Ao princípio parecia-lhe interessante.
Ser água da montanha. Morar nas alturas, cantar naquele silêncio, onde só as
águias faziam o ninho. A cada passo, elas vinham ter com a água beijavam-na com
ternura e neste beijo matavam a sede.
Descia a encosta, despreocupada e feliz
e cá em baixo, eram as pessoas que iam ter com ela. Tomavam-na nas mãos,
matavam a sede, depois enchiam as bilhas e lá partiam rumo à aldeia. Ouvia-lhes
os segredos, sabia das suas vidas e sentia-se da família delas.
Às vezes, eram os trabalhadores ao fim
do dia que vinham ter com ela, lavavam as mãos e os pés, às vezes o rosto e
partiam felizes com a sua frescura. E as crianças, no fim da escola, vinham
brincar com ela, divertir-se e chapinar.
Ao princípio, a água sentia-se mesmo
feliz.
Mas pouco a pouco deu em andar
cabisbaixa sem gosto para viver naquelas fragas. Afinal, as águias tinham todo
o espaço para voar enquanto ela andava sempre de rastos, sem asas para as
alturas. As pessoas vinham à fonte, é verdade que a apreciavam e a mimavam, mas
logo que enchiam a bilha, cada qual partia, a pensar mais na sua vida do que na
água que levava. Mesmo os que vinham lavar os pés e as mãos olhavam mais para
os pés e para as mãos do que para ela. Até as crianças se esqueciam dela logo
que a sineta tocava para as aulas.
Era triste a vida de uma fonte na
montanha. Até que um dia a água resolveu escrever uma carta a Deus a pedir-lhe
para ser outra coisa. Estava cansada se de ser água para os outros, de não ter
família sua, de não ter histórias para contar.
E todas as manhãs, ainda antes de sol
nascer, a água olhava para o cimo da montanha ver se a resposta de Deus
chegava. Como Deus parecia distante que não havia meio de responder à sua
carta.
Até que um dia, reparou que as águias
mal bebiam, como se tivessem medo de a magoar. E lá em baixo, na planície, as
pessoas só enchiam meia bilha, como se receassem que a água não chegasse para
todos. E as crianças, já não chapinavam nela e a gente grande regressava a casa
com o suor do campo, sem ousar tocar-lhe.
Estava a água muito intrigada a pensar
no porquê desta mudança, quando Deus se aproximou devagarinho e ficou-a olhá-la
em silêncio. E a água viu o rosto de Deus reflectido nela! Trazia uma carta na
mão. Era a resposta ao seu pedido. Vinha dizer-lhe adeus e rever-se nela pela
última vez. “Sabes, tu, assim pura e transparente, eras o meu espelho. Eu
precisava de ti para matar a sede às águias da montanha, dar de beber à aldeia,
refrescar as pessoas cansadas do trabalho, divertir as crianças. Por teu
intermédio, muitos se fizeram meus filhos. O meu Espírito não desceu sobre
ninguém sem que primeiro não fosse purificado por ti. Nos meus tempos da
Palestina, foi a única coisa que eu pedi para mim: um copo de água junto de um
poço. Era um dia de muito sol e de muito cansaço, mas que matou a sede a uma
cidade inteira.
A água estava deslumbrada com o que
ouvia. Nunca se vira tão transparente e tão pura. E tão útil e fecunda. E quase
sem o Senhor dar por ela, tirou-lhe a carta da mão e deitou-a ao ribeiro. E a
carta lá partiu a cantar, toda feliz pelas fragas da montanha. E a água
ficou-se a olhar para Deus, feliz por ser água da fonte.
Falar do mistério da missão em S. Paulo
é penetrar numa fonte sempre a correr, em que nós mergulhamos e onde bebemos
toda a pureza das terras altas.
1. A missão como mistério
A imagem que guardamos de S.Paulo é a de
um missionário itinerante, sempre em viagem, infatigável, levando o Evangelho a
todos os povos, cada vez mais distantes. Parece que lhe servia melhor a veste
de guerreiro que o burel de místico. Mas a verdade é que o grande desafio que
S.Paulo nos lança hoje, mais que a expansão do Evangelho é o da dimensão
contemplativa da missão. Ele é sem dúvida o teólogo que mais penetrou no mistério
da missão apesar das suas viagens constantes e da sua actividade
permanente , S.Paulo nunca viveu à superfície, foi sempre ao fundo das suas
experiências e dos valores em que jogou a sua vida.
