). Por isso, «seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte» (Mt 17, 1).
O evangelho da Transfiguração é proclamado, cada ano, no II Domingo da Quaresma. Realmente, neste tempo litúrgico, o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte. Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir «a um alto monte» juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese.
A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz. Aquilo precisamente de que Pedro e os outros discípulos tinham necessidade. Para aprofundar o nosso conhecimento do Mestre, para compreender e acolher profundamente o mistério da salvação divina, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por Ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades. É preciso pôr-se a caminho, um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha. Estes requisitos são importantes também para o caminho sinodal, que nos comprometemos, como Igreja, a realizar. Far-nos-á bem refletir sobre esta relação que existe entre a ascese quaresmal e a experiência sinodal.
Para o «retiro» no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas dum acontecimento singular; Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é aliás toda a nossa vida de fé. A Jesus, seguimo-Lo juntos; e juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e, nele, a Quaresma, caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é «sinodal», porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que Ele próprio é o Caminho e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador.
E chegamos ao momento culminante. O Evangelho narra que Jesus «Se transfigurou diante deles: o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz» (Mt 17, 2). Aqui aparece o «cimo», a meta do caminho. No final da subida e enquanto estão no alto do monte com Jesus, os três discípulos recebem a graça de O verem na sua glória, resplandecente de luz sobrenatural, que não vinha de fora, mas irradiava d’Ele mesmo. A beleza divina desta visão mostrou-se incomparavelmente superior a qualquer cansaço que os discípulos pudessem ter sentido quando subiam ao Tabor. Como toda a esforçada excursão de montanha, ao subir, é preciso manter os olhos bem fixos na vereda; mas o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha. Com frequência também o processo sinodal se apresenta árduo e por vezes podemos até desanimar; mas aquilo que nos espera no final é algo, sem dúvida, maravilhoso e surpreendente, que nos ajudará a compreender melhor a vontade de Deus e a nossa missão ao serviço do seu Reino.
A experiência dos discípulos no monte Tabor torna-se ainda mais enriquecedora quando, ao lado de Jesus transfigurado, aparecem Moisés e Elias, que personificam respetivamente a Lei e os Profetas (cf. Mt 17, 3). A novidade de Cristo é cumprimento da antiga Aliança e das promessas; é inseparável da história de Deus com o seu povo, e revela o seu sentido profundo. De forma análoga, o caminho sinodal está radicado na tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, aberto para a novidade. A tradição é fonte de inspiração para procurar estradas novas, evitando as contrapostas tentações do imobilismo e da experimentação improvisada.
O caminho ascético quaresmal e, de modo semelhante, o sinodal, têm como meta uma transfiguração, pessoal e eclesial. Uma transformação que, em ambos os casos, encontra o seu modelo na de Jesus e realiza-se pela graça do seu mistério pascal. Para que, neste ano, se possa realizar em nós tal transfiguração, quero propor duas «veredas» que é necessário percorrer para subir juntamente com Jesus e chegar com Ele à meta.
A primeira diz respeito à ordem que Deus Pai dirige aos discípulos no Tabor, enquanto estão a contemplar Jesus transfigurado. A voz da nuvem diz: «Escutai-O» (Mt 17, 5). Assim a primeira indicação é muito clara: escutar Jesus. A Quaresma é tempo de graça na medida em que nos pusermos à escuta d’Ele, que nos fala. E como nos fala Ele? Antes de mais nada na Palavra de Deus, que a Igreja nos oferece na Liturgia: não a deixemos cair em saco roto; se não podermos participar sempre na Missa, ao menos leiamos as Leituras bíblicas de cada dia valendo-nos até da ajuda da internet. Além da Sagrada Escritura, o Senhor fala-nos nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda. Mas quero acrescentar ainda outro aspeto, muito importante no processo sinodal: a escuta de Cristo passa também através da escuta dos irmãos e irmãs na Igreja; nalgumas fases, esta escuta recíproca é o objetivo principal, mas permanece sempre indispensável no método e estilo duma Igreja sinodal.
Ao ouvir a voz do Pai, «os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-Se deles, Jesus tocou-lhes dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém» (Mt 17, 6-8). E aqui temos a segunda indicação para esta Quaresma: não refugiar-se numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo «apenas Jesus e mais ninguém». A Quaresma orienta-se para a Páscoa: o «retiro» não é um fim em si mesmo, mas prepara-nos para viver – com fé, esperança e amor – a paixão e a cruz, a fim de chegarmos à ressurreição. Também o percurso sinodal não nos deve iludir quanto ao termo de chegada, que não é quando Deus nos dá a graça de algumas experiências fortes de comunhão, pois aí o Senho também nos repete: «Levantai-vos e não tenhais medo». Desçamos à planície e que a graça experimentada nos sustente para sermos artesãos de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades.
Queridos irmãos e irmãs, que o Espírito Santo nos anime nesta Quaresma na subida com Jesus, para fazermos experiência do seu esplendor divino e assim, fortalecidos na fé, prosseguirmos o caminho com Ele, glória do seu povo e luz das nações.
Roma – São João de Latrão, na Festa da Conversão de São Paulo, 25 de janeiro de 2023.
FRANCISCO
Texto: Retirado do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 26/02/2023;
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 26/02/2023;
O anúncio do Evangelho só se realiza na força do Espírito...
