Uma comunidade que se reúne para escutar
a Palavra de Deus, para comer juntos do mesmo pão e beber todos do mesmo “cálice”
de Jesus são sinais que têm uma força extraordinária de comunhão.
Perguntaram a um senhor que é o animador
de algumas comunidades cristãs na Amazónia brasileira como estão a correr as
coisas, e ele respondeu: «Temos dificuldades grandes porque já não sabemos
comer do mesmo prato!»
Há uns anos - continuou a explicar o
senhor José Valdeci (Fides, 27/6/18) - quando alguém tinha boa sorte na pesca,
ou conseguia capturar uma boa peça de caça, havia abundância para todos na
aldeia, e o prato grande onde comíamos todos juntos era um lugar especial para
nos encontrarmos todos. Hoje, o nosso grande rio continua a ser generoso, e na
nossa floresta não falta caça, mas chegou o dinheiro, e quem volta a casa carregado
já não cozinha para o grande prato comum. Vende, arrecada o dinheiro, e se
amanhã voltar a casa com o saco vazio, pode sempre comprar a quem teve mais
sorte na pesca. E o grande prato comum fica quase sempre vazio.
Enquanto se vai preparando o Sínodo especial
dos Bispos sobre a Amazónia (Outubro de 2019), esta experiência de um
catequista e animador leigo de várias comunidades cristãs ao longo do grande
rio Amazonas pode ajudar-nos a pensar sobre um aspecto da vida das nossas
comunidades que me parece importantíssimo, mas que pode estar a ficar
esquecido: comer do mesmo prato.
Quando celebramos a Eucaristia, são
absolutamente centrais os dois gestos de “comer do mesmo pão”, e “beber do
mesmo cálice”. Algumas controvérsias teológicas do passado sobre a presença
real de Jesus na Eucaristia, e talvez também a falta de cuidado de nós
sacerdotes na maneira como conduzimos a celebração, levam muitas comunidades a
prestar pouca atenção a estes dois gestos fundamentais da Missa.
É curioso notar que nas quatro narrações
que temos no Novo Testamento sobre estes dois gestos de Jesus (Mateus, Marcos,
Lucas e 1 Coríntios) os textos colocam ao centro da atenção o comer juntos do
mesmo pão que foi partido e repartido por todos, e o beber todos do mesmo
cálice (melhor traduzindo como «malga» ou «tijela»?). Os estudiosos destes
textos chamam à atenção para um pormenor interessante: quando chega o momento
de beber, a ênfase é toda sobre o «beber do mesmo recipiente»; o conteúdo que
se bebe parece ficar em segundo plano. E, no texto de S.Paulo (1 Cor 11,25…),
nem sequer fala do vinho.
Uma comunidade de pessoas de todas as
idades e condições de vida que se reúnem para escutar a Palavra de Deus e comer
juntos do mesmo pão repartido e beber todos do mesmo “cálice” de Jesus são
sinais que, se bem feitos, têm uma força extraordinária de comunhão! Seria
preciso talvez adaptar alguma coisa na nossa maneira tradicional de celebrar a
Eucaristia, para dar força a estes gestos de “comer todos do mesmo pão” e “
beber todos do mesmo cálice”. Se há gestos que criam aquilo que significam,
estes são certamente desses! Como o grande prato comum das comunidades do
animador José Valdeci, ao longo do rio Amazonas. Sentar-se todos à volta
daquele prato era muito mais do que encher a barriga de carne assada ou peixe
fresco. Conseguiremos nós fazer com que o “comer todos do mesmo pão” e “beber
todos do mesmo cálice” volte a ter a força que Jesus lhes quis dar?
Pe
Fernando Domingues-Missionário Comboniano
Artigo
retirado da Revista “além-mar” de Setembro de 2018, na rúbrica “APONTAMENTOS”.