A carta aos Efésios é certamente a mais
bela carta que ele escreveu; nessa carta ele toma-nos pela mão e leva-nos
quase de chofre à profundidade do mistério da missão:
“A mim, o menor de todos os santos, foi
dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo, e a todos
iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o
criador de todas as coisas, para que agora, por meio da Igreja, seja dado a
conhecer, aos Principados e às Autoridades no alto do céu a multiforme
sabedoria de Deus, de acordo com o desígnio eterno que Ele realizou em
Cristo Jesus Senhor Nosso. É por isso que eu dobro os joelhos,
diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família nos céus e na terra,
que ele vos conceda de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios da
força pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem
interior que Cristo pela fé, habite nos vossos corações, que estejais
enraizados e alicerçados no amor, para terdes a capacidade de
apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura
e a profundidade…a capacidade de conhecer o amor de Cristo que ultrapassa
todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude
de Deus” ( Ef. 3, 8-20)
Este texto que Paulo escreveu no
primeiro ano do seu cativeiro é um texto fundamental para a teologia da missão.
A missão nasce no seio de Deus é preciso fazer essa viagem para chegarmos ao
umbral da missão.
A palavra “mistério” com que S.Paulo
identifica a missão, é uma das palavras mais densas de conteúdo de toda a
Sagrada Escritura. O Novo testamento cita-a 25 vezes e os Manuscritos o do Mar
Morto ensinam-nos que ela era corrente nas comunidades cristãs das origens.
S. Paulo fala constantemente desse
mistério aos Efésios e explica-lhes que ele não é senão desígnio de Deus, o seu
projecto de salvar todos os homens, por meio de seu Filho. “Deus amou de tal
maneira o mundo que lhe deu o seu Filho”, é certamente a palavra mais bela de
toda a Sagrada Escritura. È neste projecto de Deus que a missão tem a sua
vertente mais profunda. Foi o Pai e não a Igreja que concebeu o plano de salvar
todos os homens e de os pôr em comunhão com o Pai. A missão é terra e
privilégio de Deus. “ Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus , antes
dos séculos, de antemão destinou para nossa glória…Como está escrito, nem
os olhos viram nem os ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em
coração humano, o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas a
nós Deus o revelou pelo seu Espírito” ( ! Cor 2, 6-9)
S.Paulo tem consciência de que ao
anunciar o Evangelho não fazia por conta própria: “ Eu mesmo, quando fui
ter convosco, irmãos, não me apresentei com prestígio da linguagem ou da
sabedoria para vos anunciar os mistérios de Deus. Julguei não dever saber outra
coisa entre vós, a não ser Jesus Cristo este, Crucificado. Estive no meio de
vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor. A minha palavra e a minha
pregação nada tinham de argumentos persuasivos da sabedoria humana, mas eram
uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé não se baseasse na
sabedoria dos homens, mas no poder de Deus “ ( 1 Cor 2, 1-5). È a maior
confissão que Paulo faz da sua vocação apostólica.
Era frequente, antes do Vaticano II,
fundamentar a missão no mandato de Cristo de anunciar o Evangelho a todos os
povos. Ora o Ad Gentes, quase como eco da Lumen Gentium, faz remontar a missão
à sua verdadeira fonte: a missão tem origem na Trindade de Deus. “
O contributo mais decisivo do Vaticano
II para a teologia da missão foi o ter situado a missão na sua verdadeira
fonte: a missão nasce em Deus, é dom de Deus. A nossa colaboração missionária
consiste apenas em nos deixarmos envolver por esse dom Anunciar o Reino é
deixar transparecer este dom de Deus que nos foi confiado no dia do nosso
Baptismo.
O missionário antes de se entregar aos
homens que quer evangelizar, entrega-se a Deus que quer amar. Nós somos
missionários na medida em que nos deixamos tocar pelo mistério de Deus. A
planificação pastoral de Deus é sempre anterior e mais vasta que a nossa. Esse
olhar apaixonado por Deus é fundamental para identificar e legitimar qualquer
iniciativa missionária. È a nossa credencial. Só os santos e os profetas podem
entrar na terra da missão.
Esta leitura contemplativa da missão faz
com que ela seja uma amizade que se descobre pouco a pouco, à medida que nos
abrimos a ela. Exige a entrega do coração para se revelar. De facto, em João,
os discípulos em vez de serem chamados como nos sinópticos, são atraídos,
seduzidos por Jesus e é aprofundando esta amizade que eles entram na missão: “Mestre, onde moras?
Vinde e vede” È preciso entrar na sua casa para acolher o dom da missão. A missão não
se impõe. Só o amor a pode motivar. O diálogo é o espaço privilegiado para
Jesus comunicar o dom do Pai. No diálogo, Jesus acompanha as pessoas na sua
própria descoberta e pede licença para entrar na história de cada um.
O homem é a primeira terra de missão, Da
missão do Verbo, que todos os dias põe a sua mesa na nossa casa, com gestos
que nós compreendemos, com sinais que fazem parte do nosso quotidiano: o pão e
o vinho, a água e a luz, o amor e a festa, a dor e o trabalho, a ternura e a
compaixão.