No nosso itinerário de catequeses sobre a
paixão de evangelizar, hoje recomeçamos pelas palavras de Jesus que ouvimos:
«Ide, pois, e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28,
19). Ide, diz o
Ressuscitado, não para doutrinar, nem para fazer prosélitos, não, mas para fazer discípulos, ou seja,
para oferecer a cada um a possibilidade de entrar em contacto com Jesus, de o
conhecer e de o amar livremente. Ide, batizando: batizar significa imergir e, portanto, antes
de indicar uma ação litúrgica, exprime uma ação vital: imergir a própria vida
no Pai, no Filho, no Espírito Santo; experimentar todos os dias a alegria da
presença de Deus que está próximo de nós como Pai, como Irmão, como Espírito
que age em nós, no nosso próprio espírito. Batizar significa imergir-se na
Trindade.
Quando Jesus diz aos seus discípulos - e
também a nós – “Ide!”, não comunica apenas uma palavra. Não! Comunica, ao mesmo
tempo, o Espírito Santo,
pois só graças a Ele, ao Espírito Santo, podemos receber a missão de Cristo e
cumpri-la (cf. Jo 20,
21-22). Com efeito, os Apóstolos permanecem fechados no Cenáculo, com medo,
enquanto não chega o dia de Pentecostes e desce sobre eles o Espírito Santo
(cf. At 2, 1-13).
E naquele momento desaparece o temor e com a sua força aqueles pescadores, na
sua maioria iletrados, mudarão o mundo. “Mas se não souberem falar...”. Mas é a
palavra do Espírito, a força do Espírito que os leva em frente para mudar o
mundo. Portanto, o anúncio do Evangelho só se realiza na força do
Espírito, que precede os missionários e prepara o coração: Ele é “o motor da
evangelização”.
Descobrimo-lo nos Atos dos Apóstolos, onde em
cada página vemos que o
protagonista do anúncio não é Pedro, Paulo, Estêvão ou Filipe, mas o Espírito Santo. Ainda nos
Atos, narra-se um momento nevrálgico dos primórdios da Igreja, que também nos
pode dizer muito. Nessa época, como hoje, com as consolações não faltavam
tribulações - momentos bons e momentos menos bons – as alegrias eram
acompanhadas por preocupações, ambas as coisas. Uma em particular: como se
comportar com os pagãos que chegavam à fé, com quantos não pertenciam ao povo
hebreu, por exemplo. Eram ou não obrigados a observar as prescrições da Lei
mosaica? Não se tratava de uma questão de pouca importância para aquele povo.
Assim, formam-se dois grupos, entre aqueles que consideravam a observância da
Lei indispensável e quem não. Para discernir, os Apóstolos reúnem-se no que se
chama o “Concílio de Jerusalém”, o primeiro da história. Como resolver o
dilema? Ter-se-ia podido procurar um bom compromisso entre tradição e inovação:
algumas normas observam-se, outras deixam-se de lado. Contudo, os Apóstolos não
seguem esta sabedoria humana para procurar um equilíbrio diplomático entre uma
e outra, não seguem isto, mas adaptam-se à obra do Espírito, que os tinha
antecipado, descendo sobre os pagãos como sobre eles.
Portanto, eliminando quase todas as
obrigações ligadas à Lei, comunicam as decisões finais, tomadas – e escrevem
assim - «pelo Espírito Santo e por nós» (cf. At 15, 28) saiu esta, o Espírito Santo connosco, assim
agem sempre os Apóstolos. Juntos, sem se dividir, não obstante as diferentes
sensibilidades e opiniões, põem-se à escuta do Espírito. E Ele ensina algo,
válido até hoje: cada tradição religiosa é útil, se facilitar o encontro com
Jesus, cada tradição religiosa é útil se agilizar o encontro com Jesus.
Poderíamos dizer que a decisão histórica do primeiro Concílio, do qual também
nós nos beneficiamos, foi movida por um princípio, o princípio do anúncio: tudo na Igreja deve
conformar-se com as exigências do anúncio do Evangelho; não com as opiniões dos
conservadores ou dos progressistas, mas com o facto de que Jesus alcance a vida
das pessoas. Por conseguinte, cada escolha, cada uso, cada estrutura e cada
tradição devem ser avaliados na medida em que favorecerem o anúncio de Cristo.
Quando se encontram decisões na Igreja, por exemplo, divisões ideológicas: “Sou
conservador porque... sou progressista porque...”. Mas onde está o Espírito
Santo? Estai atentos que o Evangelho não é uma ideia, o Evangelho não é uma
ideologia: o Evangelho é um anúncio que toca o coração e te faz mudar o
coração, mas se tu te refugiares numa ideia, numa ideologia quer de direita
quer de esquerda quer de centro, estás a fazer do Evangelho um partido
político, uma ideologia, um clube de pessoas. O Evangelho oferece-te sempre
esta liberdade do Espírito que age em ti e te leva em frente. E quanto é
necessário hoje pegar pela mão a liberdade do Evangelho e deixar-nos levar em
frente pelo Espírito.
Assim, o Espírito ilumina o caminho da
Igreja, sempre. Com efeito, Ele não é apenas a luz do coração, é a luz que
orienta a Igreja: ilumina, ajuda a distinguir, ajuda a discernir. Por isso, é
necessário invocá-lo frequentemente; façamo-lo também hoje, no início da
Quaresma. Pois, como Igreja, podemos ter tempos e espaços bem definidos,
comunidades, institutos e movimentos bem organizados, mas sem o Espírito, tudo
permanece sem alma. A organização não é suficiente: é o Espírito que dá vida à
Igreja. Se não rezar a Ele e não o invocar, a Igreja fecha-se em si mesma, em
debates estéreis e extenuantes, em polarizações desgastantes, enquanto a chama
da missão se extingue. É muito triste ver a Igreja como se fosse um parlamento;
não, a Igreja é outra coisa. A Igreja é a comunidade de homens e mulheres que
acreditam e anunciam Jesus Cristo mas movidos pelo Espírito Santo, não pelas
próprias razões. Sim, usa-se a razão mas vem o Espírito que a ilumina e move. O
Espírito faz-nos sair, impele-nos a anunciar a fé, impele-nos para nos confirmarmos
na fé, a ir em missão para reencontrarmos quem somos. Por isso, o Apóstolo
Paulo recomenda assim: «Não extingais o Espírito!» (1 Ts 5, 19), não extingais o Espírito. Oremos com
frequência ao Espírito, invoquemo-lo, peçamos-lhe todos os dias que acenda em
nós a sua luz. Façamo-lo antes de cada encontro, para nos tornarmos apóstolos
de Jesus com as pessoas que encontrarmos. Não extingais o Espírito nas
comunidades cristãs nem dentro de cada um de nós.
Caros irmãos e irmãs, como Igreja comecemos e
recomecemos do Espírito Santo. «Sem dúvida, é importante que nas nossas
programações pastorais comecemos a partir das sondagens sociológicas, das
análises, da lista de dificuldades, do elenco de expetativas e queixas. No
entanto, é muito mais importante começar a partir das experiências do Espírito: eis o verdadeiro início.
Portanto, é necessário procurá-las, enumerá-las, estudá-las, interpretá-las.
Trata-se de um princípio fundamental que, na vida espiritual, é chamado primado da consolação sobre a
desolação. Primeiro há o Espírito que consola, reanima, ilumina, se move;
depois, haverá também a desolação, o sofrimento, a escuridão, mas o princípio
para se regular na obscuridade é a luz do Espírito» (C.M. MARTINI, Evangelizzare nella consolazione
dello Spirito, 25 de setembro de 1997). Este é o princípio para
se regular nas coisas que não se compreendem, nas confusões, inclusive nas
muitas escuridões, é importante. Procuremos interrogar-nos se nos abrimos a
esta luz, se lhe damos espaço: invoco o Espírito? Cada um responda no
próprio íntimo. Quantos de nós rezamos ao Espírito? “Não, padre, rezo a Nossa
Senhora, rezo aos Santos, rezo a Jesus, mas às vezes, rezo o Pai-Nosso, rezo ao
Pai” – “E ao Espírito? Tu não rezas ao Espírito, que é aquele que te faz mover
o coração, que te leva em frente, te leva à consolação, leva em frente a tua
vontade de evangelizar e de fazer missão?”. Deixo-vos esta pergunta: Rezo ao
Espírito Santo? Deixo-me orientar por Ele, que me convida a não me
fechar, mas a levar Jesus, a dar testemunho do primado da consolação de Deus
sobre a desolação do mundo? Nossa Senhora que compreendeu este bem nos faça
entender isto.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 22.02.23
Texto: Retirado do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 26/02/2023;
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 26/02/2023;
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023
Hoje cumpriu-se este oráculo, que acabais de ouvir. (Lc 4, 21)
Na quarta-feira passada refletimos sobre
Jesus, modelo do anúncio, sobre o seu coração pastoral, sempre
propenso para os outros. Hoje olhemos para Ele como mestre do anúncio. Deixemo-nos orientar pelo episódio em que
Ele prega na sinagoga do seu povoado, Nazaré. Jesus lê um trecho do profeta
Isaías (cf. 61, 1-2) e depois surpreende todos com um “sermão” muito breve, de
uma única frase, uma só frase. Diz assim: «Hoje cumpriu-se este oráculo,
que acabais de ouvir» (Lc 4,
21). Esta foi a pregação de Jesus: «Hoje cumpriu-se este oráculo, que acabais
de ouvir». Isto significa que para Jesus essa passagem profética contém o
essencial daquilo que Ele quer dizer de si. Por conseguinte, cada vez que
falamos de Jesus, deveríamos seguir aquele seu primeiro anúncio. Então, vejamos
em que consiste este primeiro anúncio. Podemos identificar cinco elementos
essenciais.
O primeiro elemento é a alegria. Jesus proclama: «O
Espírito do Senhor está sobre mim; [...] enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres» (v.
18), isto é, um anúncio de júbilo, de alegria. Boa nova: não se pode falar de
Jesus sem alegria, porque a fé é uma maravilhosa história de amor a partilhar.
Testemunhar Jesus, fazer algo pelos outros em seu nome, é dizer nas entrelinhas
da vida que se recebeu um dom tão bonito que nenhuma palavra é suficiente para
o expressar. Ao contrário, quando falta alegria, o Evangelho não passa, pois
ele – como a própria palavra o diz - é bom anúncio, e Evangelho quer dizer bom anúncio, anúncio de
alegria. O cristão triste pode falar de coisas maravilhosas, mas será tudo em
vão se o anúncio que transmite não for jubiloso. Dizia um pensador: “um cristão
triste é um triste cristão”: não esqueçais isto.