“Já não sois
estrangeiros nem imigrantes, mas concidadãos dos santos e membros da casa de
Deus, edificados sobre os alicerces dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por
pedra angular o próprio Cristo Jesus. È nele que toda a construção, bem
ajustada, cresce para formar um templo santo no Senhor. È nele que também vós
sois integrados na construção, para formardes uma habitação de Deus, pelo
Espírito” ( Ef 2, 19-20)
2. Chaves de leitura da missão como
contemplação
2.1. A missão como
louvor
“Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo que do alto do céu nos abençoou com toda a espécie de bênçãos
espirituais em Cristo. Foi assim que Ele nos encolheu em Cristo antes da
criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença no amor.
Predestinou-nos para sermos adoptados como seus filhos por meio de Jesus
Cristo, de acordo com o beneplácito da sua vontade, para que seja prestado
louvor à glória da sua graça que gratuitamente derramou sobre nós no seu Filho
bem amado. ( Ef. 1, 3-149
´´É pelo louvor que S.Paulo nos
introduz no coração da missão. Quase todas as suas cartas começam por uma
confissão de louvor. Particularmente a Carta aos Efésios e a Carta aos
Filipenses são dos textos mais belos de louvor e acção de graças de toda a
Bíblia. O apóstolo confessa-se maravilhado por tudo o que Deus lhe revelou e
por tudo o que a sua graça opera no meio do seu povo. Ser escolhido para
anunciar o reino de Deus é uma graça tão grande que só a cantar se pode falar
dela. Não sei se em alguma outra passagem, S.Paulo fala com tanto entusiasmo de
Deus como nesta introdução da Carta a aos Efésios. O louvor e a acção de
graças, um coração radiante por essa novidade e por esta bênção de Deus que nos
atinge no mais profundo do nosso ser , são de facto a primeira palavra do
missionário. A palavra de um apaixonado. Não se pode separar o anúncio do louvor
pois há coisas que só podem ser anunciadas a louvar e a bendizer, com o coração
em festa.
A contemplação é a maneira mais profunda
de conhecer a Deus: é um conhecimento que não precisa da mediação dos
nossos conceitos. Contemplar é estar diante de Deus como se está diante de uma
flor ou diante do mar ou diante do amor. Todo o raciocínio afasta do mistério,
fica à superfície. Se a contemplação é a maneira mais profunda de conhecer e
“ver” a Deus, o louvor é a linguagem mais apropriada para o anunciar. Diante de
uma flor não dizemos o que ela é mas o encanto que tem O louvor tem algo da
eternidade de Deus: ele leva-nos `a manhã da criação onde a mão de Deus tocou o
mundo dos homens. È esse toque de Deus que emerge quando o nosso coração
mergulha nessa fonte. Não é por acaso que o céu nos é apresentado através
da imagem do canto e do louvor : "o céu e a terra proclamam a vossa
glória: hossana nas alturas!”
Não se pode ser porta-voz de Deus sem
estar apaixonado por Ele. sem o calor e a alegria de um coração surpreendido e
maravilhado pelo dom de Deus.
A carta aos Filipenses, é a carta da
alegria da missão. Diz Amêdeo Brunot, que depois da majestade basilical da
Carta aos Romanos , na Carta aos Filipenses temos a impressão
de entrar numa capela familiar, no cimo de um monte, onde chega toda a
alegria e toda a magia da paisagem.
Depois de ter passado mais de meio
século de vida, Paulo torna-nos confidentes da felicidade que sente por estar
ao serviço do anúncio do Evangelho. Num tempo em que tantos se cansam e se
desiludem neste ministério difícil do anúncio do Evangelho, esta carta é um
estímulo para nos ajudar a descobrir da bênção dos pés que, pelos montes
anunciam a paz, como canta o profeta. A carta aos Filipenses é uma das mais
belas cartas de S.Paulo. Foi escrita no cárcere ( 1, 14-17) “No meio das minha
tribulações, exulto de alegria”- grita o apóstolo. Toda a carta desde o
princípio ao fim é um hino à alegria.
A “marca do Espírito Santo em nós, diz S.Paulo ,
é a nossa capacidade de louvar e bendizer . “Fostes marcados com o
selo do Espírito Santo, o qual é penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para louvor da sua glória" (Ef. 1, 13-14) O
louvor é de facto a primeira palavra que o missionário deve aprender. Foi o
primeiro anúncio dos apóstolos, no dia do Pentecostes: “Ouvimo-los narrar nas
nossas línguas as maravilhas de Deus"
Recuperar a mística da missão é voltar
ao cenáculo para acolher o dom do Espírito Santo, aprender a louvar e a
bendizer, pois é no cenáculo que nasce a missão.