Passemos para o segundo aspeto: a libertação. Jesus diz que foi
enviado «para anunciar a libertação aos cativos» (v. 19). Isto significa que
quem anuncia Deus não pode fazer proselitismo, não, não pode pressionar os
outros, mas deve aliviá-los: não impor fardos, mas livrar deles; levar paz, não
sentimentos de culpa. Sem dúvida, seguir Jesus exige ascese, exige sacrifícios;
de resto, se cada coisa boa o requer, muito mais o exige a realidade decisiva
da vida! Mas quem dá testemunho de Cristo mostra a beleza da meta, mais do que
o cansaço do caminho. Ter-nos-á ocorrido contar a alguém sobre uma bela viagem
que fizemos. Por exemplo, teríamos falado da beleza dos lugares, do que vimos e
vivemos, não do tempo para lá chegar, nem das filas no aeroporto, não! Assim,
qualquer anúncio digno do Redentor deve comunicar libertação. Como aquele de
Jesus. Hoje há alegria pois vim libertar.
Terceiro aspeto: a luz. Jesus diz que veio
para restituir «aos cegos o recobrar da vista» (ibid.). É impressionante que em toda a Bíblia, antes de
Cristo, nunca aparece a cura de um cego, nunca. Com efeito, era um sinal
prometido que viria com o Messias. Contudo, aqui não se trata apenas da vista
física, mas de uma luz que faz ver a vida de modo novo. Há um “vir à luz”, um
renascimento que só se verifica com Jesus. Pensando bem, foi assim que a vida
cristã teve início para nós: com o Batismo, que antigamente se chamava
precisamente “iluminação”. E que luz nos dá Jesus? Traz-nos a luz da filiação: Ele
é o Filho amado do Pai, vivo para sempre; e com Ele, também nós somos filhos de
Deus, amados para sempre, não obstante os nossos erros e defeitos. Então, a
vida já não é um avançar cego rumo ao nada, não: não é questão de destino
ou sorte, não é algo que depende do acaso ou das estrelas, nem sequer da saúde
ou das finanças, não. A vida depende do amor, do amor do Pai, que cuida de nós,
seus filhos amados. Como é maravilhoso partilhar esta luz com os outros! Já
pensastes que a vida de cada um de nós – a minha vida, a tua vida, a nossa vida
– é um gesto de amor? É um convite ao amor? Isto é maravilhoso! Mas muitas
vezes esquecemos isto, face às dificuldades, diante das más notícias, também
diante – e isto é terrível – da mundanidade, do modo de viver mundano.
Quarto aspeto do anúncio: a cura. Jesus diz que veio
«para libertar os oprimidos» (ibid.).
Oprimido é aquele que, na vida, se sente esmagado por algo que acontece:
doenças, canseiras, pesos no coração, sentimentos de culpa, erros, vícios,
pecados... Oprimidos por isto: pensemos por exemplo nos sentimentos de culpa.
Quantos de nós sofreram com isto? Pensemos um pouco num sentimento de culpa
deste, daquele… O que nos oprime é, acima de tudo, precisamente aquele mal que
nenhum medicamento ou remédio humano pode curar: o pecado. E se alguém tem
sentimento de culpa por algo que fez, e se sente mal... mas a boa notícia é que
com Jesus este mal antigo, o pecado, que parece invencível, já não tem a última
palavra. Posso pecar, pois sou débil. Cada um de nós o pode fazer, mas esta não
é a última palavra. A última palavra é a mão estendida de Jesus que te ergue do
pecado. E padre, quando o faz? Uma vez? Não. Duas? Não. Três? Não. Sempre. Cada
vez que estás mal, o Senhor tem sempre a mão estendida. É preciso apenas pegar
nela e deixar-se levar. A boa notícia é que com Jesus este mal antigo não tem a
última palavra: a última palavra é a mão estendida de Jesus que te leva em
frente. Do pecado, Jesus cura-nos sempre. E quanto devo pagar pela cura? Nada. Cura-nos sempre e gratuitamente.
Ele convida quantos estão «cansados e oprimidos» - disse-o no Evangelho –
convida a ir até Ele (cf. Mt 11,
28). E então, acompanhar alguém ao encontro de Jesus significa levá-lo ao
médico do coração, que alivia a vida. Significa dizer: “Irmão, irmã, não tenho
respostas para muitos dos teus problemas, mas Jesus conhece-te, Jesus ama-te,
pode curar-te e tranquilizar o coração”.
Quem carrega fardos precisa de uma carícia no passado.
Muitas vezes ouvimos: “Mas eu precisaria de curar o meu passado… preciso de uma
carícia naquele passado que me pesa muito…”. Tem necessidade de perdão. E quem
acredita em Jesus tem precisamente isto para oferecer ao próximo: a força do
perdão que liberta a alma de qualquer dívida. Irmãos, irmãs, não esqueçais:
Deus esquece tudo. Porquê? Sim, esquece todos os nossos pecados, deles não há
memória. Deus perdoa tudo pois esquece os nossos pecados. Só precisamos de nos
aproximar do Senhor e Ele perdoa-nos tudo. Pensai em algo do Evangelho, naquele
que começou a falar: “Senhor, pequei!”. Aquele filho… E o pai fecha-lhe a boca
com a mão. “Não, está bem, nada…” Não o deixa acabar… Isto é bonito. Jesus
espera-nos para nos perdoar, para nos sarar. E quanto? Uma vez? Duas vezes?