2.2. A Missão como dom do
Espírito Santo
“Saulo, meu irmão, foi
o Senhor que me enviou, esse Jesus que te apareceu no caminho em que vinhas,
para recobrares a vista e ficares cheio do Espírito Santo. Nesse instante,
caíram-lhe dos olhos uma espécie de escamas e recuperou a vista. Depois,
levantou-se e recebeu o Baptismo” (Act 9, 17)
Tudo começou com este Baptismo em que o
Espírito Santo marcou encontro com S.Paulo. É a presença deste Espírito que o
levará a tocar a fímbria do mistério da missão "A nós, Deus
revelou-nos o seu mistério por meio do seu Espírito. Pois o Espírito tudo
penetra, até as profundidades de Deus". ( 1 Cor. 2, 10-13)
S.Paulo diz-nos que só o Espírito Santo
pode penetrar nos segredos de Deus : é necessária a acção do Espírito Santo para
transpor esse limiar. Esse limar é o limiar que nos abre para a missão.
Acolhendo o Espírito Santo, o homem torna-se o confidente de Deus, o seu
profeta, a voz de Deus na terra dos homens.
Paulo vai mais longe e diz mesmo o que nos distingue é a marca do Espírito Santo em nós. È o Espírito que nos
marca com o seu selo e infunde no nosso coração a paixão pela missão. Sem ele,
nós seríamos uns intrusos em terra alheia, “Fostes marcados com o selo do Espírito
Santo, o qual é penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa
redenção daqueles que Deus adquiriu para a sua glória” ( Ef. 1, 13-14). Nós somos
a carta que Deus escreveu aos homens para falar com eles. “ Porventura não é a
Igreja criada pelos apóstolos a nossa carta de recomendação, escrita pelo
Espírito em caracteres da nova Aliança não em tábuas de pedra mas no fundo dos
nossos corações? ( 2 Cor. 3, 3) È uma imagem muito bela: quando
nós que anunciamos o Evangelho, somos uma carta que o Espírito Santo escreveu e
o Pai envia aos homens.
Esta actividade do Espírito no coração
de Paulo prolongar-se-á por toda a sua vida : ela é uma fonte onde todos
os dias ele vai beber. No fim da sua carreira ele poderá dizer: “ Com certeza que
ouvistes falar da graça de Deus que me foi dada para vosso benefício afim
de realizar o seu plano: que por revelação me foi dado conhecer o mistério tal
como antes o descrevi resumidamente. Lendo-o podeis fazer uma ideia da
compreensão que tenho do mistério de Cristo que não foi dado a conhecer aos
filhos dos homens em gerações passadas, como agora foi revelado aos seus
santos, Apóstolos e Profetas, no Espírito” ( Ef. 3, 4-5).
Este é o ponto de partida da vocação
missionária de todo o cristão: com o dom do Espírito Santo , que é derramado
nos nossos corações pelo Baptismo, nós ficamos marcados com a assinatura, o
selo do amor de Deus “ O amor de Deus foi derramado nos nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”.(Rom 5,5) È esta a
senha que nos permite entrar na missão, ou seja, na terra de Deus .
È a ultrapassagem desta fronteira que nos embarca na missão de Deus.
Esta presença do Espírito Santo na alma
do Apóstolo não é uma página que se assinou ou uma credencial que levamos no
bolso. Ela é um roteiro que vai à nossa frente a marcar o itinerário da missão
que temos de percorrer.
Foi na comunidade de Antioquia, onde
Paulo tinha passado um ano a evangelizar com Barnabé, que o Espírito Santo veio
ter com a comunidade a indicar-lhe o itinerário de Paulo e Barnabé: “ Estando eles a
celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo:
Separai Barnabé e Paulo para o trabalho a que os chamei”. Então, depois de
terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir” ( Act 13,
2-4)
Foi o Espírito Santo que escolheu os
pioneiros da evangelização da Ásia Menor. E o Espírito Santo partiu com eles
para a terra da missão. De facto, pouco depois, quando Paulo encontrou na ilha
de Chipre o mago Elymas, dizem os Actos dos Apóstolo, Paulo dirige-se a
ele “cheio do Espírito Santo”. Na segunda viagem o papel do Espírito Santo no
itinerário da missão de Paulo, será ainda mais interventivo. Com Silas,
Paulo visita de novo algumas cidades que tinha encontrado na
primeira viagem, nomeadamente Derbes e Listra, depois resolve ir para a “Ásia”,
ou seja, para a região de Éfeso, mas o Espírito impede-o; vai então
para o norte, a Frigia e o país dos Gálatas , querem continuara
viagem para a Bitínia, mas o Espírito mais uma vez não lho permite
(Act 16, 4) .
Depois destas frustrações, Paulo não
volta para trás mas continua a caminhar, a procurar. Então Paulo chega a Tróade.
Tróade era uma localidade perto da antiga Tróia, celebrada pelos poetas. Era
aí que o esperava o Macedónio. O Espírito queria que ele chegasse ao ponto
donde pudesse ver esse macedónio que o chamava. A Macedónia ficava fora da Ásia
Menor: era a primeira província romana na Europa. Era portanto uma cultura
diferente da Ásia Menor: O macedónio era um apelo novo, o apelo de um mundo
diferente e de uma nova cultura. Paulo tinha levado o cristianismo da cultura
judaica para a cultura grega, agora tratava-se da passagem para a cultura
romana A voz do macedónio, mais que uma voz vinda de longe, é uma
intuição interior, uma voz do Espírito dentro de nós. O apelo da missão sem
fronteiras. Um apelo que só se chega a ouvir depois de muitas conversões e por
vezes de muitas frustrações.