Não. Sempre. “Mas, padre, faço as mesmas coisas sempre...”. E também ele fará
as suas mesmas coisas sempre: perdoa-te, abraça-te. Por favor, não duvidemos
disto. É assim que se ama o Senhor. Quem carrega pesos e precisa de uma
carícia no passado, precisa de perdão, saiba que Jesus o faz. E é isto que
Jesus oferece: libertar a alma de cada dívida. Na Bíblia fala-se de um ano em
que libertava do peso das dívidas: o Jubileu, o ano da graça. Como se fosse o
último ponto do anúncio!
Com efeito, Jesus diz que veio «para
proclamar o ano da graça do Senhor» (Lc 4, 19). Não era um jubileu programado, como aqueles
que estamos a fazer agora, que tudo é programado e pensamos em como fazer, como
não fazer… Não. Mas com Cristo a graça que renova a vida chega e surpreende
sempre. Cristo é o Jubileu de cada dia, de cada hora, que se aproxima de ti,
para te acariciar, para te perdoar. E o anúncio de Jesus deve trazer
sempre o enlevo da graça.
Este enlevo… “Não acredito, fui perdoado, fui perdoada”. Mas é tão grande o
nosso Deus! Pois não somos nós que fazemos grandes coisas, mas é a graça do
Senhor que, inclusive através de nós, realiza coisas imprevisíveis. E estas são
as surpresas de Deus! Deus é um mestre das surpresas. Surpreende-nos sempre,
espera-nos sempre. Nós chegamos, e Ele está à espera. Sempre. O Evangelho é
acompanhado por um sentimento de maravilha e de novidade que tem um nome:
Jesus!
Que Ele nos ajude a anunciá-lo como deseja,
comunicando alegria,
libertação, luz, cura e enlevo. É assim que se comunica Jesus.
Um último aspeto: este feliz anúncio, que recita o
Evangelho, é dirigido «aos pobres» (v. 18). Muitas vezes esquecemo-nos deles,
no entanto são os destinatários explicitamente mencionados porque são os
prediletos de Deus. Lembremo-nos deles, e recordemos que, para receber o
Senhor, cada um de nós deve fazer-se “pobre dentro”. Com aquela pobreza que faz
dizer… “Senhor, preciso de perdão, preciso de ajuda, preciso de força”. A
pobreza que todos temos: tornar-se pobre dentro. Trata-se de superar qualquer
pretensão de autossuficiência para compreender que é necessitado de graça, e
sempre necessitado d’Ele. Se alguém me disser: Padre, mas qual é a via mais
breve para encontrar Jesus? Torna-te necessitado. Torna-te necessitado de
graça, necessitado de perdão, necessitado e alegria. E Ele aproximar-se-á de
ti.
Papa Francisco
Catequese na audiência Geral 25.01.23
Texto: Retirado do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em
13/02/2023;
Imagem: Retirada
da "Google imagens" em 13/02/2023"
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023
Jovem...é das tuas mãos que nasce o amanhã...
À REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO E SUDÃO DO SUL
DISCURSO DO SANTO PADRE
Estádio dos Mártires (Kinshasa)
Quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023
Obrigado pela vossa amizade, a
vossa dança e as vossas palavras! Estou feliz por ter podido fixar-vos nos
olhos, saudar-vos e abençoar-vos, enquanto as vossas mãos levantadas para o céu
faziam festa.
Agora quero pedir-vos para durante
alguns momentos olhardes, não para mim, mas concretamente para as vossas mãos:
abri as palmas das mãos e fixai nelas os olhos. Amigos, Deus colocou nas vossas
mãos o dom da vida, o futuro da sociedade e deste grande país. Irmão, irmã, as
tuas mãos parecem-te pequenas e frágeis, vazias e inaptas para tarefas tão
grandes? Quero, porém, fazer-te notar uma coisa: todas as mãos são semelhantes,
mas não há nenhuma igual a outra; ninguém tem mãos iguais às tuas. Por isso, tu
és uma riqueza única, irrepetível e incomparável. Ninguém, na história, te pode
substituir. Pergunta-te então: Para que servem estas minhas mãos? Para
construir ou destruir, dar ou reter, amar ou odiar? Vê! Podes apertar a mão e
fechá-la, torna-se um punho; ou podes abri-la e colocá-la à disposição de Deus
e dos outros. Aqui está a opção fundamental, desde os tempos antigos, desde
Abel que ofereceu com generosidade os frutos do seu trabalho, enquanto Caim
levantou a mão contra o irmão e o matou (cf. Gn 4, 8). Jovem
que sonhas com um futuro diferente, é das tuas mãos que nasce o amanhã; das
tuas mãos, pode vir a paz que falta a este país. Mas, concretamente, como
fazer? Quero sugerir-vos alguns «ingredientes para construir o futuro»:
justamente cinco, que podeis associar aos dedos duma mão.
Ao polegar, o dedo mais próximo do
coração, corresponde a oração, que faz pulsar a vida.
Pode parecer uma coisa abstrata, distante da realidade concreta dos problemas.