O macedónio representava uma cultura
nova, a cultura europeia, que logo se anunciava de difícil evangelização. Era
uma cultura que saberia defender-se, uma cultura superior. O macedónio de pé,
na plenitude das suas forças e do seu orgulho, desafiava S.Paulo. Exactamente
num momento em que tantos portais se fechavam e ele se sentia cansado e
desanimado, de repente, surge-lhe um apelo para além de todos os seus projectos
e de todas as suas forças, ele que até ali se limitara a andar de cidade em
cidade por espaços do seu à vontade.
Podemos imaginar que e Paulo tenha de
repente compreendido o sentido das suas frustrações e do seu entusiasmo sem
resposta. O Senhor estava-o preparando e amadurecendo para um novo apelo, o
apelo da Europa, ou seja, da missão sem fronteiras.
Os caminhos da missão estão muitas vezes
ligados a intuições deste género: quando nós parecemos inúteis e estamos
cansados pelas nossas frustrações, é então que o Senhor bate à nossa porta a
dizer que precisa de nós.
E no final da sua peregrinação, Paulo é
levado para Jerusalém conduzido “prisioneiro do Espírito”. Ele o confessa em
Éfeso aos presbíteros de Mileto: “ Agora, obedecendo ao Espírito vou a
Jerusalém, sem saber o que lá me espera , só sei que de cidade em cidade,
o Espírito Santo me avisa que me aguardam cadeias e tribulações” ( Act 20, 22-23
Mas para lá desta viagem geográfica fala
sobretudo de uma outra viagem: acompanhado do Espírito Santo: a viagem ao
interior do mistério da missão. O Espírito Santo foi para ele a mão que o
levou a penetrar no segredo da missão. Aos Gálatas S.Paulo confessa: “ Quando aprouve a Deus
– que me segregou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça –
revelar o seu Filho em mim, para que eu o anuncie como Evangelho entre os
gentios , não fui consultar criatura humana alguma , nem subi a
Jerusalém para ir ter com os que se haviam tornado apóstolos antes
de mim “ È o Espírito Santo e que nos comunica a vida de Deus é o tema
de todo o capítulo oitavo da Carta aos Romanos. È o Espírito que nos faz filhos
de Deus. A missão como filiação de Deus ou santidade é mergulhar na fonte da
missão. “Aqueles que são filhos de Deus são conduzidos pelo Espírito de Deus; vós
não recebestes um espírito que vos faz escravos , mas um Espírito que faz de vós filhos adoptivos pelo qual gritamos : Abba Pai. Este mesmo
Espírito atesta ao nosso espírito que somos filhos de Deus e
portanto herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” ( Rom. 8, 14-17; Gal 4,
5-7).
O Vaticano II consagrou a vocação
de todos os cristãos à perfeição da santidade, ou seja, à perfeição do amor
e da comunhão com Deus.
“Todos na Igreja, quer pertençam à
hierarquia quer façam parte da grei, são chamados à santidade, segundo a palavra
do Apóstolo: “Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação “ ( I res. 4, 3, Ef.
1, 4). A santidade deixou de ser monopólio dos ditos “estados de perfeição” ou
dos santos em vias de canonização. A santidade na sua perfeição é a vocação de
todo o cristão. Esta é verdadeiramente a “Jóia da Coroa” do Concílio. Ela mudou
completamente o olhar sobre a vida cristã “Sede perfeitos como o vosso Pai do céu é
perfeito” “ O Espírito Santo nos escolheu em Cristo, antes da criação do mundo,
para sermos santos e sem defeito no amor “ ( Ef 1, 4)
È pois, bem claro, diz a Lúmen Gentium no
nº 40, que todos os fiéis , seja qual for o seu estado ou classe,
são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade, santidade esta que promove , mesmo na sociedade terrena, um teor de vida
mais humano” ( LG 40) O que significa que todo o cristão é terra de missão.
No Baptismo, todos recebemos o Espírito
Santo em plenitude, tanto o leigo, como o padre, o bispo ou o Papa. Todos são
chamados à perfeição da santidade. Não se recebe o Espírito Santo, mais ou
menos; a conta gotas, aos bocadinhos, por esmola. O Espírito Santo
entrega-se todo: Ele é o grande dom do Pai. Uma hóstia não está mais ou menos
consagrada, Cristo não está mais numa partícula que noutra. Está todo em cada
uma. Mas os efeitos da comunhão não são iguais em todos. O Espírito Santo está
todo em cada cristão, como Cristo está todo em cada hóstia consagrada, seja ela
grande ou pequena. Acolher o Espirito na sua plenitude é embarcar no projecto
missionário do Pai.
Um dos mais belos hinos de S.Paulo é
aquela viagem que Cristo faz do seio do Pai até à terra dos homens, conforme
S.Paulo o explica aos Filipenses.
“Tende em vós os mesmos sentimentos que
havia em Cristo Jesus. Ele que era de condição divina, não considerou como
uma usurpação ser igual a Deus; mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição
de servo. Tornando-se semelhante aos homens e ao manifestar-se, sendo
identificado como homem, rebaixou-se a si mesmo , tornando-se obediente
até à morte e morte da cruz. Por isso Deus O exaltou e O elevou acima de
tudo “ ( Fil. 2, 5-11) Esta kenose leva-nos ao coração da missão. Acolher a
missão do Pai é entregar-se a si mesmo, “descalçar-se”, perder as suas
defesas, colocar-se em estado líquido, de pôr as armas, sair de si, para
se deixar acolher por outra terra onde o Espírito já se encontra e nos espera.
Este despojamento é necessário para captar os caminhos do Espírito já presente
nos espaços da missão. È Ele que precede o missionário e lhe indica os caminhos
da missão. O missionário é assim o primeiro a ser evangelizado no seio daquele
povo. O Espírito está presente não só na história que o missionário vai
encontrar, mas também na cultura e até nas suas crenças religiosas, como também
na sua vida quotidiana. È um despojamento que permite ao missionário discernir
e descobrir um novo rosto de Cristo incarnado naquele povo, vivendo a sua
história e os seus valores. A missão é sobretudo ajudar o povo a fazer esta
descoberta. È uma Kenose, feita de disponibilidade total, de abertura ao
outro, de escuta, de silêncio, de contemplação. A missão é mais paixão que acção.
Trata-se de se deixar moldar pela missão que se recebe, de se tornar
permeável ao encontro com o outro. È isso que lhe permite ultrapassar todas as
barreiras culturais e étnicas para poder acolher o dom do outro.
2.3. A escuta orante
da Palavra/ A Palavra confidência de Deus
Alegro-me nos
sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às
tribulações de Cristo , pelo seu Corpo que é a Igreja. Foi dela que
eu me tornei servidor , segundo a missão que Deus me confiou para vosso
benefício: levar à plena realização a Palavra de Deus, o mistério
escondido ao longo das gerações e que agora Deus manifestou aos seu
santos ( Col. 1. 24-25)"
No prólogo do seu evangelho, S.João
situa o Verbo, a palavra de Deus, como fonte da missão. E leva-nos em
peregrinação até essa fonte. Cristo é o Verbo de Deus que desde o seio da
eternidade, progressivamente vai entrando na história humana. Toda a realidade
criada é fruto dessa Palavra incarnada. A missão aparece-nos na sua origem,
abrangendo todo o universo, a começar pelo universo da criação. A Palavra
penetra em toda a historia humana e em todas as realidades criadas,
oferecendo-lhe a abundância e a plenitude dom de Deus. “Da sua plenitude,
todos nós recebemos”. Este Logos de Deus abraça a história humana e faz-se parte integrante
dessa história: “fez-se carne e habitou entre nós”.
Ao longo do Evangelho de João são
numerosos os textos que falam da relação entre o Pai e o Filho; A missão do
Filho é situada no interior da filiação divina. Ela comunica o mais profundo do
mistério do Pai. A missão é da ordem da filiação; é dom da vida do Pai., como
S.Paulo já o tinha dito. Esta filiação vai fecundar toda a história humana; João
situa-a no mais profundo das aspirações do homem. Os símbolos do pão e da água,
da luz e da vida, que identificam as mais profundas aspirações da pessoa, vai
João identificá-las com o próprio Filho, enviado do Pai. “Eu sou o pão que mata
toda a fome, a água viva que mata toda a sede, a luz que ilumina todo o homem
que vem a este mundo, a ressurreição e a vida”. Assim, a missão, se
por um lado está situada no coração da Trindade de Deus , por
outro, tem o seu termo no coração do homem. O Evangelho de João vai
ao fundo dos símbolos através dos quais passa a teologia do Reino de Deus; é um
Evangelho para ser contemplado, é uma missão para ser rezada.
S.Paulo confessa aos Coríntios: : “ A minha palavra e a
minha pregação não se apoiam em discursos persuasivos da sabedoria humana, mas
numa manifestação do poder do Espírito, para que a vossa fé não esteja
alicerçada na sabedoria humana, mas no poder de Deus “ ( 1 Cor, 2, 4-5).
S.Paulo utilizou todas as
tecnologias de ponta da comunicação do seu tempo para o anúncio do Evangelho.