Mas a oração é o primeiro ingrediente, e o fundamental, porque sozinhos nada
conseguimos fazer. Não somos omnipotentes e, quando alguém julga que o é, acaba
por falhar miseravelmente. É como uma árvore desenraizada: mesmo que seja
grande e robusta, sozinha não se aguenta de pé. Por isso mesmo, é preciso
radicar-se na oração, na escuta da Palavra de Deus, que nos permite crescer
cada dia em profundidade, dar fruto e transformar o ar poluído que respiramos
em oxigénio vivificante. Para o conseguir, cada árvore precisa dum elemento
simples e essencial: a água. Pois bem! A oração é «a água da alma»: é humilde,
não se vê, mas dá vida. Quem reza, amadurece interiormente e sabe erguer o
olhar para o Alto, lembrando-se de que foi feito para o Céu.
Irmão, irmã, há necessidade de
oração, duma oração viva. Não te dirijas a Jesus como a um ser
distante e estranho de quem se tem medo, mas como ao maior amigo, que deu a
vida por ti. Conhece-te, confia em ti e ama-te, sempre. Se O contemplas
suspenso na cruz para te salvar, compreendes quanto vales para Ele. E podes
confiar-Lhe, colocando sobre a sua cruz as tuas cruzes, os teus medos, as tuas
preocupações. Abraçá-los-á; já o fez há dois mil anos, e aquela cruz, que hoje
suportas, já fazia parte da d’Ele. Portanto, não tenhas medo de tomar o
crucifixo nas mãos e apertá-lo ao peito, de derramar as tuas lágrimas por
Jesus. E não te esqueças de fixar o seu rosto, o rosto dum Deus jovem, vivo,
ressuscitado! Sim, Jesus venceu o mal; fez, da cruz, a ponte para a
ressurreição. Por isso, cada dia levanta as mãos para Ele a fim de O louvar e
bendizer; grita-Lhe as esperanças do teu coração, confia-Lhe os segredos mais
íntimos da vida: a pessoa que amas, as feridas que guardas dentro, os sonhos
que tens no coração. Fala-Lhe do teu bairro, dos vizinhos, dos professores, dos
companheiros, dos amigos e colegas; do teu país. Deus gosta desta oração viva,
concreta, feita com o coração. Permite-Lhe intervir, entrar nos sulcos da vida
dum modo especial, ou seja, com a sua «força de paz». Esta tem um nome; sabeis
quem é? É o Espírito Santo, Aquele que consola e dá vida. É o motor da paz, é a
verdadeira força de paz. Por isso mesmo, a oração é a arma mais poderosa que
existe. Transmite-te o conforto e a esperança de Deus. Abre-te sempre novas
possibilidades e ajuda-te a superar os medos. É verdade! Quem reza vence o medo
e assume o próprio futuro. Acreditais nisto? Quereis escolher a oração como
vosso segredo, como água da alma, como única arma a trazer convosco, como
companheira de viagem todos os dias?
Agora fixemos o segundo dedo, o
indicador. Com ele, indicamos algo aos outros. Os
outros, a comunidade: aqui está o segundo ingrediente. Amigos, não
deixeis que a vossa juventude seja arruinada pela solidão e o isolamento.
Imaginai-vos sempre juntos, e sereis felizes, porque a comunidade é o caminho
para estar bem connosco mesmos, para ser fiéis à própria vocação. As escolhas
individualistas, pelo contrário, no início parecem aliciadoras, mas depois
deixam dentro apenas um grande vazio. Pensai nas drogas: escondes-te dos
outros, da vida verdadeira, para te sentires omnipotente; e, no fim,
encontras-te privado de tudo. Mas pensai também na dependência do ocultismo e
da feitiçaria, que enredam nas grinfas do medo, da vingança e da raiva. Não vos
deixeis fascinar por falsos paraísos egoístas, construídos sobre aparências,
ganhos fáceis ou religiosidades distortas.
E guardai-vos da tentação de
apontar o dedo contra alguém, de excluir o outro por ser de origem diferente da
vossa; guardai-vos do regionalismo, do tribalismo, que parecem reforçar-vos no
vosso grupo quando, pelo contrário, representam a negação da comunidade. Sabeis
como acontece: primeiro, crê-se nos preconceitos sobre os outros, depois
justifica-se o ódio e em seguida a violência, no fim encontramo-nos no meio da
guerra. Mas tu – pergunto – já terias falado com pessoas dos outros grupos ou
sempre estiveste fechado no teu? Terias já escutado as histórias dos outros,
debruçando-te sobre as suas tribulações? Claro, é mais fácil condenar alguém do
que compreendê-lo; mas o caminho que Deus indica para construir um mundo melhor
passa pelo outro, pelo conjunto, pela comunidade. É fazer Igreja, alargar os
horizontes, ver em cada um o meu próximo, cuidar do outro. Vês alguém sozinho,
atribulado, negligenciado? Aproxima-te dele, não para lhe fazeres ver como és
bom, mas para lhe dar o teu sorriso e oferecer-lhe a tua amizade.