Basta recordar as viagens e a mobilidade que farão dele uma cátedra
itinerante que vai ao encontro das pessoas, as cartas que eram uma
técnica avançada de difícil manejo que correspondia à nossa
Internet, os areópagos e praças públicas a anunciarem os modernos meios
audiovisuais, o diálogo nas suas expressão de encontro com as culturas e
com as religiões, etc.
Mas efectivamente elas são apenas um
instrumento ao serviço da palavra. No segundo capítulo da 1ª Carta aos
Coríntios ele afirma que “quando fui ter convosco não me apresentei com o
prestígio da linguagem ou da sabedoria para vos anunciar o mistério de Deus.
Julguei não saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo e este
crucificado ( 1 Cor. 2,) ....Ensinamos a sabedoria de Deus, mistério que permanece
oculto e que Deus antes dos séculos predestinou para nossa glória…. A nós ,
porém Deus o revelou por meio do Espírito. Pois o Espírito tudo penetra
até as profundidades de Deus …… Dos dons de Deus não falamos com palavras da sabedoria humana
mas com as que o Espírito inspira"
A Palavra de Deus exige uma escuta
orante que nos conduz ao mistério da missão. Nós temos muito a tendência para
derivarmos a nossa teologia para a devoção, para as palavras da sabedoria
humana. A perda do contacto profundo com a Palavra de Deus continua a ser
talvez o nosso maior handicap. .Já Zade Smith, a escritora
britânica de origem oriental confessava ao Expresso: “Eu cresci numa
família sem filiação religiosa. Quando se não tem um grande livro, é natural
olhar para uma data de pequenos livros” Nós fizemos da nossa espiritualidade
uma espiritualidade de pequenos livros.
Como nos ensina Armindo Vaz ( A arte de ler a
Bíblia, Ed Carmelo), nos primeiros séculos da Igreja a espiritualidade cristã era
bíblica. Depois, pouco a pouco, foi surgindo a necessidade de explicar a Bíblia e
a explicação acabou por substituir a Bíblia. A Bíblia passou para as escolas: e
assim começaram a distinguir-se a lectio divina e a lectio escolástica e dois modelos de
teologia, a teologia monástica e a teologia escolástica. A teologia monástica era a teologia dos
monges, um desenvolvimento da lectio divina, a partir da Sagrada Escritura a teologia escolástica era a teologia das
universidades, a partir da filosofia, da disputatio Numa pontificava o Deus
de Abraão, de Issac e e de Jacob, o Deus da história da salvação, e
na outra o Deus dos filósofos, de Aristóteles e Platão, o Deus das
escolas....Para uns o que provava a existência de Deus era a história da
salvação, para outros era a filosofia, a via das cinco causas de que falava
Aristóteles e que a Escolástica assumiu. Deus foi passando
da Bíblia para o o foro da filosofia. Uma tinha a sua expressão na liturgia, a
outra na escola, uma era de toda a comunidade, a outra dos peritos, uma voltada
para a contemplação, a outra debruçada sobre a análise e o estudo, uma
era espiritual, afectiva, a outra intelectual e abstrata.
A partir do século XII a teologia
escolástica começou a dominar a teologia bíblica: o livro a dominar sobre a
Palavra. Foi o predomínio da erudição clerical sobre a mística. Desde então no
Ocidente prevaleceu esse modelo teológico. E foi então que começou o desterro da Palavra na vida da Igreja e
dos cristãos. A leitura bíblica foi dominada pela leitura dos argumentos dos
exegetas. O povo afastado da Bíblia, voltou-se para os santos com quem se
identificava: as catedrais da Idade Média com os seus vitrais, as suas
procissões, os seus santos as suas iluminuras, tornaram-se a Bíblia do povo.
Assim nasceu a espiritualidade devocional, santoral. O primado da palavra de
Deus foi substituído pelas devoções .A devotio moderna, fundamentalmente
subjectiva, acabou por se impor na Igreja. A espiritualidade divorciou-se da
Bíblia.
A língua da Bíblia era o latim, a
língua dos eruditos, dos filósofos e teólogos.. O Papa Inocêncio III em 1199
chegou a proibir a tradução da Bíblia para as línguas vulgares ou “romances”
falada pelo povo: a Bíblia não devia ser acessível aos ignorantes, aos
bárbaros. A exegese da Igreja foi substituída pela exegese da Sorbona a teologia de joelhos pela teologia da escola. A Bíblia
tornou-se fonte de heresias e pretexto para muitas bíblias irem
desaguar no Tribunal da Inquisição. Santa Teresinha do Menino Jesus nunca teve
acesso a um texto integral do Antigo Testamento. Aquando da Reforma
protestante os protestantes entrincheiraram-se na Bíblia, os católicos
refugiaram-se na Tradição e nos sacramentos. E como a Eucaristia incluía duas
leituras da Escritura, bastava chegar ao Credo ou ao ofertório para a missa ser
válida, pois as leituras bíblicas eram um elemento secundário da celebração
eucarística.
De resto, elas eram em latim e ninguém
as entendia. No ritual dos sacramentos deixou de haver espaço para palavra de
Deus. Com o decorrer do tempo, a Igreja Católica, preocupada em defender a fé
tradicional do povo, ameaçada por uma livre interpretação bíblica, deu
prioridade à catequese das crianças. A Bíblia era o suporte do catecismo mas o
seu acesso directo estava praticamente reservada ao clero. Como diz D.Marcelino
“ O estudo da Sagrada Escritura foi deficiente, por haver mais preocupação com
os problemas exegéticos que com a riqueza espiritual inesgotável da Palavra de
Deus”.
Foi nesta espiritualidade que nós fomos
educados e com ela ficamos marcados. È evidente que para penetrarmos no
mistério da Missão temos que voltar à Palavra de Deus, como confidência da sua
missão e do seu amor por todo o género humano. A Palavra de Deus é a
confidência do seu amor e dos seus caminhos no mundo dos homens . È uma palavra
para se rezar. Ele leva-nos directamente ao mistério da missão.
Era uma vez uma boneca diferente de
todas as outras. Há bonecas de plástico, como há bonecas de neve. Esta não era
de neve nem de plástico era de sal.
O sal é um produto que existe sobretudo
no mar. Por isso a água do amor é salgada.
Mas esta boneca de sal não era como as
bonecas de neve que ficam paradas e mortas de frio no jardim. Esta era uma boneca
viva, que sabia pensar e gostava de passear. Muitas vezes ouvira falar do mar e
quando lhe falavam do mar, toda ela estremecia. Diziam-lhe que o mar era azul,
imenso, cheio de ondas e gaivotas. E nem ela sabia porquê, um desejo
irresistível de ver o mar se foi apoderando dela.: Esse desejo tornou-se ainda
mais irresistível quando lhe disseram que ela tinha vindo do mar. o sal de que
ela era feita era sal do mar.
E um belo dia, resolveu pôr-se a
caminho, à procura do mar, que ela não conhecia .Encontrou um grande rio.
Também ele era azul, mas não tinha ondas nem gaivotas. Não podia ser o mar.
Sentiu-se atraída por ele, mas algo lhe
dizia que ele não podia ser o mar. Perguntou ao rio para onde é que ele ia e o
rio disse-lhe que ia para o mar. Aí sim, estremeceu toda. E logo lhe pediu
licença para o acompanhar até ao mar. O rio sabia onde ficava o mar e seria uma
boa companhia para a viagem. E lá foi seguindo, sempre ao lado do rio, numa
viagem que parecia não ter fim. Como o mar ficava longe!
Andou, andou até que chegaram a uma
grande praia, cheia de areia e de sol. Lá adiante logo o reconheceu: era o mar.
Lá estavam as ondas e as gaivotas. Azul como o céu, imenso como céu, as
ondas brancas logo lhe começaram a acenar e a fazer sinal. Sentiu-se reconhecida.
Não havia dúvidas, era o seu mar. Todas a sondas cantavam e dançavam de
alegria:
- Quem és tu? Perguntou como quem não
desconfiava de nada
-Sou o mar! Responderam as ondas doidas
de alegria.
- Como posso chegar a ti?
- Avança sem medo, toca-me.
Pequenina como era, tocar aquele mar
imenso parecia-lhe um milagre. Mas algo lhe dizia que ela fazia parte daquele
mar e daquele azul.
Timidamente meteu um pé na água. E
experimentou uma sensação estranha, dolorosa e feliz ao mesmo tempo.
Pouco depois, ao voltar atrás para a
areia seca da praia, sobressaltada, deu-se conta de que os dedos dos pés que
tinham tocado na água, tinham desaparecido. O mar tinha-os derretido.
E de repente, ficou com medo do mar:
ter-se-ia enganado? Mas algo lhe dizia para experimentar de novo. Era uma
atracção quase irresistível. E a boneca voltou a tocar na água. E então sentiu
que primeiro os pés, depois, as pernas, depois o corpo todo ia desaparecendo no
mar, ma suma felicidade imensa a invadia toda E foi avançando lentamente até
que todo os eu corpo se transformou em mar.
Na praia brincavam algumas crianças. Uma
delas gritou:
- Ò mar, quem és tu?
Então a boneca de sal, toda feita mar,
gritou com todas as ondas: - O mar sou eu!
É uma parábola de Pedro Gaivota que eu
aplicaria ao mistério da missão Em cada um de nós existe essa saudade que
vem das fontes da nossa fé. Nós somos filhos o Mar. Deus é a fonte onde
nasce a nossa vocação missionária. Para ser missionário é preciso que a nossa a
imagem, o boneco que nós somos, se transforme naquele que lhe deu o ser. A
nossa história pequenina faz parte de um amor tão imenso como o amor do Pai do
céu: nós somos feitos para o mar.
Retirado do Site dos Franciscanos Capuchinhos em 18.04.2017.