David, disseste que vós jovens
quereis, e justamente, estar conectados com os outros, mas que as
redes sociais frequentemente vos confundem. É verdade! O mundo virtual não é
suficiente, não nos podemos contentar em interagir com pessoas distantes ou
mesmo falsas. A vida real não se toca com um dedo no ecrã. É triste ver jovens
que passam horas diante dum telemóvel: depois de largarem aquele espelho, se
olhares para o seu rosto, verás que não sorri, o olhar tornou-se cansado e
enjoado. Nada e ninguém pode substitui a força de estar juntos, a luz dos
olhos, a alegria da partilha! É essencial falar e ouvirmo-nos: não vos
contenteis com o ecrã onde cada um procura o que lhe interessa; em vez disso
descobri cada dia a beleza de vos deixardes maravilhar pelos outros, as suas
histórias e as suas experiências.
Tentemos agora experimentar o que
significa fazer comunidade. Durante alguns momentos, por favor, dai a mão a
quem está ao vosso lado. Senti-vos uma única Igreja, um único Povo. Sente que o
teu bem depende do bem do outro, que é multiplicado se for posto em conjunto.
Sente-te guardado pelo irmão e pela irmã, por alguém que te aceita assim como
és e quer cuidar de ti. E sente-te responsável pelos outros, parte viva duma
grande rede de fraternidade, onde nos apoiamos reciprocamente e tu és
indispensável. Sim! És indispensável e responsável pela tua Igreja e pelo teu
país; fazes parte duma história maior, que te chama a ser protagonista: criador
de comunhão, campeão de fraternidade, corajoso sonhador dum mundo mais unido.
Nesta aventura, não estais
sozinhos; apoia-vos a Igreja inteira, espalhada por todo o mundo. Trata-se dum
desafio difícil, mas possível. E tendes também amigos que, das bancadas do Céu,
vos impelem para estas metas. Sabeis quem são? Os santos. Penso, por exemplo,
no Beato Isidoro Bakanja, na Beata Maria Clementina Anuarita, em São Kizito e
nos seus companheiros: testemunhas da fé, mártires que nunca cederam à lógica
da violência, mas confessaram, com a vida, a força do amor e do perdão. Os seus
nomes, escritos no Céu, ficarão na história, enquanto o fechamento e a
violência sempre revertem em detrimento de quem os comete. Sei que já várias
vezes demonstrastes saber erguer-vos para defender, mesmo à custa de grandes
sacrifícios, os direitos humanos e a esperança duma vida melhor para todos no
país. Agradeço-vos por isso e honro a memória de tantos que perderam a vida ou
a saúde por estas nobres causas. E encorajo-vos: avançai juntos, sem medo, como
comunidade!
Oração, comunidade… E chegamos
ao dedo central, que se alonga um pouco mais além dos outros para de certo modo
nos lembrar uma coisa imprescindível. É o ingrediente fundamental para um
futuro que esteja à altura das vossas expectativas. É a honestidade !
Ser cristão é testemunhar Cristo. Ora o primeiro modo de o fazer é viver
retamente, como Ele quer. Isto significa não se deixar enredar nos laços da
corrupção. O cristão só pode ser honesto, senão trai a sua identidade. Sem
honestidade, não somos discípulos e testemunhas de Jesus; somos pagãos,
idólatras que se adoram a si próprios em vez de Deus, que se servem dos outros
em vez de servir os outros.
Mas – pergunto – como se vence o
câncer da corrupção, que parece expandir-se sem nunca parar? São Paulo
ajuda-nos, com uma frase simples e genial, que podeis repetir até a recordar de
cor. É esta: «Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12,
21). Não te deixes vencer pelo mal: não vos deixeis manipular por
indivíduos ou grupos que procuram servir-se de vós para manter o vosso país na
espiral da violência e da instabilidade, para continuarem a controlá-lo sem
consideração por ninguém. Mas vence o mal com o bem: sede vós os
transformadores da sociedade, os conversores do mal em bem, do ódio em amor, da
guerra em paz. Quereis sê-lo? Se quiserdes, é possível… E sabeis porquê? Porque
cada um de vós tem um tesouro que ninguém vos pode roubar: são as vossas
opções. Sim! Tu és o resultado das opções que realizas, e
sempre podes escolher a coisa certa a fazer. Somos livres para escolher: não
permitais que a vossa vida seja arrastada pela torrente poluída, não vos
deixeis levar como tronco seco num rio sujo. Indignai-vos, sem nunca ceder aos
aliciamentos persuasivos, mas envenenados, da corrupção.
Vem-me à mente o testemunho dum
jovem como vós, Floribert Bwana Chui: há quinze anos – contava ele apenas 26 –
foi morto em Goma por ter bloqueado a passagem de alimentos estragados, que
teriam danificado a saúde das pessoas. Poderia deixar correr, não o teriam
descoberto e ainda ganharia qualquer coisa naquilo. Mas, como cristão, rezou,
pensou nos outros e escolheu ser honesto, dizendo não à imundície da corrupção.
Isto é conservar as mãos limpas, enquanto as mãos, que ganham em tráficos
ilícitos, ficam ensanguentadas. Se alguém te entregar um envelope prometendo
favores e riquezas, não caias na armadilha, não te deixes enganar, não te
deixes engolir pelo pântano do mal. Não te deixes vencer pelo mal,
não acredites nas tramoias obscuras do dinheiro, que te fazem precipitar na
noite. Ser honesto é brilhar como de dia, é espalhar a luz de Deus, é viver a
bem-aventurança da justiça: vence o mal com o bem!
Passamos ao quarto dedo: o anular.
Nele se colocam as alianças nupciais. Mas, se pensarmos bem, o anular
é também o dedo mais frágil, aquele que tem mais dificuldade para se levantar.
Lembra-nos que as grandes metas da vida, a começar pelo amor, passam por
fragilidades, canseiras e dificuldades. Devem ser vividas, enfrentadas com
paciência e confiança, sem nos sobrecarregarmos com problemas inúteis, como,
por exemplo, transformar o valor simbólico do dote num valor quase de mercado.
Mas nas nossas fragilidades, nas crises, qual é a força que nos faz
continuar? O perdão. Pois perdoar quer dizer saber recomeçar.
Perdoar não significa esquecer o passado, mas não se resignar com o facto de
poder repetir-se. É mudar o curso da história. É levantar quem caiu. É aceitar
a ideia de que ninguém é perfeito e que todos – e não só eu – têm o direito de
recomeçar.
Amigos, para criar um futuro novo,
precisamos de dar e receber o perdão. É o que faz o cristão: não se limita a
amar aqueles que o amam, mas sabe interromper, com o perdão, a espiral das
vinganças pessoais e tribais. Penso no Beato Isidoro Bakanja, um irmão vosso
que foi torturado longamente porque não renunciara a testemunhar a sua piedade
e propusera o cristianismo a outros jovens. Nunca cedeu a sentimentos de ódio
e, ao dar a vida, perdoou ao seu carrasco. Quem perdoa leva Jesus mesmo aonde
não é acolhido, introduz amor onde o amor é rejeitado. Quem perdoa constrói o
futuro. Mas como tornar-se capaz de perdão? Deixando-se perdoar por Deus.
Sempre que nos confessamos, somos os primeiros a receber em nós aquela força
que muda a história. Da parte de Deus, somos perdoados sempre e gratuitamente;
quanto a nós, é-nos dito – como se lê no Evangelho – «vai e faz tu também o
mesmo» (Lc 10, 37). Caminha, pondo fim ao rancor, sem veneno, sem
ódio. Caminha, assumindo o estilo de Deus, o único que renova a história.
Caminha e acredita que, com Deus, sempre se pode recomeçar, sempre se pode
voltar a partir, sempre se pode perdoar!
Oração, comunidade, honestidade,
perdão. Chegamos ao último dedo: o mindinho. Tu poderias dizer: sou pequeno,
e o bem que possa fazer não passa duma gota no oceano. Mas é precisamente a
pequenez, o fazer-se pequenino que atrai Deus. Há uma palavra-chave neste
sentido: serviço. Quem serve, faz-se pequenino. Como uma
semente minúscula que parece desaparecer na terra e, em vez disso, dá fruto.
Segundo Jesus, o serviço é o poder que transforma o mundo. Deste modo, a
simples pergunta que poderias até atar ao dedo, para não te esqueceres de a
fazer cada dia, é esta: Eu, que posso fazer pelos outros? Ou
seja: como posso servir a Igreja, a minha comunidade, o meu país? Olivier,
disseste-nos que nalgumas regiões isoladas sois vós, os catequistas, que servis
diariamente a comunidade dos fiéis e que isto, na Igreja, deve ser «tarefa de
todos». É verdade! E é belo servir os outros, cuidar deles, fazer algo
gratuitamente, como Deus faz connosco. Quero agradecer-vos, queridos
catequistas: para muitas comunidades, sois vitais como a água! Fazei-as crescer
sempre com a clareza da vossa oração e do vosso serviço. Servir não é ficar de
braços cruzados, é mobilizar-se. Muitos movem-se, porque seduzidos pelos
próprios interesses; vós não tendes medo de vos mobilizar em prol do bem,
investir no bem, no anúncio do Evangelho, preparando-vos com paixão e
adequadamente, dando vida a projetos organizados e de longo prazo. E não tendes
medo de fazer ouvir a vossa voz, porque, nas vossas mãos, está o futuro e
também o presente. Vós estais mesmo no ponto central do presente!
Amigos, deixei-vos cinco conselhos
para identificar prioridades no meio das inúmeras e persuasivas vozes que
circulam. Muitas vezes na vida, como na circulação estradal, é a desordem que
cria engarrafamentos e inúteis bloqueios, que fazem perder tempo e energias e
alimentam a cólera. Ao contrário, faz-nos bem, mesmo na confusão, dar ao
coração e à vida pontos firmes, direções estáveis, para iniciar um futuro diferente,
sem se deixar levar pelos ventos do oportunismo. Queridos amigos, jovens e
catequistas, agradeço-vos pelo que sois e fazeis: pelo vosso entusiasmo, a
vossa luz e a vossa esperança. Quero dizer-vos uma última coisa: nunca
desanimeis! Jesus confia em vós e nunca vos deixa sozinhos. A alegria que hoje
tendes, guardai-a e não deixeis que se apague. Como dizia Floribert aos seus
amigos, quando estavam deprimidos: «Pega no Evangelho e lê-o! Consolar-te-á,
dar-te-á alegria». Juntos, saí do pessimismo, que paralisa. A República
Democrática do Congo espera, das vossas mãos, um futuro diverso, porque o
futuro está nas vossas mãos. O vosso país voltará a ser, graças a vós, um
jardim fraterno, o coração de paz e liberdade da África! Obrigado!
Texto: Retirado do Site do Vaticano - http://www.vatican.va/ em 09/02/2023;
Imagem: Retirada da "Google imagens" em 09/02/2023;